domingo, 22 de maio de 2022

Viaduto das Almas: o acidente que quase matou o pianista Nelson Freire

 Em setembro de 1967, um ônibus na linha Rio-BH despencou do viaduto, deixando mortos. Reportagens mostraram a tragédia e suas prováveis causas

22/05/2022 04:00 - atualizado 22/05/2022 07:27



Ônibus da Viação Cometa caiu da estrutura em curva que ganhou o apelido por outro acidente, em 1953(foto: O Cruzeiro/Arquivo EM - 13/9/1967)

Manhã de 13 de setembro de 1967, precisamente às 6h20. Belo Horizonte e o Brasil acordam mais cedo, atordoados por um acidente rodoviário, noticiado, primeiro, pelas emissoras de rádio. Em BH, pelas rádios Guarani, Mineira, Inconfidência e Itatiaia. Um ônibus leito da Viação Cometa, que fazia a linha Rio de Janeiro-Belo Horizonte, havia despencado do Viaduto das Almas. Havia mortos, não se sabia quantos.


Um repórter da TV Itacolomi, a principal emissora do estado àquela época, é acordado com a campainha de seu apartamento tocando. Era uma vizinha dizendo que estavam ligando da emissora pedindo que ele atendesse rapidamente, pois era urgente. Do outro lado do telefone, a informação de que havia acontecido um acidente gravíssimo, numa das obras de arte rodoviárias consideradas das mais modernas já feitas no país, que acabou ficando conhecida popularmente por “Viaduto das Almas”, apelido dado em 1953, após um acidente de ônibus em que morreram 14 pessoas.


Pois a tragédia se repetiu naquele início de manhã de quarta-feira e o repórter deveria seguir para o local imediatamente. Um carro da emissora já estava a caminho de sua casa, com um cinegrafista, que era também fotógrafo. Assim, poderia fazer matérias para a televisão e para os dois jornais, Estado de Minas e Diário da Tarde.

Noite de terça-feira, 12 de setembro. Na rodoviária do Rio de Janeiro, os passageiros embarcam no ônibus leito número 1510, placa 82-10-29, com destino a Belo Horizonte, previsto para sair às 21h. A hora marcada se aproximava e três passageiros não apareceram. Mas o horário tinha de ser cumprido e o ônibus partiu.

Um dos maiores pianistas brasileiros, Nelson Freire sobreviveu, mas perdeu o pai e a mãe no acidente(foto: Benjamin Eolavega/divulgação)

Dentro do ônibus leito – ainda uma novidade na época – estavam algumas personalidades, como o pianista de renome internacional Nelson Freire (1944-2021), então com 22 anos e já bastante conhecido, que retornava para casa com seus pais, José Freire da Silva e Augusta Pinto Freire, ambos com 59 anos.

Também lá estava Zélia Marinho, a Zelinha, garota-propaganda, apresentadora do programa infantil dominical “Roda-gigante”, da TV Itacolomi, e atriz, tendo trabalhado em novelas gravadas no Rio de Janeiro e em telenovelas, na capital mineira.

Os engenheiros Rubens Sales e Max Quest, o coronel do exército Arnaldo Lopes, a professora Ada Maria Bogliolo e Randolfo Xavier de Abreu, de 61, irmão do então secretário da Fazenda de Minas Ovídio de Abreu, também estavam no ônibus. Com Rubens, na sua maleta de mão, um cheque de Cr$ 50 milhões, que, na época, era uma fortuna.

A viagem foi tranquila, até chegar ao viaduto. Ali, a tragédia. As primeiras informações eram de que um dos pneus do veículo havia estourado. O motorista, o carioca Lino de Abreu Cerqueira Neto, teria tentado controlar o ônibus, mas não conseguiu impedir que o veículo batesse na fraca amurada e se precipitasse por 80 metros de altura até o solo, na beira do Córrego das Almas.

A primeira versão, no entanto, não é confirmada, pois Lino era um dos mortos. Os bombeiros trabalharam para a retirada dos corpos de dentro do ônibus. Cinco dos passageiros mortos tinham sido atirados para fora do coletivo na queda do viaduto.

Uma a uma, as pessoas foram sendo retiradas. Primeiro, aqueles que mostravamm sinais de vida. Entre eles, o pianista Nelson Freire. Além dele, Eduardo Lopes Cançado, diretor do Banco Econômico de Minas Gerais, e Paulo Richard, que era diretor da Cometa. Eles são levados para o Hospital de Pronto-socorro João XXIII, na capital mineira.

No ônibus, havia 18 passageiros. Onze poltronas não tinham sido ocupadas. Retirados os quatro sobreviventes, a hora mais difícil: a contagem dos mortos. Eram 14 no total.

Entre eles, os pais de Nelson Freire, José e Augusta. Ele só recebeu a notícia mais tarde, depois de medicado no hospital. Também estavam mortos os dois engenheiros, Rubens e Max, a professora Ada e Randolfo.

A morte da atriz e apresentadora Zelinha, xodó da televisão mineira na época, chocou seus fãs(foto: O Cruzeiro/Arquivo EM - 1967)

Também entre os mortos, o xodó da TV mineira: Zelinha. Ela era adorada por adultos e crianças. Era aquela mulher que entrava nas residências através da telinha da TV e se mostrava sempre agradável. Começou a carreira como atriz de rádio, trabalhando na Rádio Mineira. Depois, tornou-se garota-propaganda da TV Itacolomi. Trabalhou em telenovelas locais e em novelas nacionais, que eram gravadas na TV Tupi, no Rio de Janeiro. E ganhou a maior oportunidade ao se tornar a apresentadora do infantil “Rosa-gigante”, sempre na TV Itacolomi. Sua morte, por assim dizer, chocou toda a cidade.

Os outros seis passageiros que morreram foram Nicanor de Carvalho, João Benedito de Abreu Negrão, Dalila Lima Abreu, Anísio Figueiredo Lobato Cunha e uma pessoa que não foi identificada.

Três sortudos

Três passageiros que tinham passagem comprada não embarcaram. Não apareceram para a viagem. A história de um deles chamou a atenção, a do jogador de futebol Dirceu Pantera, que começou a carreira no Ribeiro Junqueira, da cidade de Leopoldina, onde foi contratado pelo Cruzeiro. Do time da capital, se transferiu para o Bangu, do Rio, e de lá foi para o Deportivo Itália (Venezuela), América e Villa Nova.

Dirceu estava no Rio de Janeiro e viajaria a Belo Horizonte para visitar a família. No entanto, tomou um táxi e, no caminho, o pneu estourou. Como consequência, ele não conseguiu chegar à rodoviária a tempo. Contou, em entrevista ao Estado de Minas, que não conseguiu encontrar outro táxi no lugar m que estava e quando chegou à rodoviária o ônibus já tinha partido.

Investigações

O acidente do Viaduto das Almas tornou-se a grande notícia no Estado de Minas, Diário da Tarde e TV Itacolomi. As investigações trabalhavam com três hipóteses. A primeira, de que o motorista teria dormido ao volante, mas não teria como provar, já que ele morreu no acidente. A segunda, o excesso de velocidade. E para chegar à conclusão, era fundamental o depoimento dos três sobreviventes – Nelson Freire, Edu- ardo Lopes Cançado e Paulo Richard. A terceira hipótese seria a de que houve problemas hidráulicos no ônibus e esses poderiam ter feito com que o motorista perdesse o controle da direção, suspeita que foi descartada pela perícia.
Bombeiros retiram vítimas do ônibus que ficou com a frente totalemte destruída com o impacto do desastre(foto: O Cruzeiro/Arquivo EM - 13/9/1967)
Nove dias após o acidente, em 22 de novembro de 1967, Nelson Freire deu uma entrevista ao Estado de Minas, em que inocentava o motorista. Segundo ele, “o ônibus leito havia ultrapassado outro ônibus Cometa, na entrada do viaduto. O motorista estaria tentando controlar a direção e evitar o choque”.

Esse depoimento foi determinante para que a terceira hipótese voltasse a ser considerada, apesar da conclusão da perícia. Isso levou dúvidas aos investigadores. Nessa entrevista, o pianista contou, também, que tinha recebido um telegrama da atriz francesa Henriette Morineau, que dizia: “Que essa dor vos engrandeça. Que a vossa arte seja o nosso refúgio. Eu vos lamento de todo o coração”.

Pareceres desfavoráveis à construção do elevado

Na época, surgiram diversos documentos que mostravam pareceres contrários à construção do Viaduto das Almas da forma como foi feito: uma ponte em curva. A engenharia rodoviária do DNER alertava para o fato de os construtores desobedecerem aos padrões de prudência, principalmente pelo fato de a construção ser depois de duas descidas, uma de cada lado, e ainda por cima com uma amurada considerada fraca, sem condições de conter qualquer impacto.

De nada adiantaram os pareceres, pois nada foi feito. O viaduto continuou a ser utilizado e, dois anos depois, um novo acidente no local. Foi em 3 de agosto de 1969, quando outro ônibus que vinha do Rio de Janeiro para Belo Horizonte despencou do viaduto, matando 30 pessoas. Ninguém nunca foi julgado pelas mortes.

O Viaduto Vila Rica, conhecido popularmente por Viaduto das Almas, foi inaugurado em 1957. No entanto, depois de dois graves acidentes de ônibus de viagem, que resultaram na morte de 44 pessoas, teve início uma campanha para a demolição do espaço, o que nunca aconteceu, e a construção de um novo.

Um projeto foi feito, em 1998. As obras, no entanto, só tiveram início em 2006. A inauguração do novo elevado, o Viaduto Márcio Rocha Martins, no entanto, só aconteceu em 26 de outubro de 2010.

O novo local fica distante dois quilômetros do antigo Viaduto das Almas, no quilômetro 592 da BR-040. A inauguração, no entanto, foi feita sem que a obras estivesse totalmente concluída. Faltava ainda a contenção do talude e os bueiros não estavam acabados.

A obra foi demorada e foram, pelo menos, seis adiamentos da data de inauguração. A previsão inicial era de um custo de R$ 40 milhões, mas o valor final chegou aos R$ 160 milhões.

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