sábado, 24 de dezembro de 2022

Ao indultar PMs envolvidos no Carandiru, Bolsonaro volta a proteger aliados

 AMIGOS DO REI

23 de dezembro de 2022, 17h44

Por  e 

O último indulto de Natal do presidente Jair Bolsonaro (PL), que pode perdoar os policias militares condenados pelo massacre do Carandiru, ocorrido em outubro de 1992, tem desvio de finalidade, pois favorece aliados do chefe do Executivo. Além disso, passa à sociedade a imagem de que "vale tudo", inclusive praticar delitos, no suposto combate ao crime. Essa é a opinião de especialistas ouvidos pela ConJur.

ReproduçãoEspecialistas criticam indulto a PMs condenados pelo massacre do Carandiru

O indulto concede perdão a agentes de segurança condenados, mesmo que de forma provisória, por crimes cometidos há mais de 30 anos e que não eram considerados hediondos à época. Foi o primeiro indulto de natal de Bolsonaro que incluiu um artigo dessa natureza.

O crime de homicídio só passou a ser enquadrado como hediondo em 1994, após forte mobilização popular pelo assassinato da atriz Daniella Perez. Em 1992, quando houve o massacre do Carandiru, apenas estupro, latrocínio e extorsão mediante sequestro eram considerados crimes hediondos no Brasil. 

Por isso, especialistas apontam que os policiais envolvidos no massacre  podem ser beneficiados pelo indulto de Bolsonaro. Para Gabriel Sampaio, ex-secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Direitos Humanos, o indulto se tornou um instrumento de estímulo à violência institucional durante o governo Bolsonaro.

"As regras que afetam diretamente os agentes de segurança pública não são destinadas a corrigir mazelas do sistema penitenciário, mas sim a reforçar as mazelas da violência estatal como política pública e fragilizar os mecanismos de controle de abusos praticados por agentes de segurança", afirma Sampaio.

O criminalista Luís Guilherme Vieira, ex-membro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, classifica o indulto como um "tapa na cara da sociedade" e das famílias dos 111 presos que morreram no massacre do Carandiru.

"Embora à época do massacre não fossem crimes hediondos, porque não rotulados em lei, o decreto presidencial é mais uma página da história que envergonha o Brasil mundo afora, porque privilegia alguns em detrimento de outros também condenados por crimes hediondos", diz Vieira.

Na visão da desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça de São Paulo Kenarik Boujikian, o indulto é inconstitucional. Segundo ela, o indulto é um importante instrumento de política criminal e, embora seja responsabilidade do presidente da República definir os beneficiários, tal discricionariedade não elimina suas características primordiais: o caráter coletivo e a impessoalidade.

"O sentido coletivo guarda relação com o destinatário, que não pode se confundir com um grupo determinado de pessoas. Ou seja: não é possível o presidente usar o indulto para beneficiar pessoas específicas, como é o caso desse decreto, que, claramente, teve destinatário certo, os policiais criminosos que participaram do massacre do Carandiru", avalia Kenarik.

O criminalista Fernando Hideo Lacerda tem visão semelhante e diz que o indulto é inconstitucional por desvio de finalidade. "Ao especificar a condição de agentes de segurança pública e o período de 30 anos da prática dos fatos, considerando que o massacre do Carandiru ocorreu em 1992, está claro que o decreto confere benefício arbitrário e individualizado, o que, por si só, viola a natureza do instituto, que deve ser norteado por critérios objetivos, e não servir a um grupo específico".

Do ponto de vista político, Lacerda considera o decreto "antirrepublicano". Ele aponta que, assim como no decreto de graça do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), Bolsonaro "usa das prerrogativas do cargo de presidente da República para favorecer aliados e privilegiar interesses particulares".

Em abril, o Supremo Tribunal Federal condenou o deputado federal Daniel Silveira, aliado de Bolsonaro, a oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado. Com isso, o Supremo determinou a perda do mandato de Silveira e a suspensão de seus direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação. A corte entendeu que o parlamentar praticou os crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal) e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União (artigo 23 da Lei de Segurança Nacional — Lei 7.170/1973).

No dia seguinte, Bolsonaro publicou um decreto concedendo o benefício da graça (perdão de pena judicial) ao deputado federal. No texto, o presidente determinou que todos os efeitos secundários da condenação também ficavam anulados, o que inclui a inelegibilidade, consequência da condenação de Silveira. Com isso, o deputado voltaria a poder ser candidato nas eleições de outubro deste ano.

Para advogados, o decreto por meio do qual Jair Bolsonaro concedeu graça a Daniel Silveira é inconstitucional, pois tem desvio de finalidade e viola a separação de poderes e a independência do Judiciário. 

Silveira candidatou-se a senador. No entanto, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro cassou o registro de sua candidatura. O tribunal entendeu que o indulto presidencial extingue os efeitos primários da condenação criminal, mas não atinge os efeitos secundários, como a suspensão dos direitos políticos. 

Decisão política do presidente
Por outro lado, o delegado e integrante do Movimento Policiais Antifascismo Orlando Zaccone destaca que a graça e o indulto são atribuições do presidente da República, e a destinação do benefício só pode ser limitada por lei, que não pode retroagir. Dessa forma, Zaccone não enxerga inconstitucionalidade no decreto de Bolsonaro.

"Sendo assim, o perdão aos policiais envolvidos no massacre do Carandiru é tão legal como a indicação de um policial militar envolvido no mesmo massacre para a futura Secretaria Nacional de Políticas Penais (o coronel Nivaldo Cesar Restivo, indicado para o cargo pelo futuro ministro da Justiça, Flávio Dino)", ressalta Zaccone.

O ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho diz que o indulto é uma decisão política que está afinada com as posições de Bolsonaro quanto à valorização de policiais. "Com 30 anos de tramitação judicial, é difícil se falar em justiça", pontua. 

Para ele, que é coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, o indulto de Bolsonaro "é um sinal adicional ao clima de impunidade da sociedade brasileira e a fragilidade de seus instrumentos de controle". Porém, nada tão diferente de outros perdões a crimes.

"Não vejo muita diferença do perdão aos crimes de Lula pelo Supremo Tribunal Federal, após condenação em três instâncias. Ou a liberação de André do Rap. Ou o perdão generalizado aos larápios do mensalão e petrolão. Ou do alívio para Dilma em seus direitos políticos", opina Silva Filho.


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 é repórter da revista Consultor Jurídico.

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 23 de dezembro de 2022, 17h44

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