Vergonha no Japão: Bolsonaro fala sobre bijuteria, sem ter noção do escândalo que envolve o nióbio no Brasil

por Luiz Carlos Azenha

28/06/2019 - 00h50


Como correspondente, durante quase 20 anos cobri vários eventos internacionais, e visitei cerca de 50 países.

Bolsonaro exibe cordão feito de nióbio em transmissão no Facebook direto de Osaka, no Japão Foto: Reprodução/Facebook

Na política, ficaram mais frescas na memória a visita de José Sarney à China, a do presidente eleito Fernando Collor ao Japão e a de Lula ao Haiti, acompanhando a seleção brasileira de futebol (passei mal por causa do calor e por pouco não acionei a Globo por apoio médico).

Estes eventos são frequentemente mais descontraídos, menos protocolares, já que giram em torno do encontro de apenas dois chefes de Estado.

Encontros de cúpula são muito mais formais, especialmente quando o futuro do planeta está realmente em jogo: foi assim quando vi Mikhail Gorbatchev e Ronald Reagan se encontrarem três vezes, primeiro em Reykjavik, na Islândia, depois em Moscou e Washington.

Ali ficou claro que era questão de tempo o Muro de Berlim desabar, o que também testemunhei pessoalmente. Foi o início de uma nova era na política internacional.

Finalmente, existem os eventos multilaterais. Frequentemente eles são menos ricos em notícias realmente importantes mas atraem uma tropa de jornalistas especializados, interessados em temas muito específicos.

O repórter russo quer saber do encontro entre Trump e Xi Jinping por causa da guerra comercial que tem repercussões planetárias, a repórter paquistanesa quer ver Putin com Modi pela implicações que isso pode ter na disputa fronteiriça entre Paquistão e Índia e a entrevistadora alemã vem ouvir Bolsonaro antes de um provável encontro com Angela Merkel, por causa dos contenciosos em torno da preservação ambiental entre Brasil e UE, notadamente Alemanha, França e Noruega.

Já estive na babel de repórteres e fotógrafos guiados por assessores feito gado até o Salão Oval da Casa Branca, a entrada do Palácio do Eliseu em Paris, o Grande Palácio do Povo em Beijing e o gigantesco Kremlin, em Moscou — onde, aliás, dei sorte, encontrei Mikhail Gorbatchev caminhando pelas alamedas com seus seguranças e, depois de tomar uns tapas, consegui a primeira entrevista não agendada com um secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética.

O evento fez as redes norte-americanas ABC, NBC, CBS e CNN baterem na porta de meu quarto de hotel em busca das imagens e saiu no Pravda e no Vremya, o Jornal Nacional de lá, tudo por causa do completo ineditismo.

Para os mais jovens, explico que os antecessores de Gorbatchev, como Leonid Brezhnev, se comportavam como verdadeiras múmias, muitas vezes reduzidas a figurantes de um poder que de fato já nem exerciam.

Mantinham distância quilométrica da imprensa e só se manifestavam em discursos escritos, sem qualquer improvisação.

A não ser por estes momentos simbólicos, de um Gorbatchev que surpreende o mundo com seu carisma e descontração, os encontros entre chefes de Estado frequentemente são arrastados, cheios de protocolo e muito chatos de cobrir.

Em geral, a diplomacia já fez todo o trabalho anterior e os líderes apenas formalizam algumas decisões, avançando outras de acordo com a capacidade de dialogar e aglutinar líderes em torno de suas propostas, processos que sempre, se derem frutos, serão de longo prazo.

Eu já me deparei com situações cômicas na cobertura de líderes, como quando um caminhão dos grandes estacionou ao lado do prédio do hotel Waldorf Astoria, em Nova York, exclusivamente para transportar ao aeroporto as malas da gigantesca delegação que o ex-presidente José Sarney levou a uma assembleia geral das Nações Unidas.

A TV Manchete, então devedora do Banco do Brasil e pendurada no governo, não pôs no ar a reportagem que fiz a respeito, mas outros colegas testemunharam — a repórter Renata Lo Prete, então na Folha de S. Paulo, viu o mesmo que eu e conseguiu emplacar a notícia no jornal.

É óbvio que, desde então, as redes sociais transformaram as comunicações institucionais e o próprio ciclo da notícia.

Por isso, os tweets de Donald Trump durante a cúpula do G-20 no Japão vão ser acompanhados de perto.

Porém, do que vi até agora, a viagem de Jair Bolsonaro pode estabelecer um novo recorde na degradação da política externa brasileira, mesmo no nível apenas formal, da simples educação com repórteres brasileiros e estrangeiros, para não falar de bobagens elevadas a assuntos de Estado.

Dois exemplos aparecem no vídeo acima.

Num deles, o mais bizarro, Bolsonaro conseguiu falar da bijuteria de nióbio sem dizer uma única palavra sobre a importância do nióbio brasileiro e o que está acontecendo com nossas reservas.

Por isso, o Viomundo trouxe de volta para a capa do site a reportagem de Marco Aurélio Carone sobre o escândalo do nióbio de Araxá, que ele fez na forma de uma carta a Rodrigo Janot e Raquel Dodge.

Resumo: uma empresa estatal fixa seu teto de lucro em contrato, permitindo que a sócia privada fique com 75% do faturamento!

Suspeita-se que parte deste faturamento seja desviada para uma conta em Cingapura.

Curiosamente, a Lava Jato ainda não tem um núcleo de investigações em Minas Gerais. Não tem corrupção lá, é? Ou o Aécio Neves é uma “pessoa engraçada” — como o definiu o ex juiz federal Sérgio Moro, agora ministro da Justiça?








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