52 anos sem a Bahiminas: nota sobre a locomotiva 281
Neste mês de maio, completam-se 52 anos da extinção da Estrada de Ferro Bahia e Minas. A ferrovia foi oficialmente extinta em 1965, quando foi anexada à VFCO como se fosse um ramal, mas continuou funcionando por mais um ano até sua desativação em 1966 e permaneceu fisicamente em alguns trechos por cerca de dois anos no processo de erradicação dos trilhos, de 1966 até 1968.
Como já comentei em artigo anterior (aqui), numa canetada, desconsiderando o contexto da região, o governo militar destruiu em cerca de dois anos uma obra que durou 61 anos para ser concluída à custa de muito trabalho e de vidas humanas. Inaugurada em maio de 1881, a Bahiminas partiu de Ponta de Areia, na Bahia, em direção a Minas Gerais, onde alcançou Araçuaí em 1942, fim da linha dos seus 578 quilômetros que funcionaram ininterruptamente até 66, por coincidência também no mês de maio. Procurei em várias fontes a data exata do fim das atividades da ferrovia ou do decreto que a extinguiu, mas só encontrei menção ao mês.
Para relembrar a triste data, postei três imagens da locomotiva 281, as duas primeiras num momento de alegria e de festa em que aparece orgulhosamente enfeitada, junto a maquinistas, parada em frente a uma estação, tracionando trem de passageiros.
281 enfeitada em trem de passageiros em frete a uma estação (Fonte: Mucuri Cutural) |
281 na mesma situação acima de outro ângulo (Fonte: desconhecida) |
No outro momento, a mesma locomotiva, em Ladainha, já sem limpa-trilhos e aparentemente com farol menor, em tarefa menos brilhante, na erradicação do "ramal", ajudando a eliminar a linha em que nunca mais rodaria, puxando vagões-gôndola carregados trilhos em direção a Teófilo Otoni onde seriam embarcados em carretas e levados para fundições. Ela, a 281, e possivelmente todas as outras locomotivas da ferrovia teriam o mesmo destino após o corte (com exceção de uma, que hoje jaz como estátua na praça Tiradentes em Teófilo Otoni):
281 em Ladainha durante a erradicação da linha (Fonte: Ladainha, nossa história) |
Triste aniversário.
SÁBADO, 9 DE SETEMBRO DE 2017
Trem dos imigrantes em São Paulo
O trem dos Imigrantes, uma pequena composição num brevíssimo passeio turístico ferroviário em São Paulo é uma ótima oportunidade para tomar consciência, de um lado, do desleixo das autoridades brasileiras pela história e, de outro, da dedicação generosa de poucos para que o patrimônio ferroviário do país continue existindo. Sem qualquer ajuda do estado ou do município, a ABPF luta para manter o patrimônio ferroviário sobre os trilhos.
No passeio, a composição é formada por uma locomotiva a vapor, um vagão de lenha e dois carros de passageiros, No dia em que fiz a visita, um era de aço-carbono (da Fepasa) e outro de madeira. O trem parte de ré da Estação do Memorial até o pátio em que descansa o material rodante de que a ABPF cuida, num trecho de linha (menos de 3 km) que sobrou do antigo ramal dos imigrantes, ao lado da linha da CTPM.
Composição do Trem dos Imigrantes
Locomotiva e detalhe do vagão de lenha
A visita vale mais a pena para conhecer a composição e poder ver de perto o material rodante da ABPF a ser ainda restaurado do que propriamente para andar de trem. Isso porque o passeio, consiste em alguns metros de ré até o pátio em que o material rodante da associação se encontra e alguns poucos metros adiante até os limites do pequeno terreno em que a ABPF se encontra com a linha da CTPM. Apesar de curto, o passeio conta com a presença de um guia que conta aos visitantes um pouco da história ferroviária do país até a situação atual e do último trecho que restou da Ferrovia dos Imigrantes. No pátio, podem ser vistos vários vagões de madeira, e locomotivas magníficas, como um locobreque usado na Serra do Mar, uma locomotiva elétrica V-8 (conhecida como Russa) da Cia Paulista e uma locomotiva a vapor, um lindo carro restaurante e alguns vagões da RFFSA.
Vagão restaurante e no fundo um carro de passageiros
Vagão de madeira da Fepasa
Locomotiva V-8 (Russa) da Cia Paulista
Vagão box de madeira da RFFSA
Além do material rodante, a regional preserva também algumas construções típicas de beira de linha semelhantes às destinadas para serviços de fiscalização e manutenção:
Casa de madeira entre duas linhas do pátio da ABPF
Pequena casa de madeira entre a estação e o pátio da ABPF
Para quem não conhece, vale a pena dar um pulo lá na Lapa num fim de semana. A sede da ABPF regional São Paulo fica a 600 metros da estação Bresser Moóca do metrô, alguns passos depois do Memorial do Imigrante. O endereço é rua Visconde de Parnaíba, 1253. O trem funciona sempre nos fins de semana e feriados, das 10h30 às 16h.
QUINTA-FEIRA, 9 DE MARÇO DE 2017
Redescobrindo a Bahiminas III: Teófilo Otoni, Novo Cruzeiro, Brejaúba e Ladainha
Nas últimas duas postagens que publiquei sobre a Bahiminas (Redescobrindo a Bahiminas, aqui e aqui), falei do que encontrei da Bahiminas nas cidades de Sucanga, Caporanga, Ladainha, Teófilo Otoni e Carlos Chagas. A intenção foi mostrar o que restou da ferrovia em seu aspecto físico, além da memória oral ou escrita que restou sobre a passagem do trem nos vales do Mucuri e do Jequitinhonha.
Como minhas visitas aos lugares por onde passou a linha foram até agora apressadas e por isso aleatórias, fica a promessa de um dia percorrer, de uma ponta a outra, o leito da linha, passando por cada uma das cidades e dos lugarejos beneficiados pela saudosa ferrovia. Enquanto isso não acontece, valem as pequenas idas que posso fazer a um ponto ou outro da antiga linha, ajuntando as peças, agora arruinadas, que um dia formaram o complexo ferroviário orgulhosamente chamado de EFBM.
Desta vez, partindo de Teófilo Otoni, fui para Novo Cruzeiro e, de lá, passando por Brejaúba, segui para Ladainha.
Como minhas visitas aos lugares por onde passou a linha foram até agora apressadas e por isso aleatórias, fica a promessa de um dia percorrer, de uma ponta a outra, o leito da linha, passando por cada uma das cidades e dos lugarejos beneficiados pela saudosa ferrovia. Enquanto isso não acontece, valem as pequenas idas que posso fazer a um ponto ou outro da antiga linha, ajuntando as peças, agora arruinadas, que um dia formaram o complexo ferroviário orgulhosamente chamado de EFBM.
Desta vez, partindo de Teófilo Otoni, fui para Novo Cruzeiro e, de lá, passando por Brejaúba, segui para Ladainha.
Teófilo Otoni
A partir de Teófilo Otoni, antes de embarcar para Novo Cruzeiro, tive tempo de fazer uma rápida visita ao Dr. Arysbure Batista Eleutério, advogado, ex-ferroviário da Bahiminas e ferroviário aposentado pela RFFSA, onde passou a atuar depois que a EFBM foi extinta. Seu Ary, como o chamo normalmente, é autor dos dois únicos livros sobre a Estrada de Ferro Bahia e Minas, Estrada de Ferro Bahia e Minas, Ferrovia do Adeus, I e II, Incansável agente defensor da memória dessa estrada de ferro, é uma das últimas testemunhas da Bahiminas que de fato trabalharam nela. Natural de Ladainha, cresceu vendo os trens rodando na cidade. Em seu escritório, Seu Ary me permitiu fotografar imagens inéditas da Bahiminas e gentilmente me forneceu informações muito importantes sobre a ferrovia e seu material rodante, apesar do pouco tempo de que ele dispunha no dia por causa de problemas particulares.
Locomotiva com prancha carregada de toras de madeira no porto de Ponta de Areia
(Arquivo pessoal Arysbure Eleutério)
Locomotiva em Novo Cruzeiro
(Arquivo pessoal Arysbure Eleutério)
Belíssima pintura de escoteiras à vapor da EFBM em frente ao prédio das oficinas de Ladainha
(Reprodução de quadro pertencente a Arysbure Eleutério)
Antes de partir para Novo Cruzeiro, deu tempo de passear em torno da rodoviária, cujo terreno abrigou o pátio da EFBM na cidade (falei desse pátio aqui). Na parte externa do prédio da rodoviária, podem ser vistos, saindo da parede, dois trilhos que provavelmente foram da ferrovia e hoje fazem parte da estrutura do prédio. Vale lembrar que, segundo Seu Ary, o prédio atual da rodoviária foi construído no lugar da estação de Teófilo Otoni. Como a rodoviária foi construída no terreno onde havia a estação e o pátio de manobras, logo após a desativação da ferrovia, é praticamente certo que os trilhos saindo do predio serviram à EFBM.
Trilhos da EFBM à mostra na parte externa da rodoviária de Teófilo Otoni
Sem mais nada a mostrar sobre a ferrovia na cidade, desta vez, tomei um ônibus para Novo Cruzeiro.
Novo Cruzeiro
O caminho para Novo Cruzeiro é muito agradável; a estrada corta trechos de Mata Atlântica e, perto de Itaipé, há rochedos enormes que surpreendem pela beleza.
Desembarquei em Novo Cruzeiro debaixo de um pé d'água. Diferentemente do que imaginei, na primeira visão que tive da cidade; não pude identificar nenhum traço que me remetesse à ferrovia, exceto pela rua plana em que desci.
Pedras no caminho:
Desembarquei em Novo Cruzeiro debaixo de um pé d'água. Diferentemente do que imaginei, na primeira visão que tive da cidade; não pude identificar nenhum traço que me remetesse à ferrovia, exceto pela rua plana em que desci.
Depois de esperar numa lanchonete que a chuva diminuísse, saí para procurar um hotel e achei então os primeiros traços da estrada de ferro: como em Teófilo Otoni e em Ladainha, Novo Cruzeiro tem também bueiros feitos com trilhos:
Restos de trilhos em Novo Cruzeiro
Restos de trilhos em um dos bueiros de Novo Cruzeiro
Mais adiante vi um busto com uma placa, mas ainda nada de ferrovia, apenas laudatórias a um político de lá. Um pouco mais à frente, finalmente apareceu a estação. Linda, ela deixa claro, ao visitante, a quem ela pertencia com a sigla da Bahiminas pintada em letras enormes. Apesar de identificar o vínculo da estação, parece que, quando ela era ativa, não havia essa sigla em sua fachada. Muito bem conservada e com portas e janelas que parecem originais, a estação informa a quilometragem e a altitude da parada. Fotos antigas da estação mostram que o solo ao redor da estação foi aterrado para talvez deixar as plataformas mais ao nível do chão. Na praça, não há, no entanto, nenhuma placa que informe sobre a ferrovia ou sobre sua importância para a região. Uma pequena laje cimentada no chão sugere, porém, que ali havia uma placa informando algo, que espero, devia ser sobre a ferrovia.
Estação de Novo Cruzeiro: sigla EFBM na fachada e base da placa roubada
A foto acima evidencia como a estação ficou mais baixa
Estação de Novo Cruzeiro de outro ângulo
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Ao lado da estação, há um bonito prédio ferroviário, igualmente bem preservado. Ele parece que é hoje usado como sede de uma secretaria da prefeitura. No terreno desse prédio, está exposta uma guarita usada pelo troqueiro, funcionário cuja função principal era alternar as passagens de duas ou mais vias por meio de um desvio. A guarita tem uma cerca de madeira e junto a ela há uma placa informativa. Pena que o prédio estivesse fechado, então por causa disso não pude me aproximar dela De qualquer modo, consegui ler a placa feita pela prefeitura de Novo Cruzeiro graças ao zoomda câmera. Segundo ela, "a guarita, que foi restaurada em 2016, pertenceu à Bahiminas e ficou sem utilização em 1966, com a desativação da EFBM." Ela ainda informa que "o troqueiro, que na época (imagino a da desativação) era Ordônio Pinto, tinha a função de trocar as buchas queimadas dos vagões quando estes vinham rebocados, pois pegavam fogo devido ao atrito do carro em movimento".
Casa ferroviária ao lado da estação.
Em seu terreno, está a guarita do troqueiro
Guarita do troqueiro
Cachaçaria Bahiminas: e a memória esmaece
Na cidade ainda se veem alguns prédios que foram contemporâneos da estrada de ferro com suas fachadas características. Enquanto fotografava, vi que no município ainda passam carregamentos de madeira, não mais de trem, como no passado, mas de caminhões bi-trem. A partir dali, em direção a Araçuaí, há ainda Queixada e Schnoor. Queria também ter podido seguir a linha estrada nessa direção, mas precisava ir em direção a Ladainha, passando primeiro por Brejaúba.
Brejaúba
A partir de Novo Cruzeiro, em companhia do motorista, Paixão, tomei a estrada de terra que leva a Ladainha. O caminho é ladeado por fragmentos de Mata Atlântica, que imprimem ao visitante uma impressão agradável, pela beleza da paisagem e pelo frescor da viagem por causa da sombra das árvores. Há muitas curvas, rochedos e barrancos durante todo o percurso, o que faz com que o viajante que tenha ciência da história recente da região pense nos trens que por ali passaram e no esforço que os pioneiros da ferrovia tiveram no lugar para abrir caminho para os trilhos. No trecho, encontrei também um prédio antigo e uma obra de arte em pedra, que servia como ponte sobre um ribeirão.
Mais adiante, já em Brejaúba, no município de Ladainha, há ainda de pé uma caixa d'água usada para abastecer as locomotivas a vapor. A caixa d'água, assentada em estrutura simples de concreto armado, parece que era composta de duas partes, sendo que apenas uma delas ainda existe. Seu fundo já está vazado pela corrosão e as laterais estão pixadas. Uma camada de tinta poderia fazê-la durar muito ainda.
Alguns metros adiante, ainda está de pé a estação de Brejaúba. Ainda bem conservada, ela tem janelas e portas que parecem ser originais. A fachada do prédio informa o nome da estação e o ano, mas não traz informação sobre a altitude ou sobre a quilometragem daquele ponto, recorrente em outras estações da ferrovia.
Pouco tempo depois, o traçado da estrada de rodagem abandona o leito da ferrovia. Agora, para chegar a Ladainha, o caminho foi encurtado por uma nova estrada. Saímos então da estrada atual e retomamos o leito da ferrovia. Assim que entramos na estrada antiga, passamos por um pontilhão ferroviário com base de pedra. A estrutura do pontilhão é de aço, com pranchas de madeira sobre ele. Seu estado, no entanto, está já bastante precário, com algumas barras que ligam a estrutura completamente corroída pelo tempo. A base de pedra em que a ponte ferroviária se assenta é grande e imponente.
Logo que passamos pelo pontilhão, encontramos um trecho ladeado por um rochedo que foi aberto ao meio para o trem passar. Deu medo passar praticamente debaixo da enorme pedra. O caminho é estreito e claustrofóbico. A sensação que tinha era de que uma pedra poderia descer e nos esmagar ali embaixo.
A passagem por esse rochedo foi apenas um anúncio do que viria a seguir; a estrada de repente termina num paredão de pedra coberto de vegetação com uma abertura escura no meio emoldurada de concreto: o túnel da Pedra Maldita, já próximo de Ladainha. Antigos moradores da cidade contam, informação confirmada por Seu Arysbure, que, quando o túnel era construído, dois trabalhadores foram engolidos pelas pedras após uma explosão acidental. Seus corpos estão lá até hoje porque foi impossível recuperá-los devido à quantidade de pedras sobre eles.
Bem devagar, entramos de carro no buraco com os faróis ligados. Fora a sensação de que se está numa tumba, foi impressionante ver aquela passagem de pedra, construída numa época em que as ferramentas mais precisas eram algo como picaretas. Nesse momento, pensei no esforço físico e mental gigantesco que tantas pessoas tiveram para passar o trem por ali, nas vidas que se perderam, e, apesar disso, numa simples canetada de um governo, expresso numa única pessoa, alheia à realidade da região, todo o trabalho realizado por heróis anônimos passa a ruína, de modo instantâneo.
No interior do túnel, não há revestimento na extensão média da cavidade, mas, próximo às bordas, às bocas de saída/entrada, há, dos dois lados, na parte interna, uma estrutura de pedra ou de concreto (não pude identificar) que parece servir de sustentação da pedra para evitar deslizamentos. A estrutura é simétrica, em forma de U invertido e imita parede de tijolos, como mostram as fotos.
Logo depois do túnel, passamos ainda por um corte feito num enorme rochedo. Ainda nesse ponto, a estreita estrada ainda é cercada de muito verde e praticamente não há habitações. Mais alguns minutos, chegamos a Ladainha.
Trecho da estrada próximo a Brejaúba: cortes na pedra e
resquícios de Mata Atlântica dominam a região
(Arquivo pessoal)
Mais adiante, já em Brejaúba, no município de Ladainha, há ainda de pé uma caixa d'água usada para abastecer as locomotivas a vapor. A caixa d'água, assentada em estrutura simples de concreto armado, parece que era composta de duas partes, sendo que apenas uma delas ainda existe. Seu fundo já está vazado pela corrosão e as laterais estão pixadas. Uma camada de tinta poderia fazê-la durar muito ainda.
Caixa d'água da ferrovia e estação de Brejaúba ao fundo
(Arquivo pessoal)
Detalhe do fundo da caixa d'água: corrosão
Estação de Brejaúba
Pouco tempo depois, o traçado da estrada de rodagem abandona o leito da ferrovia. Agora, para chegar a Ladainha, o caminho foi encurtado por uma nova estrada. Saímos então da estrada atual e retomamos o leito da ferrovia. Assim que entramos na estrada antiga, passamos por um pontilhão ferroviário com base de pedra. A estrutura do pontilhão é de aço, com pranchas de madeira sobre ele. Seu estado, no entanto, está já bastante precário, com algumas barras que ligam a estrutura completamente corroída pelo tempo. A base de pedra em que a ponte ferroviária se assenta é grande e imponente.
Pontilhão visto de longe: no lugar dos trilhos, foram colocadas pranchas de madeira para passagem dos carros
Detalhe do pontilhão por baixo
Detalhe do muro de apoio do pontilhão |
Logo que passamos pelo pontilhão, encontramos um trecho ladeado por um rochedo que foi aberto ao meio para o trem passar. Deu medo passar praticamente debaixo da enorme pedra. O caminho é estreito e claustrofóbico. A sensação que tinha era de que uma pedra poderia descer e nos esmagar ali embaixo.
Passagem estreita por paredão de pedra
A passagem por esse rochedo foi apenas um anúncio do que viria a seguir; a estrada de repente termina num paredão de pedra coberto de vegetação com uma abertura escura no meio emoldurada de concreto: o túnel da Pedra Maldita, já próximo de Ladainha. Antigos moradores da cidade contam, informação confirmada por Seu Arysbure, que, quando o túnel era construído, dois trabalhadores foram engolidos pelas pedras após uma explosão acidental. Seus corpos estão lá até hoje porque foi impossível recuperá-los devido à quantidade de pedras sobre eles.
Boca do túnel no sentido Ladainha
Bem devagar, entramos de carro no buraco com os faróis ligados. Fora a sensação de que se está numa tumba, foi impressionante ver aquela passagem de pedra, construída numa época em que as ferramentas mais precisas eram algo como picaretas. Nesse momento, pensei no esforço físico e mental gigantesco que tantas pessoas tiveram para passar o trem por ali, nas vidas que se perderam, e, apesar disso, numa simples canetada de um governo, expresso numa única pessoa, alheia à realidade da região, todo o trabalho realizado por heróis anônimos passa a ruína, de modo instantâneo.
No interior do túnel, não há revestimento na extensão média da cavidade, mas, próximo às bordas, às bocas de saída/entrada, há, dos dois lados, na parte interna, uma estrutura de pedra ou de concreto (não pude identificar) que parece servir de sustentação da pedra para evitar deslizamentos. A estrutura é simétrica, em forma de U invertido e imita parede de tijolos, como mostram as fotos.
Interior do túnel:
Boca do túnel no sentido Brejaúba
Logo depois do túnel, passamos ainda por um corte feito num enorme rochedo. Ainda nesse ponto, a estreita estrada ainda é cercada de muito verde e praticamente não há habitações. Mais alguns minutos, chegamos a Ladainha.
Paredão feito à picareta e dinamite para a passagem dos trens
Ladainha
Detalhes das fachadas das antigas casas de Ferroviários em Ladainha:
A bonita praça linear de Ladainha, antigo leito da ferrovia
Busto de Wenefredo Portela na praça linear de Ladainha
Detalhe da placa identificadora do busto
Perto dali, há também o "Caixotão", antigo cinema e centro de recreação dos ferroviários, caindo aos pedaços, e a fachada do prédio que abrigava as oficinas da companhia e a caixa d'água em frente a ela e ainda o prédio da subestação de energia e o prédio do almoxarifado. Esse conjunto arquitetônico, embora esteja parcialmente preservado e dê por isso a impressão de que está salvo, não parece ser considerado um patrimônio reconhecido do município. Prova disso é que a fachada das oficinas serviu de base para a construção de um ginásio poliesportivo, sendo eliminada toda a parte interna original. Embora a configuração externa do prédio tenha sido preservada parcialmente, toda a construção interna foi perdida. O prédio não existe mais exceto pela frente e pelas paredes laterais. Segundo Seu Ary, após a erradicação da linha, o telhado começou a ser desmontado para ser vendido. - Se não fosse por Seu Ary e outros companheiros abnegados, boa parte do que sobrou hoje não existiria mais. - A caixa d'água está sendo engolida pelas construções que dela se avizinham. A distância entre ela e as construções residenciais não passa de centímetros!! (veja aqui mais sobre a caixa d'água das oficinas de Ladainha). Além disso, o estado do "Caixotão" é deplorável e a antiga subestação, embora abrigue ainda estilo e peças da época, está abandonada e seu terreno serve como garagem de ônibus escolares.
O Caixotão, em estado lastimável
Fachada das oficinas em Ladainha
A subestação e seu entorno deveriam ser convertidos em uma espécie de memorial da EFBM. O prédio poderia ser restaurado e abrigar um acervo sobre a geração de energia e sobre todo o sistema de eletricidade a partir da Usina Wenefredo Portela. Também poderia abrigar um museu fotográfico da ferrovia. No terreno, contíguo ao ginásio, parte da antiga oficina, poderia ser fixada uma linha como antigamente, que dali conduzisse uma Maria Fumaça, uma manobreira ou um auto de linha que fosse até a estação ou até a usina ou ainda até Caporanga ou Sucanga. Isso poderia trazer turistas à cidade, gerar emprego e renda ao município e fomentaria qualificação profissional dos jovens. Essa linha poderia adiante servir à população com um moderno VLT, por que não?. Num país mais sério, ações como essas poderiam ser bem simples de executar, apesar dos custos talvez altos de implantação. Aqui, porém, planos assim esbarram na vontade política, na burocracia ou são atribuídos a lunáticos e a poetas e por isso jazem na dimensão do impossivel.
Na casa do Seu Ary, vi uma foto de um vagão-prancha carregado de tubulações em Ladainha na época em que lá havia trem. Curiosamente, nesta última viagem à cidade, um caminhão carregado de tubulações passou pela plataforma da estação justo quando eu tirava uma foto.
Paradoxo: as cargas que deslizavam outrora sobre trilhos arrastam-se hoje em carretas nas estradas esburacadas dos sertões
Essa imagem acidental de um caminhão passando pela estação reflete a situação que nos encontramos em termos de transporte, quando já não se carregam mais cargas em trens, quando a população só pode contar com ônibus como transporte público, quando imaginar um retorno mesmo modesto do que já tivemos em termos ferroviários, especialmente para passageiros, é um sonho irreconciliável com a realidade.
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