quarta-feira, 22 de maio de 2013

Ex-escravos que trabalhavam em carvoaria terão direito

A R$ 370 mil de indenização Ministério do Trabalho e Emprego

 Encontrou os trabalhadores na fazenda Chapadão da Zagaia, em Sacramento, no Alto Paranaíba

Pedro Rocha Franco -
Publicação: 19/05/2013 06:00 Atualização: 19/05/2013 07:26

Em fazenda no Alto Paranaíba, condições análogas à escravidão foram identificadas por fiscais (Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Em fazenda no Alto Paranaíba, condições análogas à escravidão foram identificadas por fiscais
Os trabalhadores libertados pelo Ministério do Trabalho e Emprego da carvoaria da fazenda Chapadão da Zagaia, em Sacramento, no Alto Paranaíba, terão direito a R$ 370 mil de indenização, entre direitos trabalhistas e danos morais. Os valores foram calculados ao longo da semana pelos auditores fiscais responsáveis pela operação, que, na terça-feira, resgatou 32 pessoas que exerciam atividade em condições análogas à escravidão. Além disso, a fazenda deve ser incluída na lista suja de empregadores do governo federal, o que, na prática, significa a imposição de uma série de impedimentos relacionados ao acesso ao crédito.

Depois de terem sido resgatados, os trabalhadores foram transportados de ônibus da zona rural até um hotel na sede da cidade. Lá permaneceram nos últimos dias às custas dos proprietários da fazenda, que também arcaram com as despesas de alimentação. Enquanto isso, os auditores fiscais calculavam os valores a serem recebidos. Segundo o auditor fiscal e coordenador do projeto de combate ao trabalho escravo da Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais, Marcelo Gonçalves Campos, os patrões foram obrigados a pagar os salários (os valores ficavam retidos e o acerto só era feito na rescisão do contrato), férias e décimo terceiro salário proporcionais ao tempo de trabalho, além de depositar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS). Além disso, o procurador do Trabalho Paulo Gonçalves Veloso aplicou indenizações por danos morais. Os valores variam de R$ 3 mil a R$ 9 mil, dependendo também no tempo de trabalho.

O Ministério Público do Trabalho analisa agora a aplicação de autuações e multas. Cada irregularidade administrativa deve gerar uma punição. “A atividade econômica não é ilícita. Mas é difícil saber o que estava certo naquele local”, afirma Campos. Entre outros, ele cita o fato de os contratantes não cederem equipamentos de segurança; não dispor de condições básicas de higiene no alojamento; cobrar por materiais de primeira necessidade (alimentos e produtos de limpeza); não pagar os salários e não assinar a carteira de trabalho.

Crime e castigo O processo deve também caminhar para a esfera criminal. Concluído o trabalho administrativo, um relatório deve ser encaminhado para o Ministério Público Federal para que o procurador avalie se cabe denunciar os proprietários da fazenda de acordo com o artigo 149 do Código Penal. O artigo prevê reclusão de dois a oito anos e multa a quem impuser condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou exaustivos ou a condições degradantes. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido contra criança ou adolescente. No caso da fazenda Chapadão da Zagaia foram encontrados dois adolescentes e duas crianças.
Caso se confirme a inclusão do nome da fazenda na lista suja do Ministério do Trabalho e Emprego, o proprietário fica impedido por dois anos de solicitar crédito em instituições financeiras públicas e aos fundos de financiamento. O registro só é retirado depois de dois anos, caso não ocorra reincidência e todas as multas tenham sido quitadas. Segundo o auditor fiscal Marcelo Gonçalves Campos, a carvoaria deverá ser desativada. Em contato com o proprietário da fazenda, ele teria dito que a unidade foi construída para retirada do eucalipto e início da plantação de grãos no lugar.

Um vácuo no Jequitinhonha

A gerência do Ministério do Trabalho e do Emprego em Araçuaí, de 36,1 mil habitantes, a 678 quilômetros de Belo Horizonte, no Vale do Jequitinhonha, é um exemplo do problema da falta de auditores fiscais do trabalho. A unidade foi criada em 2003, com o objetivo de reforçar a atuação do ministério e a fiscalização na região, que envia trabalhadores para o corte de cana e a colheira de café em outras regiões do estado e onde muitos trabalhadores são aliciados com propostas de bom emprego e salário, mas que acabam presos a uma situação degradante.

No entanto, há cinco anos que não existe sequer um auditor fiscal do trabalho em Araçuaí. Contando hoje com apenas dois servidores administrativos de carreira e outros cedidos pela prefeitura do município, a repartição se limita ao atendimento ao público com a emissão de carteiras de trabalho, acertos entre patrões e empregados e liberação dos pedidos de seguro-emprego, entre outros serviços de ordem burocrática. A falta de fiscais é uma porta aberta para a ação dos aliciadores.

Diligência Toda vez que é apresentada uma denúncia de irregularidade trabalhista envolvendo a supressão das garantias e direitos e a exploração de trabalhadores na região, a gerência do Ministério do Trabalho de Araçuaí encaminha solicitação para a superintendência regional do ministério em Belo Horizonte, que tem de deslocar uma equipe de fiscalização de Teófilo Otoni (180 quilômetros de Araçuaí) ou de Governador Valadares (situada a 372 quilômetros da cidade do Jequitinhonha).

A gerência do Ministério do Trabalho de Montes Claros também sofre com a falta de pessoal para a fiscalização. A unidade conta hoje com 13 auditores fiscais para atuar em 88 municípios do Norte de Minas, região onde, historicamente, ocorrem denúncias de trabalhadores em más condições, sobretudo em carvoarias. (LR) 


 



 


Deputado denuncia ofensiva contra combate ao trabalho escravo no Congresso Nacional


Por , 30/03/2013 10:39

Por Guilherme Zocchio,  Repórter Brasil
“Há uma forte ofensiva de setores obscurantistas [no Congresso Nacional] contra direitos que já achávamos consolidados”, alerta o deputado federal Cláudio Puty (PT-PA), responsável por presidir a recém-encerrada Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo. Nesta entrevista exclusiva à Repórter Brasil, o parlamentar denuncia que a bancada ruralista tentou usar a CPI para fragilizar a atual legislação trabalhista no campo e flexibilizar o conceito de trabalho escravo, hoje previsto no artigo 149 do Código Penal. Trata-se, afirma, de parte de uma investida conservadora não só contra garantias trabalhistas, mas também em relação a outros direitos humanos.
O parlamentar relaciona tal ofensiva à “sobrerrepresentação” de “setores ultraconservadores” e alerta para os riscos da “associação de fundamentalistas religiosos com ruralistas”. Como exemplo disso, ele cita a eleição do pastor Marcos Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Apesar das críticas, Cláudio Puty aponta, otimista, que “o Congresso é um espaço mais sensível à pressão do que parece” e cita, como exemplo a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional sobre o Trabalho Escravo, no começo do ano passado. “O campo democrático pode fazer mais”, defende. Confira a entrevista.

Manifestação durante reunião da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Foto: Luis Macedo/Agência Câmara
Foi positiva a investigação que a CPI do Trabalho Escravo realizou, em que pese o final conturbado, com a tentativa da bancada ruralista de fragilizar leis trabalhistas e o conceito de trabalho escravo?
Acho que foi positivo, porque pautamos o tema na sociedade civil. O próprio fato de ter terminado de forma conturbada não é necessariamente ruim, porque revela uma contradição concreta no Congresso. Particularmente, uma “sobrerrepresentação” de setores que têm força no Congresso, mas as posições deles são minoritárias na sociedade civil. E o fato de desvelarmos essa contradição talvez seja um dos papéis pedagógicos da política.
Durante a CPI, foi possivel detectar causas e consequências do trabalho escravo?
Sem dúvida nenhuma a causa do trabalho escravo é a pobreza extrema, e há um aspecto econômico e um aspecto político. O aspecto econômico é a necessidade de milhões, no mundo todo, de trabalhar e sobreviver. A condição política associada a isso é a desorganização sindical desses trabalhadores. Eu diria que o problema político inclusive se sobrepõe ao problema econômico. É um problema econômico associado à capacidade de organização e de pressão política desses setores. Em alguns casos, encontramos trabalhadores reincidentes. Em outros, eles não se consideravam reduzidos à escravidão porque a alternativa era a fome, a fome pura e simples. A situação é complexa. Mas o resultado é o seguinte: o modelo de fiscalização brasileira é exemplar e a intensidade das formas de trabalho degradante diminuiu. Se desmontarmos esse sistema de fiscalização, teremos retrocessos.
Ainda será possível algum encaminhamento?
Apesar de não termos votado o relatório, vamos apresentar um relatório conjunto dos deputados que concordam que a pauta da CPI deveria ter sido “avanços na fiscalização e na erradicação do trabalho escravo”, e não “combate à fiscalização”. Então, nós, eu, o relator [deputado Walter Feldman] e outros deputados do PT e do Psol, vamos elaborar um relatório conjunto, apresentando propostas como parlamentares individuais.
Com a tentativa da bancada ruralista de flexibilizar o conceito de trabalho escravo, como o senhor avalia a postura do Congresso Nacional sobre os direitos humanos hoje?
Há uma forte ofensiva de setores obscurantistas, os mais atrasados no campo empresarial e os mais atrasados no campo dos costumes, contra direitos que já achávamos consolidados. A legislação trabalhista será um tema importante nos próximos anos particularmente no campo. Assim como a questão ambiental, os direitos dos indígenas, os dos quilombolas e de outros segmentos da sociedade.
Marcos Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos representa um pensamento que cresce dentro da Câmara?
Ele representa centenas de parlamentares. Quando há uma associação de fundamentalistas religiosos com ruralistas, isso cria um caldo de cultura extremamente conservador e intolerante no Congresso Nacional. Por parte da esquerda, não adianta nos contentarmos apenas com avanços econômicos, no grau de autonomia do país e de autodeterminação. É necessário que toquemos nos pontos controversos da sociedade brasileira: a união civil homoafetiva, o aborto, o direito dos indígenas. A pauta dos direitos humanos não pode ser um estorvo. Acho que todos nós devemos encampar essa pauta porque diz respeito não à militância explícita, mas a valores no geral.
O senhor acha que o Congresso está regredindo na pauta dos direitos humanos?
Eu acho que o campo democrático pode fazer mais. Não quero ficar criticando colegas, inclusive me incluo em qualquer crítica. A negociação que levou o PSC (Partido Social Cristão) à presidência da Comissão de Direitos Humanos foi equivocada. Apesar da sobrerrepresentação de setores ultraconservadores, acho que essa minoria por eles representada é estridente e tenta ganhar no grito. Os últimos pronunciamentos são sinais de que talvez os grandes partidos estejam despertando para a necessidade de voltarmos a ter uma produção mais proativa nesse campo [direitos humanos]. De outro lado, o Congresso é um espaço mais sensível à pressão do que parece. O caso da PEC do Trabalho Escravo foi exemplo disso. A aprovação foi por pura preocupação dos deputados pela percepção pública do voto deles. Não é à toa que o Marco Feliciano (PSC-SP) está sob fogo cruzado. Há uma repercussão na sociedade civil que não aceita o retorno a valores absolutamente obscurantistas e medievais.
E no caso recente do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) que levantou uma placa com os dizeres “queimar rosca todo dia” contra uma manifestação em frente ao Congresso?
Um deputado como esse deveria ter o seu mandato cassado. É uma absurda quebra de decoro. Agora, não esqueçamos que alguém o elegeu. Ele mobiliza setores que pensam como ele. Mas o nosso sistema de representação não pode ser “um cheque em branco” para os parlamentares. Por isso nós precisamos exigir decoro. É absolutamente inaceitável.
Na Câmara, há outros deputados que chegam a esse tipo de quebra de decoro?
Acho que não. O Bolsonaro, até entre os conservadores, é uma caricatura. Ele é motivo de constrangimento até para quem pensa como ele. Assim como o Marcos Feliciano (PSC-SP) virou motivo de constrangimento na medida em que ele exagera —ele caricaturiza o que já é caricato. Talvez eles sejam explícitos demais. Talvez eles revelem o que esses setores [conservadores] não queiram revelar —as suas verdadeiras posições.

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