Acusado de fraude, ex-braço direito de Trump que deixou prisão após pagar fiança se tornou referência para o bolsonarismo e inspirou tática de ativismo digital à brasileira
O cerco da Justiça a Steve Bannon não é um revés apenas para a extrema direita nos Estados Unidos. O fato de Bannon ter sido detido sob a acusação de fraude e desvio de dinheiro da campanha para construção de um muro na fronteira dos EUA com o México —ele foi solto na noite desta quinta-feira após pagar fiança de 5 milhões de dólares― é também uma notícia desagradável para o Planalto de Jair Bolsonaro, que construiu laços com o ex-estrategista de Donald Trump. Os sinais de proximidade nunca foram escondidos.
Pelo contrário, eram exaltados por ambos os lados. Ao completar 65 anos, Bannon recebeu dezenas de convidados em uma festa promovida em Washington. Um deles era o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que não poupou elogios ao anfitrião. “Pessoa ícone no combate ao marxismo cultural”, escreveu o parlamentar brasileiro ao homenagear o aniversariante por meio de suas redes sociais, em novembro de 2018.
Celebrada a partir de um casamento de ideias à primeira vista, a relação entre Bannon e a família Bolsonaro se solidificou no mesmo ano em que o Brasil elegeu pela primeira vez um presidente de extrema direita. No início de agosto, às vésperas da campanha eleitoral, Eduardo conheceu pessoalmente o estrategista que ajudou a levar Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. O encontro aconteceu em Nova York.
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Para retratar o tom da conversa, o filho do então presidenciável usou a retórica de ojeriza à esquerda, repetida meses depois no aniversário de Bannon, ao resumir que se tratava de “uma união de forças contra o marxismo cultural”.
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Desde então, o assessor político norte-americano sempre negou ter prestado serviços à campanha de Jair Bolsonaro, embora não escondesse seu apoio e uma espécie de consultoria informal à família. Ele também segue rechaçando a suposta participação no esquema da Cambridge Analítica, que usurpou dados de milhões de perfis e acabou sendo decisivo para a vitória de Trump. Antes de se tornar estrategista-chefe da Casa Branca —durou apenas sete meses no cargo—, Bannon foi fundador do Breitbart News, site de extrema direita célebre pela disseminação de notícias falsas e conteúdos de cunho racista. Entre as técnicas para viralizar publicações, a página concentrava esforços em difamar políticos democratas e difundir teorias sobre uma hipotética conspiração global de esquerda contra o que chamava de “valores tradicionais americanos”.
A estratégia inspirou a atuação digital do bolsonarismo no Brasil. Meses depois da eleição de Trump, o vereador Carlos Bolsonaro iniciava um processo de recrutamento de apoiadores em várias regiões do país para construir a rede de sustentação da campanha via Internet do pai. Apesar de deter as rédeas da comunicação digital, Carlos mantém, ao menos publicamente, distância de Bannon. Cabe a Eduardo, ao chanceler Ernesto Araújo e ao assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, a interlocução com o ultraconservador norte-americano. Martins é discípulo do filósofo Olavo de Carvalho, que, em março de 2019, chegou a se sentar ao lado de Bannon em um jantar de gala entre conservadores, incluindo Jair Bolsonaro, na primeira viagem oficial do presidente aos Estados Unidos.
Para aproveitar a ocasião, Bannon bancou a exibição de um documentário sobre Olavo no hotel Trump International, negociada meses antes durante uma visita do estrategista político ao filósofo brasileiro em sua casa na Virgínia. Tal qual Bannon, o guru ideológico do bolsonarismo lançou um site de notícias no fim do ano passado. Por divulgar informações falsas ou distorcidas sobre a pandemia de coronavírus, o portal batizado de Brasil Sem Medo, de linha editorial governista, virou alvo do Sleeping Giants Brasil, movimento que, nos Estados Unidos, foi responsável por tirar mais de 50 milhões de reais de publicidade digital do Breitbart News.
O começo de 2019 ainda foi marcado pelo anúncio de Eduardo Bolsonaro como embaixador sul-americano do The Movement (O Movimento), articulação criada por Bannon para unir lideranças ultradireitistas mundiais e encabeçada por Marine Le Pen (França), Matteo Salvini (Itália) e Viktor Orbán (Hungria). Em um dos jantares de confraternização organizados pelo ex-funcionário de Trump, reunindo políticos europeus e latino-americanos, o filho do presidente comentou que “não estamos sozinhos no mundo”, ao expressar o sentimento de união do encontro com expoentes da direita radical. Já em setembro, o estrategista político contribuiu, por intermédio de Eduardo e Ernesto Araújo, para a idealização do discurso de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU. Ele prometera visitar o Brasil, mas não encontrou espaço em sua agenda.
Em fevereiro deste ano, o deputado federal registrou a última reunião presencial com Bannon, novamente um jantar do The Movement, em Washington. A cerimônia reverenciou o britânico Nigel Farage pelo empenho na aprovação do Brexit. Em que pese ter sido demitido do Governo e se afastado de Trump, o agitador da extrema direita detido nesta quinta continuou sendo descrito como a ponte ideológica entre Bolsonaro e o presidente norte-americano. Foi ideia dele o lema do movimento que pretende aglutinar governos nacionalistas populistas: “Você não está sozinho”. Até o momento, nenhuma personalidade do grupo se manifestou sobre sua prisão, nem mesmo os fiéis discípulos da família Bolsonaro.
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