Por Hora do Povo Publicado em 31 de agosto de 2020
Bolsonaro e a ministra Damares Alves apareceram em “live”, na quinta-feira, 27/08, para dizer que a deputada Flordelis “enganou todo mundo”.
Segundo Bolsonaro, “durante a minha campanha e pré-campanha, tirava 500 fotos por dia. Depois, ‘nego’ garimpa uma foto de alguém que fez uma besteira qualquer, ou é acusado, né, e tentam desgastar a gente (…) a minha esposa também tirou foto com ela e roda na internet”.
Todo mundo sabe que Flordelis não era um incauto (aliás, incauta) que apareceu um dia na campanha de Bolsonaro para tirar uma “selfie” – ou alguém que apareceu em fotos com ele, com sua mulher ou com seus filhos, porque ele tira muitas fotos por dia…
Mas não é à toa que ele aparece com Damares, para dar tais explicações – que mais parecem, e são, uma incriminação – sobre sua relação com a pastora assassina.
Flordelis era (e, tudo indica, ainda é) a típica bolsonarista – não a típica eleitora bolsonarista, mas a típica vigarista e marginal que compunha (e compõe) a trupe de Bolsonaro.
Afinal, trata-se de uma deputada federal da bancada bolsonarista – um cargo que somente 500, entre 211 milhões de brasileiros, têm a prerrogativa de ostentar.
Além disso, há tempos que o charlatanismo e a vigarice pseudo-religiosas são um covil bolsonarista.
O próprio Bolsonaro, batizado no rio Jordão, durante uma visita a Israel, pelo pastor Everaldo, hoje preso por corrupção, é um exemplo típico.
Bolsonaro foi batizado pelo malfadado Everaldo. Recebeu a bênção do sr. Edir Macedo no “Templo de Salomão”. Entretanto, qual a religião de Bolsonaro?
Nenhuma. Assim como já apareceu com quase todas as camisas dos times de futebol do Brasil, também a religião, para ele, é uma questão de conveniência e ganho a cada momento.
Nisso, ele só difere de Flordelis, porque esta somente se apresentava como “neopentecostal” ou “evangélica”. Mas suas convicções religiosas eram do mesmo tipo das de Bolsonaro – uma questão de conveniência, e, sobretudo, ganho.
Mas, já que Bolsonaro quer passar a ideia de que Flordelis se encontrava com ele e família quase tão por acaso quanto os números e cores que a roleta de um cassino escolhe – supondo que a roleta não seja viciada – vejamos o vídeo abaixo, feito a mando da própria Flordelis, sobre a posse do atual ocupante do Alvorada:
Pois, Flordelis é uma flor (Deus!) tão bolsonarista quanto a Damares e o seu pé de goiaba; ou quanto o Araújo berrando “Anauê!”; ou quanto o filho zero-dois (ou será o zero-um?), garantindo que o Sol gira em torno da Terra, e não o inverso; ou quanto o próprio Bolsonaro sendo batizado pelo pastor Everaldo…
Em “Os Três Mosqueteiros”, o romance de Alexandre Dumas, a flor de lis é a “marca da infâmia”, que a vilã do livro, a depravada e assassina Milady de Winter, carrega em um dos ombros, gravada a ferro na carne. Milady só não consegue assassinar o marido, o mosqueteiro Athos, conde de La Fère.
Mal sabia Dumas, escritor negro na Paris do século XIX, que outra flor de lis, mais de 170 anos após o seu livro, apareceria para remediar essa falha da sua vilã.
INFINITO
Agora, publicamente, o caso Flordelis é um esgoto sem fundo – ou uma fossa com um fundo sem fim.
Mas, sem exagero, não é assim sempre com o bolsonarismo – não o bolsonarismo ocasional ou qualquer, mas o bolsonarismo “de raiz”?
Não é assim o lixo da sociedade?
Não era assim o nazismo?
E aos que acham – ainda – que essa comparação é despropositada, lembramos que ela também parecia, para muitos, despropositada antes da II Guerra, sobretudo antes que se descobrissem os campos de concentração e extermínio do Terceiro Reich.
O que era o nazismo, senão uma reunião de marginais, lúmpens, psicopatas e outros anormais, a serviço do capital financeiro alemão?
O que é o bolsonarismo, em seu carnegão, senão uma coligação de milícias, candidatos a ditador, vigaristas pseudo-religiosos, obscurantistas medievais – ou anteriores à Idade Média -, galinhas verdes fora de época, corruptos, pervertidos que preferem proteger o estuprador de uma criança à proteger a criança estuprada, e outros criminosos de variada cepa, colocados a serviço de Trump e do que existe de mais degenerado no capitalismo monopolista financeiro dos EUA?
Flordelis é, muito, o retrato desses doentes, pervertidos e criminosos.
Já apareceu de tudo na carreira dessa suposta “defensora da família”: assassinatos múltiplos (ou tentativas múltiplas de assassinato), troca de casais em casas de swing, incesto (com um filho “adotivo”), prostituição de filhas, oferecidas as pastores “evangélicos” estrangeiros – e somos tentados a parar aqui, devido à repugnância.
Infelizmente, não podemos.
Há frases, aparecidas em textos de jornalistas de alto (e, em boa parte, justo) conceito, que são até difíceis de entender. Por exemplo:
“Flordelis foi mãe e sogra de Anderson antes de ser mulher dele e mandar sete filhos e a neta assassiná-lo com 30 balaços porque não podia separar-se dele e, assim, prejudicar sua imagem imaculada de cantora gospel, pastora e mãe de família exemplar perante a comunidade de sua grei.”
O problema não está no texto, mas no contorcionismo dos limites sociais e morais – tanto, que até parece piada.
Mas não é.
A pastora Flordelis, antes de consumado o crime, tentou assassinar oito vezes o pastor Anderson, que, 16 anos mais novo, estava com sua filha Simone, antes de se casar com a mãe.
Em mensagens encontradas em celulares, Flordelis dizia aos filhos:
“André, pelo amor de Deus, vamos pôr um fim nisso. Me ajuda. Cara, tô te pedindo, te implorando. Até quando vamos ter que suportar esse traste no nosso meio? Fazer o quê? Separar dele não posso, porque senão ia escandalizar o nome de Deus.”
Já assassinar o marido, apesar do Quinto Mandamento (“Não matarás”), na opinião de Flordelis, não escandalizava o nome de Deus…
Era assim a sua defesa da família. E, nesse caso, não existe nem a atenuante do caso passional. O motivo do assassinato de Anderson do Carmo foi dinheiro – isto é, a divisão, distribuição e aplicação do dinheiro que eles extorquiam dos incautos, dos que acreditavam na conversa fiada pseudo-religiosa.
Um assassinato tramado com um ano de antecedência. A polícia constatou seis tentativas de envenenamento por arsênico na comida e na bebida de Anderson do Carmo – a primeira delas em maio de 2018 -, além de uma tentativa de liquidá-lo a bala em frente a um de seus templos, e outra em que tentou-se forjar um latrocínio, na saída de uma concessionária na Barra da Tijuca.
O dia – ou a noite, pois Anderson do Carmo foi assassinado na madrugada de 16 de junho de 2019 – do crime é de uma frieza pouco comum, inclusive em crimes de psicopatas. Ainda que não tenha sido completamente elucidado, o próprio mistério mantido por Flordelis faz crer que ela e o marido estavam numa casa de swing – isto é, “troca de casais” – em Botafogo, zona sul do Rio. Foi a poucos metros desse estabelecimento que o carro dos dois foi detectado por um radar da CET-Rio. Flordelis, no entanto, nega que esteve em Botafogo; diz que não se lembra de onde esteve, mas foi em Copacabana.
Flordelis era, há muito, frequentadora de casas de swing, entre um e outro discurso “em defesa da família”. Uma testemunha forneceu à Polícia o seguinte depoimento:
“… se recorda que antes do primeiro DVD da Pastora Flordelis, por volta do ano de 2007, conseguiu convencer a sua supervisora a ir a Igreja que a declarante frequentava;
“… ao chegar ao culto a supervisora da declarante, ao ver a Pastora Flordelis no altar, ficou extremamente surpresa;
“… a supervisora indagou a declarante perguntando ‘essa que é a sua pastora?’;
“… a declarante respondeu que sim;
“… sua supervisora extremamente surpresa disse ‘(….) ESSA MULHER AÍ FREQUENTA A MESMA CASA DE SWING QUE EU FREQUENTO LÁ NA BARRA’;
“… a casa de swing era na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro;
“… se recorda que o nome da casa era até um número;
“… a supervisora disse que inclusive Flordelis tinha até um quarto lá exclusivo e que isso era muito caro;
“… a declarante ficou surpresa com a notícia e disse que não era possível aquilo;
“… a supervisora apontou quem estava no culto e frequentava a casa;
“… foram apontados a Pastora Flordelis, o Pastor Anderson do Carmo, Simone [filha biológica de Flordelis e ex de Anderson] e André, que na época era diácono e marido da Simone;
“… a supervisora disse que havia encontrado eles no sábado passado;
“… se recorda que a supervisora ainda frisou que Flordelis havia descido as escadas da casa de swing extremamente bêbada;
“… a supervisora descreveu a roupa de Anderson e Flordelis, mas disse que havia um homem que não conseguiu ver o rosto;
“… a supervisora não quis mais assistir ao culto e foi embora”.
Isso foi em 2007, isto é, 12 anos antes do assassinato de Anderson do Carmo.
PACTO E OMERTÀ
Resta pouca dúvida – aliás, como disseram alguns, não é possível dúvida – de que essa vida que transitava por casas de swing e pelo oferecimento de filhas a pastores, não era um segredo compartilhado apenas por Flordelis, Anderson e alguns outros “filhos” ou “filhas”.
O próprio caso da supervisora, que reconheceu Flordelis como sua colega de casa de swing, demonstra que havia pouca preocupação em manter estrito segredo dessa vida nas sombras.
A família Bolsonaro tinha todas as condições de saber a quem estavam apoiando – inclusive, fazendo-a deputada federal.
Alguém acredita que eles não soubessem quem era Flordelis?
A outra hipótese é a de que não quisessem saber – o que equivale a saber e olhar para o outro lado.
Mas esse não é o estilo de Bolsonaro e família. Nem dos grupos criminosos com que conviviam, inclusive dentro do próprio condomínio em que Jair Bolsonaro residia.
Também não é crível que entre as seitas supostamente “evangélicas” ou “neopentecostais” não se soubesse quem era Flordelis – ou que suas atividades ocultas fossem completamente desconhecidas.
Flordelis era, por exemplo, contratada da gravadora gospel MK Music, do senador Arolde de Oliveira, aliás, do mesmo partido (PSD) que a deputada, pastora e assassina. Tanto Arolde quanto Flordelis apoiaram Bolsonaro – e foram apoiados por ele.
Pois Yvelise de Oliveira, a esposa de Arolde de Oliveira, em depoimento à Polícia, descreveu Flordelis como “dissimulada e perigosa”.
O depoimento foi realizado em 11 de fevereiro, quando Flordelis ainda não fora acusada pelo assassinato de Anderson do Carmo. Mas, ao ser perguntada, Yvelise de Oliveira disse que a deputada seria capaz de armar “algo desse tipo”.
E, mais: “A mulher de Arolde afirmou ainda que Flordelis é enigmática e nebulosa e que percebia, em alguns momentos, que a deputada tinha uma personalidade diferente da que apresentava publicamente” (cf. Mulher de senador Arolde de Oliveira diz em depoimento que Flordelis é ‘dissimulada e perigosa’, Extra 10/04/2020).
Em suma, era conhecido que Flordelis não era o que dizia ser, mas havia um pacto de silêncio, cujo denominador comum era o dinheiro.
Por isso, Flordelis ficou tanto tempo extraindo dinheiro de pessoas ingênuas ou crédulas ou desesperadas, gozando (em vários sentidos) das benesses dessa extorsão, enquanto posava de “defensora da família”, no estilo bolsonarista.
Vejamos uma amostra em vídeo:
A cumplicidade de gente que sabia o que ela era realmente, garantiu-lhe desde um filme sobre sua suposta vida (“Flordelis – Basta uma Palavra para Mudar”, com Marcello Antony no papel do pastor Anderson do Carmo; Deborah Secco no papel da filha Simone; além de Letícia Sabatella, Bruna Marquezine, Reynaldo Gianecchini, Fernanda Lima, Rodrigo Hilbert, e outros) até a eleição para deputada federal na onda do bolsonarismo.
Com direito a uma mãozinha por parte de Lula, Dilma e do PT, que facilitaram e incharam a mídia pseudo-religiosa, como se Edir Macedo e quejandos fossem melhores do que a Globo e os irmãos Marinho.
Não são. Na verdade, sempre foram piores.
Enquanto fazia campanha eleitoral com Bolsonaro, Flordelis tramava a eliminação da galinha dos ovos de ouro – o sujeito, Anderson do Carmo, que confeccionou o esquema para que ganhasse dinheiro com uma vida totalmente falsa e falsificada.
Pelo que parece, Anderson do Carmo não percebeu que estava cevando, com sua desonestidade e vigarice, uma cobra. Que acabou por matá-lo.
A REPRESENTANTE
Essa história, leitores, somente parece original pelas consequências extremas, criminosas, sem limites na depravação.
Entretanto, convenhamos, não é incomum no bolsonarismo. Nem mesmo pelo crime.
Todos os doentes sociais bolsonaristas não são assim?
Estamos falando desse lixo que reúne Saras & Olavos; Weintraubs & Beatos Salus; Damares & obsessões com “crucifixos na vagina” (sic); defensores de estupradores de crianças, assim como Carlos & Léos Índios, Adrianos & Ronnie Lessas do Escritório do Crime, Fabrícios Queiroz, o Flávio da fenomenal loja da Kopenhagen, etc., etc., etc.
Eles têm, na Flordelis que assassinou Anderson do Carmo por dinheiro, após uma noite de swing, ao mesmo tempo que gravava hinos moralistas e jurava que morreria pela família (v. vídeo acima), inclusive pela família dos outros, uma representante esplendorosa.
LÚCIFER E BELZEBU
Há um ano, publicamos, aqui no HP, um artigo sobre o charlatanismo pseudo-religioso, conhecido pelo nome de “teologia da prosperidade” (v. HP 19/09/2019, Onde mora o Diabo).
Trata-se, fundamentalmente, de vigarice, cujo objetivo é extorquir as pessoas, a começar pelas mais pobres – mas não exclusivamente, aliás, muito longe de qualquer cunho exclusivo.
Ao mesmo tempo que serve a alguns espertalhões, pois o negócio é ganhar dinheiro, trata-se de um esterco obscurantista, contra a ciência, contra a cultura e contra a civilização.
Foi nesse esterco que uma parte grande do bolsonarismo medrou.
Flordelis é apenas o caso mais emblemático, a iluminar o significado desse estrupício anti-humano, antinacional e antidemocrático.
CARLOS LOPES
Matérias relacionadas:
Nenhum comentário:
Postar um comentário