Por Paulo Donizetti de Souza | RBA
Publicado 01/06/2020 - 09h48
Reprodução redes | Charge: Otoniel Oliveira
Ex-ministro e ex-prefeito diz que nas últimas semanas houve manifestações criminosas e polícias foram condescendentes. “Só vai pra rua com taco de beisebol quem quer intimidar”
São Paulo – “Nós devíamos estar discutindo exclusivamente a crise sanitária. Se tivéssemos um país governado por uma pessoa minimamente equilibrada, estaríamos com foco nas mil mortes diárias com que os brasileiros estão convivendo.” A afirmação é do ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Durante entrevista neste domingo (31) ao programa Brasil TVT, Haddad lamentou que o país não esteja com foco nesta prioridade pelo fato de ter um governo que “promove o caos”.
O Brasil se tornou epicentro da pandemia do coronavírus no mundo. Com média diária superior a mil nos últimos dias, o país começa a semana com mais de meio milhão de casos confirmados de covid-19. São 514.849 casos diagnosticados da doença. E 29.314 mortes pela covid-19, atrás apenas de Estados Unidos, Reino Unido e Itália.
“Infelizmente somos o quarto país do mundo onde mais se morreu de coronavírus, mas com grandes chances de em dez dias estamos em segundo lugar. Uma tragédia. Deveríamos estar falando disso, mas há um governo que promove o caos. Que atenta contra a segurança dos cidadãos”, diz Haddad na entrevista. Ele se refere à conduta de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, de promoverem confronto com a democracia. “Vivemos um triste cenário em que brasileiros verdadeiramente patriotas estão saindo às ruas para defender a democracia. Arriscando as suas vidas para defender sua liberdade das ameaças que o Bolsonaro faz todo final de semana, nas ruas, e durante a semana muitas vezes em rede social.”
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Guarida ao fascismo
O ex-ministro comenta o fato de que neste fim de semana, torcidas organizadas antifascistas saíras as ruas em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. E personalidades do meio jurídico, político, da cultura e da academia se unem para divulgar manifestos contra esse governo e articular uma frente de lutas que una diferentes setores da sociedade contra o fascismo e o autoritarismo.
Segundo afirmou Haddad na entrevista, está sendo vista nas polícias militares desses estados uma atuação “independente” de seus governadores. “Por vários finais de semana o país assistiu a manifestações pela volta da ditadura. E eu não vi nenhum desses movimentos serem reprimidos pela polícia, apesar de serem inconstitucionais. São manifestações até com a presença do presidente, como neste domingo (31), o que inclusive configura crime de responsabilidade que justificariam um afastamento imediato um presidente da República”, ressalta.
“Hoje ele cometeu mais uma vez crime de responsabilidade, saudando apoiadores do fechamento dos outros dois Poderes da República. Isso está expresso na Constituição. O presidente não pode atentar contra o livre exercício dos demais Poderes. Não há salvação para o Bolsonaro do ponto de vista jurídico”, define.
Haddad afirma que está explícita a condescendência da polícia com o fascismo. “Não vi nenhum policial molestar simpatizantes do fascismo durante cinco semanas. Taco de beisebol, faca são armas brancas. Todo mundo sabe. Ninguém vai em manifestação com faca ou com taco de beisebol sem que seja para intimidação. Armas brancas não podem ser toleradas. Se amanhã alguém estiver com uma faca numa manifestação pró-democracia e essa pessoa for detida, ninguém pode reclamar. E isso deveria acontecer com um fascista.”
Métodos do fascismo
A impunidade a esse abuso é mais do que tolerância, diz o ex-prefeito de São Paulo. “É um recado que está sendo passado (pelas autoridades policiais) de que o fascismo tem guarida.
O ambiente se assemelha, segundo Haddad, ao que aconteceu na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler. “Não estamos convivendo com fenômeno novo. Esse é um fenômeno bastante antigo. O fascismo tem 100 anos e os historiadores todos já se debruçaram sobre esse assunto. Os métodos fascistas são muito conhecidos, inclusive as provocações, por trás de um ato aparentemente inofensivo”, ele observa.
“Quando um rapaz toma um copo de leite e diz ‘todos entenderão’ (esse gesto). Nós sabemos o que significa o recado do supremacista branco. Esse tipo está ganhando espaço na América, e nós sabemos que o bolsonarista é uma espécie de falsificação de nota de três, é a falsificação do que já é falso. Porque a América está vivendo uma falsificação da eleição do Trump, e o Bolsonaro é a falsificação disso que já é falso. Estamos lidando com uma situação limite com Bolsonaro”, compara
Jair Bolsonaro, avalia Haddad, está empurrando o país para o precipício. “E repito: o que devíamos estar discutindo agora era salvar as vidas das pessoas para retomar as atividades econômicas. E as duas coisas estão relegadas ao quarto plano. Isso porque a ordem do dia, salvar o país do autoritarismo, é uma completa inversão que nossa vida. Estamos sobrepondo crises.”
Contrastes
Existem no Brasil governantes, nos estados e municípios, que têm compromisso com o país e, lutando segundo Haddad, cada um sem suas esferas. “Eu vejo no Nordeste, por exemplo, governadores aumentarando sua aprovação durante a crise, ao contrário do Bolsonaro. E por que aumentaram a aprovação? Por que estão seguindo as orientações da ciência, das autoridades sanitárias. Estas indicando o caminho da saída da crise. Se se nós tivéssemos um governo federal determinado, provavelmente nós estaríamos saindo da quarentena com segurança”, acredita. Para o ex-ministro, porém, o Brasil corre o risco de sair da quarentena no pico da epidemia. “Com Bolsonaro tendo feito tudo errado, ele pode, pelo seu autoritarismo, fazer com que as curvas se cruzem no pior momento: a curva ascendente de número de mortos e a curva descendente isolamento social.”
Na entrevista ao Brasil TVT deste domingo, ele enfatiza que o governo Bolsonaro faz do Brasil um problema para o mundo. “Não só por termos nos tornado o epicentro da pandemia. Quando o mundo inteiro está saindo, nós podemos ser o vetor de uma segunda onda da própria pandemia, porque não soubemos nos comportar adequadamente de acordo com a ciência.”
Bolsonaro causa preocupações para os brasileiros e também para os que se importam com o Brasil no mundo, reitera. Haddad lembra que o Brasil sempre teve peso nas relações diplomáticas globais para defender a paz, a tolerância e o diálogo. “A nossa diplomacia sempre foi exemplar. E vivi um momento da história, como ministro (2005-2012) em que viajava muito para o exterior representando o Brasil na área de educação. E eu sei como era recebido. E duvido que o Weintraub (Abraham Weintraub, atual ministro) fosse recebido no exterior da maneira que fui.”
Preocupação e ameaça
O ex-ministro dos governos Lula e Dilma diz que o Brasil tinha “autoridade para falar sobre tudo”. “Somos o país que mais aumentou o número de universitários na primeira década do século. Que abriu as portas da universidade para as camadas economicamente mais vulneráveis. Ampliou creche, melhorou a qualidade do ensino fundamental. A pós-graduação tem uma explosão benéfica. Mandamos 100 mil pessoas para estudar fora, conhecer o mundo voltar, agregar valor à nossa ciência. Chegamos a 13º lugar na produção científica. E era por isso que o Brasil era conhecido.”
Ao trazer a visão do mundo para os dias de hoje, Haddad lamenta que o país seja visto como fonte de preocupação e ameaça. O motivo, ele assinala, é ter o presidente mais despreparado. “Conheci todos no Congresso quando era ministro. Conhecia decor todos os deputados e senadores. E o Bolsonaro era de longe o mais medíocre dos parlamentares.”
Para presidenciável derrotado na eleição de 2018, Bolsonaro é fruto de uma das características do fascismo: a resiliência (da sociedade, dos meios de comunicação, das instituições). “O fascismo é uma doença social. Quando ele emerge na sociedade é porque a sociedade de alguma maneira já estava em algum tipo de transe para receber uma mensagem dessa com naturalidade. Quando você naturaliza as aberrações que o Bolsonaro fala, é porque você já não está bem. Daí a resiliência. A sociedade recebeu o Bolsonaro já numa situação e debilidade.”
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