segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Justificativas do Governo para recusar vacina da Pfizer não convencem

 Nota do Ministério da Saúde confirmando que recusou a compra de imunizantes foi criticada por cientistas e políticos; Brasil vacinou apenas 0,3% da população

Estratégia de Bolsonaro (esquerda) e Pazuello (direita) não convenceram
(foto: Isac Nóbrega/PR)
Uma semana após a vacinação do primeiro brasileiro, o país conseguiu imunizar aproximadamente 700 mil pessoas contra a COVID-19, o que corresponde apenas a 0,33% da população. A quantidade de vacinados poderia ser mais significativa caso o Governo Federal não tivesse 
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rejeitado a oferta de 70 milhões de doses do imunizante desenvolvido e produzido pela empresa americana Pfizer juntamente com a alemã BioNTech.


As justificativas apresentadas pelo Ministério da Saúde, por meio de nota emitida na noite desse sábado, não convenceram e causaram má repercussão.


Segundo a pasta, “as doses iniciais oferecidas ao Brasil seriam mais uma conquista de marketing” para os produtores da vacina e “causaria frustração em todos os brasileiros, pois teríamos, com poucas doses, que escolher, num país continental com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina”.

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Pelo que informou o Ministério, a Pfizer/BioNTech entregariam 2 milhões de doses no primeiro trimestre de 2021, sendo dois lotes inicais de 500 mil unidades e um terceiro com um milhão de vacinas, “com possibilidade de atraso na entrega”.


A nota diz, ainda, que “as cláusulas leoninas e abusivas que foram estabelecidas pelo laboratório criam uma barreira de negociação e compra”.

Críticas de cientistas

A manifestação do Ministério rendeu críticas. Especialistas afirmaram que, para um país que acumula 216 mil mortes causadas pela COVID-19, com um total de 8,8 milhões de casos confirmados da doença, qualquer ação para disponibilizar mais vacinas seria bem vinda.

 

O biólogo e pesquisador Átila Iamarino, pós doutor em microbiologia pela Universidade de São Paulo e pela Yale University, fez duras críticas à estratégia governamental brasileira nas negociações com a Pfizer.

 

“‘Recebemos sim essa oferta de 70 milhões de doses de vacinas que poderiam cobrir quase todos grupos prioritários em grandes cidades, mas escolhemos em nome dos brasileiros que eles preferem morrer de asfixia’; 70 milhões de doses de vacinas da Pfizer não acabariam com a COVID no Brasil, além de serem difíceis de transportar e aplicar fora de grandes metrópoles. Mas poderiam salvar dezenas ou centenas de milhares de pessoas se aplicadas em grupos prioritários nos grandes centros”, declarou o cientista pelo Twitter.



Márcio Sommer Bittencourt, doutor em cardiologia pela Universidade de São Paulo, também reprovou a manifestação do Governo Federal e as contradições entre a nota e as declarações da Pfizer.

“Só faltou mencionar que Bolsonaro disse que não comprou porque ninguém veio vender. A carta deixa claro que a Pfizer veio tentar vender, três vezes quem não quis foi o governo (...) Segundo o general pezadello não dava para comprar vacina porque a Pfizer não ia entregar o diluente. Não compramos a vacina porque a Pfizer não entregou soro fisiológico junto? Logística a especialidade dele, certo?”, disse em uma série de posts na rede social.

 

Já Thomas Conti, cientista de dados e doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas, foi ainda mais incisivo na reprovação e destrinchou “ponto a ponto as mentiraserros lógicos, falta de bom senso, omissões crimes dessa grande farsa dessa nota.”

 

Conti classifica a alegação de que a Pfizer ofereceu poucas doses como “uma hipocrisia sem igual” e afirma que “sem acordo, teremos ainda menos doses”.


Ele rebate o tom nacionalista e o argumento do Ministério de que o laboratório teria exigido “que o Brasil renuncie à soberania de seus ativos nos exterior (sic) em benefício da Pfizer como garantia de pagamento, bem como constitua um fundo garantidor com valores depositados em uma conta no exterior”.

 

Estratégias como essa têm sido usadas em diversos países. Membros da União Europeia adquiriram 200 milhões de doses da vacina da Pfizer e, para isso, celebraram um acordo de financiamento de dívida no valor de 100 milhões de euros, permitindo que a empresa expandisse sua capacidade de fabricação.


Um dos argumentos utilizados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para amedrontar a população e desincentivar a vacinação são as cláusulas contratuais eximindo os laboratórios de culpa por efeitos colaterais dos medicamentos.


“Lá no contrato da Pfizer, está bem claro: nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um chimp… um jacaré, é problema seu. Se você virar Super-Homem, se nascer barba em alguma mulher aí, ou algum homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver isso. E, o que é pior, mexer no sistema imunológico das pessoas”, declarou Bolsonaro em 19 de dezembro durante um evento na Bahia.

Fora o fato de que nenhum dos vacinados com o imunizante da Pfizer pelo mundo não apresentou indícios de transmutação em símio ou réptil, é importante destacar que previsões contratuais desse tipo não são novidade na indústria farmacêutica. São aplicadas desde a década de 1980.

 

Em artigo publicado neste mês, Thomas Conti explica que reações adversas são possíveis, mas raríssimas. “Mesmo admitindo algumas reparações por casos raros sem relação de causa e efeito com as vacinas, entre 2006 e 2018 foram apenas 7.565 indenizações – um número irrisório diante das 3.761.744.351 (3,7 bilhões) doses de vacinas administradas nos Estados Unidos no mesmo período”, diz.

 

Conti segue, dizendo que “talvez a parte mais mentirosa” da nota seja a alegação do Ministério de que “não fez acordo com a Pfizer-BioNTech porque já tinha acordo com Butantan”. Ele rechaça essa alegação afirmando que, em junho, o Governo Federal ainda não havia celebrado acordo com o Instituto Butantan para aquisição da CoronaVac. E completa citando o fato de o Planalto ainda não ter pago o instituto paulista pelas doses adquiridas.


Outra crítica é sobre exigências pouco razoáveis feitas pelo governo brasileiro ao laboratório. Para Conti, a “cereja do bolo”.


“Governo Federal elenca entre os motivos para não fazerem acordo com a Pfizer-BioNTech eles não terem se responsabilizado o diluente da vacina. Fui verificar no manual da vacina e o diluente da vacina é soro fisiológico comum! Na mesma toada de não comprar vacina porque não quer fornecer soro fisiológico, governo também coloca como impedimento a reposição de gelo seco. Pfizer-BioNTech inventam vacina para vírus novo em 6 meses e vocês não conseguem fazer gelo seco em 12 meses. Enfia a cara num buraco”, dispara o pesquisador.

Fim da fila

O site Our World in Data (Nosso Mundo em Dados, em tradução livre), desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Oxford acompanha o progresso das campanhas de vacinação ao redor do mundo.


De acordo com a organização, o Brasil ocupa uma das últimas posições na fila das 54 nações que já iniciaram a vacinação, considerando a quantidade de doses aplicadas.


Israel encabeça a fila, com 3.534.943 doses aplicadas, o que equivale a 39,7% de sua população. Em seguida vem os Emirados Árabes (16,18%), Ilhas Seychelles (13,39%), Reino Unido (8,34%), Bahrein (6,18%) e Estados Unidos (6,04%).


Considerando que os EUA têm uma população de 328,2 milhões de pessoas, esse percentual significa que 19,8 milhões de americanos já receberam a vacina.


Doses de vacina aplicadas pelo mundo; Brasil aparece entre os últimos do ranking(foto: Our World in Data)

Críticas de políticos

A nota do Ministério da Saúde também foi criticada no meio político, sobretudo por adversários de Bolsonaro, que aproveitaram para engrossar o coro dos pedidos de impeachment do presidente da República.


O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), disse que a “nota vergonhosa do desgoverno Bolsonaro é a confissão de um crime: a sabotagem da vacinação no Brasil”. Pelo Twitter, ele disse que “a nossa agonia com a falta de doses suficientes é resultado de uma escolha política para atrapalhar a imunização. Escolha que está matando”.

 


Fernando Haddad, candidato derrotado por Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018 também se manifestou pela rede social. “Isso daí que ocupa a presidência da República não respondeu a uma carta do presidente da Pfizer oferecendo vacinas. Isso daí tem que deixar de ocupar o cargo. Isso daí jamais foi e jamais será um presidente. Isso daí é um fim de linha que mata nossos compatriotas. Fora isso daí”, atacou.


 

Ciro Gomes, outro que concorreu ao pleito de 2018, disse que “assim vai se comprovando como Jair Bolsonaro e Pazuello são dois assassinos” e pediu o impeachment do presidente da República.

 

A médica e deputada federal Jandira Feghali disse que “Bolsonaro precisa cair”. Também pelo Twitter, ela se posicionou: “Esse homem negou acordo com a Pfizer enquanto brasileiros morriam em centenas por COVID-19! E ainda mente em nota oficial! Não tinha acordo com ninguém metade do ano passado, nem com Butantan. Não tinha expectativa de vacina alguma!”


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