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Operação Veja como funcionava a seita suspeita de escravizar seguidores em Minas
Quatro líderes de seita religiosa, acusados de doutrinar
fiéis com objetivo de receber bens em troca, são presos pela PF em Minas
Por: Pedro Ferreira -
Durante a operação da Polícia Federal em Varginha, no Sul de Minas, carros de luxo foram apreendidos. (Foto: Divulgação/Polícia Federal)
A Polícia Federal deflagrou ontem a Operação De Volta para
Canaã para combater crimes de estelionato, lavagem de dinheiro, tráfico de
pessoas e outros golpes praticados pela seita religiosa conhecida como
“Comunidade Evangélica Jesus, a verdade marca”, que age desde 2005 em Minas,
com ramificações em São Paulo e Bahia. O grupo religioso, segundo a PF,
arrebanhava pessoas aproveitando da fragilidade das mesmas e as convencia a
doar todos os seus bens para serem aceitas em uma espécie de “mundo paralelo”.
O argumento usado era de que “tudo seria de todos”. Muitas vítimas ficavam
confinadas em fazendas, dormindo em alojamentos coletivos, trabalhando em
situação análoga à de escravidão, sem receber nada de salário. Os
investigadores estimam que o valor dos bens recebidos em doação chegue a cerca
de R$ 100 milhões.
A operação contou com 190 agentes federais e cumpriu 129
mandados judiciais em Minas. No fim da tarde, quatro líderes do grupo, que não
tiveram seus nomes divulgados, haviam sido presos em flagrante. Outras 22
pessoas foram conduzidas à delegacia para prestar depoimento e liberadas em
seguida. Além disso, a PF cumpriu seis mandados de busca e apreensão e 70
ordens de sequestro de bens, como fazendas, carros, imóveis e estabelecimentos
comerciais. Várias contas bancárias foram bloqueadas e o valor do dinheiro está
sendo levantado. As ordens judiciais foram cumpridas em Pouso Alegre, Poços de
Caldas, Andrelândia, Lavras, Minduri, São Vicente de Minas e Carrancas, nas
regiões Sul, Centro-Oeste e Campos das Vertentes, respectivamente. Os
municípios baianos de Remanso, Marporá, Barra, Ibotirama, Cotegipe e a capital
de São Paulo também foram alvos da operação.
Saiba como funciona. (Clique para ampliar) (Arte/Estado de Minas)
Saiba como funciona. (Clique para ampliar)
De acordo com o coordenador da operação policial em Minas,
delegado federal João Carlos Girotto, de Varginha, Sul do estado, a seita
religiosa buscava pessoas em situação de fragilidade e as convencia a ingressar
no grupo deles. “As vítimas eram levadas para as fazendas deles para uma
doutrinação. As pessoas eram orientadas a entregar todos os seus bens, como
imóveis e veículos”, conta o delegado. “Os líderes da seita estipulavam os
valores das doações e o tipo de trabalho a ser feito pela pessoa, sem
remuneração nenhuma, por meio de uma doutrinação psicológica”, reforça Girotto.
Por enquanto, segundo ele, já foram confirmados crimes de estelionato, lavagem
de dinheiro, falsidade ideológica e formação de quadrilha.
Nas fazendas, as pessoas dormiam em alojamentos coletivos.
“Encontramos casais, algumas crianças, pessoas solteiras, famílias completas. O
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) configurou trabalho escravo”, explica o
delegado. Segundo ele, a organização criminosa é a mesma que agia em 2005 em
São Vicente de Minas, no Campo das Vertentes, quando centenas de seguidores da
seita começaram a chegar à cidade, vindos de Ribeirão Preto e São José do Rio
Preto, interior paulista, onde tudo começou, segundo o delegado. “É a mesma
quadrilha, que nunca parou de atuar”, conclui Girotto. Hoje, a seita possui
mais de 6 mil adeptos em Minas, de acordo com a PF.
Em São Vicente de Minas, onde o "Estado de Minas"
esteve em 2005, muitos moradores abriram mão de todos os seus bens para ingressar
na seita. “No início, uma multidão de forasteiros invadiu a cidade e muitos
permanecem até hoje. É uma situação meio estranha, bem nebulosa, uma espécie de
máfia. Sabe como é isso: lavagem de dinheiro”, contou um morador, que pediu
para não ser identificado, temendo retaliações.
As investigações apontaram que os seguidores desenvolviam
vários tipos de trabalho nas fazendas e nas cidades. “Trabalhavam em
estabelecimentos comerciais do grupo, como churrascarias, lanchonetes, postos
de combustível e lojas de peças para carros”, disse o delegado Girotto. “A
doutrinação era feita nas fazendas. Depois de doutrinada, a pessoa poderia ir
para a cidade ou permanecer na fazenda, onde trabalhava na pecuária e em outras
atividades, como plantação de café”, completa.
Trabalho escravo
Em abril de 2013, a PF deflagou operação semelhante em
Minduri, na Região de Campo das Vertentes. “Esse trabalho foi específico para a
PF entrar na seita e descobri como era o seu funcionamento. Em uma época, até o
sexo entre casais era proibido por eles, mas hoje já foi liberado. Algumas
condutas foram modificadas devido à situação”, disse Girotto.
Dos R$ 100 milhões recebidos em doação, segundo estimativa
dos investigadores, parte do patrimônio foi convertida em fazendas, casas e veículos
de luxo. A Operação De Volta para Canaã é resultado dos trabalhos que tiveram
início em 2011 e que resultaram em uma ação conjunta da PF, Ministério do
Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho.Na ocasião, foi
descoberto um esquema de exploração do trabalho humano e lavagem de dinheiro
praticado por líderes religiosos. Os suspeitos podem responder por redução de
pessoas à condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas, estelionato,
organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Os advogados dos líderes da seita não foram localizados pelo
jornal "Estado de Minas".
EM relatou caso em 2005
Em 2005, centenas de forasteiros começaram a chegar em cinco
cidades do Campo das Vertentes e Sul de Minas. Uma força-tarefa foi formada
pela Polícia Federal, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Ministério
Público e Delegacia Regional do Trabalho para investigar suspeitas de lavagem
de dinheiro, sonegação fiscal e estelionato. Pessoas que entravam para a
misteriosa seita religiosa viviam em situações precárias nas fazendas
adquiridas pelo grupo, dormindo em alojamentos apertados e cobertos com telhas
de amianto, e crianças não frequentavam as escolas.
Na Fazenda Manancial, em São Vicente de Minas, eram mais de
130 pessoas, a maioria de São José do Rio Preto (SP), viviam em situações
subumanas. Moradores antigos da região ficaram assustados com a invasão
repentina. O mistério tomou conta das cidades. Os forasteiros não revelavam
suas origens e quais as suas intenções na cidade. O Estado de Minas, à época,
fez várias reportagens sobre o assunto.
A Receita Federal estimou que os líderes religiosos
investiram R$ 10 milhões somente em São Vicente de Minas. Em janeiro de 2006,
gravações obtidas pela PF revelaram incitação a fiéis para doarem bens à seita
e como funcionava o esquema de aliciamento. A PF abriu inquérito para apurar a
lavagem de dinheiro. Em 2013, foi deflagrada a Operação Canaã, que teve
sequência ontem.
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