Prática é crime e o número de processos é considerado aquém da realidade por especialistas devido à falta de dados e aos sentimentos de culpa e de medo das vítimas, que desistem de denunciar.
Por Gabriel Croquer, Anaísa Catucci e Vivian Souza, g1
Medo das vítimas e vergonha associada a divulgação de imagens contribui para subnotificação — Foto: Fernando Madeira/ A Gazeta
O Brasil registrou ao menos 5.271 processos judiciais
envolvendo o registro e a divulgação de imagens íntimas sem consentimento. Eles
foram abertos entre janeiro de 2019 e julho de 2022.
A média é de 4 registros por dia, sendo que o estado com o
maior número de casos é em Minas Gerais (18,8%), seguido de Mato Grosso
(10,93%) e Rio Grande do Sul (10,17%).
É o que aponta um levantamento do g1 feito a partir de informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da consulta aos Tribunais de Justiça dos estados.
São processos que se baseiam em duas leis criadas em 2018:
lei Rose Leonel (13.772/18), considera crime o
"registro não autorizado da intimidade sexual"; punição é seis meses
a 1 ano de detenção;
lei 13.718/18: criminaliza a "divulgação de cena de
estupro ou de cena de estupro de vulnerável, sexo ou pornografia sem
consentimento", inclusive o compartilhamento; a pena varia de 1 a 5 anos
de reclusão.
Especialistas dizem que não se sabe o tamanho do problema no
Brasil. Muitos dados ainda são desconhecidos: o CNJ não tem informações do Rio
de Janeiro e outros 5 estados em relação aos processos que envolvem uma das
leis, por exemplo. O g1 procurou os TJs desses estados e também não obteve os
dados (leia mais ao fim da reportagem).
Outros fatores que contribuem para o "apagão",
segundo especialistas, são o medo das vítimas de denunciar e o fato de que
práticas como divulgar nudes e cenas de sexo sem consentimento só receberam
legislação específica no Código Penal em dezembro de 2018.
Processos por registro ou divulgação de imagens íntimas — Foto: Arte/g1
Culpa, medo e pouca informação
Boletins de ocorrência registrados no Rio de Janeiro entre
2019 e 2022, relacionados ao registro de imagens íntimas sem autorização, citam
que, de 194 vítimas, 67% delas eram próximas dos agressores.
A lei 13.718/18, que criminaliza a divulgação dessas imagens,
prevê agravamento da pena de 1 a 5 anos de prisão se o autor mantém ou manteve
relação íntima de afeto com a vítima ou se o ato for por vingança ou
humilhação. É o que acontece na chamada "pornografia de vingança".
Mulheres são a maioria dos alvos. Em São Paulo, por exemplo,
elas foram 87% das vítimas citadas em boletins de ocorrência no estado
envolvendo o registro de imagens íntimas sem autorização.
Mas, segundo especialistas, esses casos raramente chegam à
Justiça por conta do constrangimento e do risco que a denúncia traz para a
mulher, dizem os entrevistados.
“As vítimas que passam pela pornografia de vingança
acreditam que colaboraram para que aquilo pudesse acontecer. A mulher vem
acompanhada da culpa”, explica a advogada Mariana Tripode, que é especialista
em direitos das mulheres.
Além disso, existe uma dificuldade da percepção de quem é
alvo dessa prática: “Muitas vezes, ela também nem está informada ou tem
consciência de que aquilo é um crime”, afirma a advogada Juliana Cunha.
A subnotificação dos casos contribui para que a sociedade
desconheça o tamanho do problema e aja para solucioná-lo, aponta a
especialista.
“Isso não é uma questão de ativistas ou de grupos ou de
feministas. Isso é um problema real que atinge muitas pessoas, mas que, por não
ter tantos dados robustos, acaba dificultando que as pessoas entendam”, afirma
Juliana.
O g1 entrevistou vítimas desses atos, entre elas a
jornalista Rose Leonel, que inspirou a lei que leva seu nome. Após o fim do
relacionamento, o ex-namorado dela se vingou com a divulgação de diversas
imagens íntimas. Ela perdeu o emprego e teve de se separar do filho,
ridicularizado pelo vazamento.
O tema acabou sendo mais conhecido após alguns casos, como o
de Rose, virem a público. Inclusive alguns em que, desesperadas, as vítimas
cometeram suicídio.
Foi o que aconteceu com Júlia Rebeca, de 17 anos, encontrada
morta em seu quarto após ter um vídeo íntimo compartilhado na internet no
Piauí, em 2013. Assista à reportagem do Fantástico exibida na época:
Como foi feito o levantamento
O g1 teve dificuldades em obter as informações sobre os
processos judiciais envolvendo as duas leis que punem registro e divulgação de
imagens íntimas sem consentimento.
Sobre os que citam a lei Rose Leonel, que pune o registro de
imagens íntimas sem autorização, o CNJ reúne dados de processos de 20 estados e
do Distrito Federal, abertos entre junho de 2021 e julho de 2022. Não há
informações de Acre, Alagoas, Amapá, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e
Roraima.
Para obter dados anteriores, uma vez que a lei começou a
vigorar no fim de 2018, e as informações de estados que não constam no
relatório do CNJ, o g1 consultou os Tribunais de Justiça de todos os estados.
Mas 18 não responderam, incluindo Acre, Alagoas, Amapá, Rio
Grande do Norte e Roraima, cujos dados também não aparecem na lista do CNJ. O
TJ-RJ disse que não poderia fazer uma filtragem dos processos pela lei
específica para a reportagem.
Em relação aos processos que citam a lei 13.718/18, que pune
divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia sem consentimento, o CNJ
possui o número de processos abertos de 2019 até julho de 2022, exceto os de
Alagoas e de Roraima.
Os dados de boletins de ocorrência de São Paulo e do Rio de Janeiro relacionados a esses crimes foram obtidos pelo g1 por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).




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