ESTRATÉGIA EXPOSTA
Gravação mostra procuradores da "lava jato" tentando induzir depoimento
Ameaçar testemunhas com o intuito de influenciar o resultado de uma investigação criminal configura crime de coação no curso do processo, previsto no artigo 344 do Código Penal, já decidiu o Supremo Tribunal Federal.No entanto, é difícil imaginar qual é o possível desfecho quando a atitude é do próprio Ministério Público Federal.
Ameaças veladas, como “se o senhor disser isso, eu apresento documentos, e aí vai ficar ruim pro senhor”, que poderiam estar em um filme policial, foram feitas em plena operação “lava jato”. E em procedimento informal, fora dos autos.
O cenário é uma casa humilde no interior de São Paulo. Quatro procuradores batem à porta e, atendidos por familiares do morador — que presta serviços de eletricista, pintor e jardinagem em casas e sítios—, começam a questionar se ele trabalhou no sítio usado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e se conhece um dos donos do imóvel, o empresário Jonas Suassuna. Ao ouvirem que o homem não conhecia o empresário nem havia trabalhado no local, começam o jogo de pressões e ameaças:
Procurador: Quero deixar o senhor bem tranquilo, mas, por exemplo, se a gente chamar o senhor oficialmente pra depor daqui a alguns dias, e você chegar lá pra mim e falar uma coisa dessas...
Interrogado: Dessas... Sobre o quê?
Procurador: Sobre, por exemplo, o senhor já trabalhou no sítio Santa Barbara?
Interrogado: Não trabalho.
Procurador: O senhor já conheceu o senhor Jonas Suassuna?
Interrogado: Nunca... Nunca vi.
Procurador: O senhor já fez algum pedido pra ele em algum lugar?
Interrogado: Nem conheço.
Procurador: Então, por exemplo, aí eu te apresento uma série de documentações. Aí fica ruim pro senhor, entendeu?
Interrogado: Dessas... Sobre o quê?
Procurador: Sobre, por exemplo, o senhor já trabalhou no sítio Santa Barbara?
Interrogado: Não trabalho.
Procurador: O senhor já conheceu o senhor Jonas Suassuna?
Interrogado: Nunca... Nunca vi.
Procurador: O senhor já fez algum pedido pra ele em algum lugar?
Interrogado: Nem conheço.
Procurador: Então, por exemplo, aí eu te apresento uma série de documentações. Aí fica ruim pro senhor, entendeu?
A conversa foi gravada pelo filho do interrogado, um trabalhador da região de Atibaia. Os visitantes inesperados eram os procuradores do Ministério Público Federal Athayde Ribeiro Costa, Roberson Henrique Pozzobon, Januário Paludo e Júlio Noronha.
Nas duas gravações, obtidas pelaConJur, os membros do MPF chegam na casa do “faz tudo” Edivaldo Pereira Vieira. Sutilmente, tentam induzi-lo, ultrapassando com desenvoltura a fronteira entre argumentação e intimidação, dando a entender que dizer certas coisas é bom e dizer outras é ruim.
Na insistência de que o investigado dissesse o que os procuradores esperavam ouvir, fazem outra ameaça velada a Vieira, de que ele poderia ser convocado a depor e dizer a verdade.
Procurador: É a primeira vez, o senhor nos conheceu agora, e eventualmente talvez a gente chame o senhor pra depor oficialmente, tá? Aí, é, dependendo da circunstância nós vamos tomar o compromisso do senhor, né, de dizer a verdade, aí o senhor que sabe...
Interrogado: A verdade?
Procurador: É.
Interrogado: Vou sim, vou sim.
Procurador: Se o senhor disser a verdade, sem, sem problema nenhum.
Interrogado: Nenhum. Isso é a verdade, tô falando pra vocês.
Procurador: Então seu Edivaldo, quero deixar o senhor bem tranquilo, mas, por exemplo, se a gente chamar o senhor oficialmente pra depor daqui a alguns dias, e você chegar lá pra mim e falar uma coisa dessas...
Interrogado: A verdade?
Procurador: É.
Interrogado: Vou sim, vou sim.
Procurador: Se o senhor disser a verdade, sem, sem problema nenhum.
Interrogado: Nenhum. Isso é a verdade, tô falando pra vocês.
Procurador: Então seu Edivaldo, quero deixar o senhor bem tranquilo, mas, por exemplo, se a gente chamar o senhor oficialmente pra depor daqui a alguns dias, e você chegar lá pra mim e falar uma coisa dessas...
Investigado ou testemunha
Ao baterem à porta de Vieira, um dos procuradores diz: “Ninguém aqui tá querendo te processar nem nada, não”.
Ao baterem à porta de Vieira, um dos procuradores diz: “Ninguém aqui tá querendo te processar nem nada, não”.
No entanto, o nome de Pereira Vieira aparece na longa lista de acusados constantes do mandado de busca e apreensão da 24ª etapa da operação “lava jato”, que investiga se o ex-presidente Lula é o dono de sítio em Atibaia, assinado pelo juiz Sergio Fernando Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Ao se despedirem, deixando seus nomes e o telefone escritos a lápis numa folha de caderno, os membros do MPF insistem que o investigado escondia algo e poderia “mudar de ideia” e decidir falar:
Procurador: Se o senhor mudar de ideia e quiser conversar com a gente, o senhor pode ligar pra gente?
Interrogado: Mudar de ideia? Ideia do quê?
Procurador: Se souber de algum fato.
Interrogado: Não...
Procurador: Se você resolver conversar com a gente você liga pra gente, qualquer assunto?
Interrogado: Tá.
Interrogado: Mudar de ideia? Ideia do quê?
Procurador: Se souber de algum fato.
Interrogado: Não...
Procurador: Se você resolver conversar com a gente você liga pra gente, qualquer assunto?
Interrogado: Tá.
Ouça trechos da gravação:
*Texto alterado às 19h10 do dia 28 de abril de 2016 para correção.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2016, 17h14
COMENTÁRIOS DE LEITORES
CRETINISSE TEM LIMITES
FAROESTE - SAUDADES
ORA, ORA...
Vamos lá, um exemplo é ilustrativo: Um cliente seu foi pronunciado e será levado em breve ao plenário do Júri. Você, de última hora, descobre um álibi que seu cliente não havia lhe contado antes, por temer a repercussão pessoal que esse álibi traria.
Ele, solteiro, tinha como amante a mulher do melhor amigo, sendo que ambos estavam, no dia e hora do crime, em um quarto de hotel, do outro lado da cidade.
Você, advogado diligente, tem em mãos cópia do check in subscrito pelos pombinhos e de gravação ambiental extraída das câmeras de segurança do hotel.
Assim, diante dos elementos, você procura a referida mulher a fim de verificar no que ela pode ajudar com seu testemunho a ser prestado no Plenário do Júri.
Ele, com receio de acabar com o próprio casamento, nega que tenha o caso com seu cliente, diz inclusive que são pessoas distantes, aí, neste ponto do diálogo você emenda: "Olha, quero te deixar bem tranquila, mas tenho uns documentos aqui que comprovam que você esteve no hotel com ele, devo lhe alertar que se você for ao Tribunal do Júri e mentir terás praticado um crime".
Se você viu coação a testemunha nos dois casos, tens o meu respeito, apesar de entender de maneira diferente.
Agora, se vc acha que apenas no caso dos procuradores houve coação, você é só um hipócrita mesmo.