terça-feira, 8 de agosto de 2023

Caso Leandro Lo: um ano após crime, PM acusado de matar campeão de jiu-jítsu não foi julgado

 Lutador foi baleado na cabeça durante show em 7 de agosto de 2022, na capital paulista, pelo policial militar Henrique Otávio de Oliveira Velozo. TJ divulgou pronúncia de PM em 17 de julho e determinou que réu vai a júri popular por homicídio triplamente qualificado; defesa recorreu.

Por Paola Patriarca, g1 SP — São Paulo 

07/08/2023 


Saiba quem é o lutador Leandro Lo, baleado na cabeça após discussão em SP

Saiba quem é o lutador Leandro Lo, baleado na cabeça após discussão em SP

Saiba quem é o lutador Leandro Lo, baleado na cabeça após discussão em SP 

O assassinato do campeão de jiu-jítsu Leandro Lo pelo policial militar Henrique Otávio de Oliveira Velozo, na capital paulista, completa um ano nesta segunda-feira (7) sem o julgamento do réu. A Justiça decidiu no dia 17 de julho que o PM vai a júri popular, mas ainda não há data agendada.

 

O crime foi registrado em 7 de agosto de 2022 dentro do Clube Sírio, no bairro de Indianópolis, na Zona Sul de São Paulo. Leandro morreu após ser baleado na cabeça durante um show. O PM se entregou à Corregedoria e está detido desde então no presídio militar Romão Gomes. 

Em setembro de 2022, a Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público contra o policial e o tornou réu por homicídio triplamente qualificado. As qualificadoras colocadas foram: por motivo torpe; com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; e à traição, de emboscada. 

No dia 23 de maio deste ano foi realizada a primeira audiência de instrução. A Justiça ouviu pela primeira vez o policial militar que, segundo o advogado de defesa, Claudio Dalledona, explicou "todos os pontos que lhe diziam respeito e que motivaram a ação defensiva". 

Dois meses após a audiência, em 17 de julho deste ano, o Tribunal de Justiça divulgou a sentença de pronúncia, que é quando o juiz se convence de que há elementos de materialidade e indícios suficientes de autoria do crime. Com isso, foi determinado que Velozo fosse a júri popular pelo homicídio triplamente qualificado.

 

O campeão mundial de jiu-jítsu, Leandro Nascimento Lo Pereira, de 32 anos.  — Foto: Reprodução/Instagram 

A defesa do policial entrou com recurso sobre as qualificadoras do crime e aguarda a Justiça. 

"A decisão que remeteu Henrique Veloso ao tribunal do júri era esperada. Este é um caso que tem que ser julgado pelo seu tribunal natural, que é o popular. A defesa recorre da incidência das qualificadoras porque durante a oitiva, aquela versão narrada, aquela versão produzida por aqueles que participaram do confronto, ela foi completamente afastada. Fatos muito relevantes mudam aquela narrativa e fazem com que as qualificadoras não mais tenham razão jurídica de existir", diz o advogado Claudio Dalledone. 

"Uma testemunha, testemunha verdadeira, que não tinha vinculação nem com Henrique Veloso, muito menos com o grupo de lutadores que atacou Henrique Veloso, deu a noção exata de que Henrique se defendeu naquela noite fatídica", ressalta Dalledone. 

Denúncia por homicídio triplamente qualificado

PM Henrique Velozo se tornou réu por homicídio triplamente qualificado — Foto: Reprodução/Redes Sociais

  

Segundo o g1 apurou, o Ministério Público ofereceu, no dia 30 de agosto do ano passado, a denúncia contra o policial por homicídio triplamente qualificado. 

A denúncia foi aceita pela Justiça, que também decretou no dia 2 de setembro a conversão da prisão temporária de 30 dias do policial para a prisão preventiva. 

Em nota, na época, o advogado de defesa do policial afirmou que "a denúncia é uma hipótese acusatória que destoa completamente do que foi produzido no inquérito policial e o que será desvelado na investigação judicial". 

"As qualificadoras são descabidas e tudo isso ficará firmemente provado no momento em que o processo for devidamente instaurado. A conclusão do inquérito policial se deu de forma açodada, uma vez que sequer aguardou-se a produção do laudo da reprodução simulada dos fatos que, entre outras coisas, apresentou inúmeras contradições com os depoimentos das testemunhas." 

No dia 31 de agosto, a polícia fez a reconstituição da morte de Leandro Lo. Entre as 16 testemunhas que participaram da simulação do crime estavam os amigos do lutador. Como o policial não havia sido interrogado pela polícia, ele não esteve presente. 

O policial militar Henrique Otávio Oliveira Velozo, réu por matar o lutador Leandro Lo em SP — Foto: Reprodução/Redes Sociais 

Boate e motel

Policial que matou lutador Leandro Lo foi a boate e ao motel após o crime

Policial que matou lutador Leandro Lo foi a boate e ao motel após o crime 

O SP2 teve acesso às imagens das câmeras de segurança que flagraram Velozo na recepção de uma boate em Moema, também na Zona Sul, instantes depois de ter assassinado Lo, a pouco mais de dois quilômetros dali. 

Na boate, o PM parece ter consumido uma garrafa de uísque, duas águas de coco, duas latas de energético e duas doses de gin, de acordo com a comanda, totalizando quase R$ 1,6 mil.

Policial que matou lutador Leandro Lo foi a boate e ao motel após o crime — Foto: Reprodução/TV Globo

Policial que matou lutador Leandro Lo foi a boate e ao motel após o crime — Foto: Reprodução/TV Globo

Policial que matou lutador Leandro Lo foi a boate e ao motel após o crime — Foto: Reprodução/TV Globo

Policial que matou lutador Leandro Lo foi a boate e ao motel após o crime — Foto: Reprodução/TV Globo

Uma hora e 59 minutos depois, a mesma câmera registrou a saída de Veloso, mas desta vez acompanhado por uma mulher que, segundo o delegado, é uma garota de programa. 

Depois, eles foram para um motel, em Pinheiros, na Zona Oeste da cidade. Eles chegaram por volta das 5h40 de segunda-feira (8) e só saíram às 16h26. 

Dois amigos próximos do lutador não quiseram gravar entrevista, mas confirmaram ao SP2 que Leandro Lo e o policial militar Henrique Veloso já tinham se desentendido outras vezes antes do dia do crime. 

Trajetória

Leandro Lo disputa campeonato mundial de jiu-jítsu.  — Foto: Reprodução/Instagram 

Leandro Lo foi campeão mundial de jiu-jítsu por oito vezes. A última conquista, na categoria meio-pesado, foi em 2022; a primeira, em 2012, na categoria peso-leve. 

Nas redes sociais, ele narra os dois títulos como “as duas conquistas mais importantes da carreira”. 

“O primeiro [título] é a sensação de conseguir ser campeão mundial, esse foi eu ainda consigo ser campeão mundial, as duas melhores sensações da minha vida. Obrigado todos que estão sempre comigo na alegria na tristeza!”, disse ele numa postagem nas redes sociais, quando relembrou o aniversário das conquistas mundiais. 

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/08/07/caso-leandro-lo-um-ano-apos-crime-pm-acusado-de-matar-campeao-de-jiu-jitsu-nao-foi-julgado.ghtml

                                                                         


Foragido, Allan dos Santos monta empresa e cria novo “Terça Livre” nos Estados Unidos

Blogueiro bolsonarista está em turnê nos EUA e financia desinformação com doações e monetização no Rumble e Locals

7 de agosto de 2023

08:00

Por Laura Scofield, Mayara Teixeira, Annika Grosser

Foragido da Justiça brasileira nos Estados Unidos, Allan dos Santos abriu uma empresa no estado da Flórida para reviver o Terça Livre, canal que o levou a ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeitas de ser uma organização criminosa e ter cometido crimes contra a honra, incitação a crimes, preconceito e lavagem de dinheiro. 

A nova empresa, “Artigo 220 Corp”, foi criada em 20 de outubro de 2021, mesma época em que o ministro Alexandre de Moraes emitiu, a pedido da Polícia Federal (PF), um mandado de prisão preventiva contra o blogueiro no âmbito do inquérito das milícias digitais.

Nas publicações do blogueiro, a Artigo 220 se mistura ao Terça Livre, projeto que ele manteve entre 2014 e 2021 para comentar acontecimentos da política, muitas vezes com a propagação de mentiras. A iniciativa estava entre as mais bem-sucedidas da extrema direita: o canal do YouTube chegou a 1,2 milhão de inscritos e o canal de Telegram pessoal de Allan era recordista em inscritos e visualizações.

Hoje, Terça Livre e Artigo 220 são utilizados como sinônimos em publicações e na descrição do site “Notícias Sem Máscara”, onde os textos do blogueiro têm sido publicados desde janeiro. “O Terça Livre/Artigo200 (sic) está vivo! O jornalismo independente não pode morrer. Assine para ter acesso completo à newsletter. Não perca uma atualização!”, diz a descrição do projeto. O nome do novo projeto remete ao Mídia Sem Máscara, criado em 2002 por Olavo de Carvalho como um “observatório de imprensa anticomunista”. 

A primeira página do site do Notícias Sem Máscara leva à newsletter de Allan, que traz o logo do Terça Livre na parte superior e afirma ter mais de 76 mil inscritos. O site indica o conteúdo de outro ex-apresentador do Terça Livre, Max Cardoso, que produz vídeos sobre “filosofia, teologia, formação humana e cultura”.

É por meio da newsletter que Allan dos Santos continua enviando suas análises políticas ao seu público, pedindo doações e divulgando seus novos projetos, como a “turnê de palestras” chamada “O caminho da liberdade”, que começou em 8 de julho em Orlando, na Flórida. Os ingressos para o primeiro evento da turnê foram vendidos por US$ 10, cerca de R$ 50. O logo do Terça Livre está presente em todos os cartazes de divulgação da turnê.    

De acordo com o perfil de LinkedIn da Artigo 220, que tem apenas 61 seguidores, Allan é o presidente e único funcionário da empreitada, definida como uma “organização criada nos EUA para defender os brasileiros que são defendidos pelo artigo 220 da Constituição Federal do Brasil”. Esse artigo constitucional diz que “a expressão do pensamento, criação, expressão e informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerá qualquer restrição”. 

A empresa foi aberta para atuar em “todo e qualquer negócio legal”, segundo registro acessado pela Agência Pública em uma parceria com o UOL e outros 22 veículos latino-americanos, além de quatro organizações especializadas em investigação digital sob a liderança do Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (Clip).


A última atualização oficial do registro da companhia se deu em 29 de abril deste ano, quando Allan apresentou o relatório anual da instituição — o documento serve para atualizar os dados e manter a firma ativa. 

A reportagem da Pública foi até o local onde a empresa está registrada, o escritório de contabilidade e seguros USA Tax, gerido por brasileiros e localizado na cidade de Deerfield Beach, sul da Flórida. O contador responsável pela Artigo 220 afirmou que entrou em contato com o blogueiro e ele não permitiu que seu número de telefone fosse compartilhado com a reportagem. Deixamos nossos contatos para que fossem repassados a Allan, mas não houve retorno.

Escritório em que a Artigo 220 está registrada

Atualmente, Allan dos Santos é investigado em dois inquéritos no STF: um sobre a propagação de fake news e outro sobre participação em milícias digitais que ameaçam a democracia brasileira. Ele está também na lista de procurados da Interpol, e o Brasil já solicitou sua extradição ao governo dos EUA.

Na decisão que determinou a prisão do blogueiro, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que existe “uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhantes àqueles identificados no Inquérito 4.781 [inquérito das fake news], com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito”. O ministro é atualmente um dos grandes alvos da militância bolsonarista, que o acusa de perseguição ao grupo. 

No início deste mês, a Pública revelou que o blogueiro é administrador de um grupo de Telegram com mais de 30 mil integrantes que convocou pessoas a participar da tentativa de golpe de 8 de janeiro. No dia da invasão, Allan participou de um Spaces no Twitter no qual argumentou que os protestos que querem Bolsonaro no poder apesar da decisão popular não eram caros. “É só comprar passagem de ônibus”, disse.

Notícias Sem Máscara

O site do Notícias Sem Máscara foi criado em 25 de janeiro deste ano, quando o grupo anunciou a pretensão de se tornar um veículo de notícias, o NSM News. De acordo com as redes sociais, o projeto é “uma iniciativa de jornalistas que vivem no exterior e que buscam informar o que acontece no Brasil”. Porém, além de Allan dos Santos, não há nomes de outros responsáveis e o registro oficial do site é privado.

O site do Notícias Sem Máscara traz os nomes do Terça Livre e Artigo 220 em seu cabeçalho

Quando o site do grupo foi criado, Allan parabenizou o projeto: “Ergam um MURO de jornais em todo o mundo”, escreveu em sua conta do Twitter, que está bloqueada para o acesso do Brasil, mas funciona em outros países. Ao contrário das redes do blogueiro — suspensas pelo STF —, os perfis nas redes e o site do NSM podem ser acessados em solo brasileiro. 

No Twitter, a conta do movimento tem mais de 7,9 mil seguidores e é verificada pelo Twitter Blue, selo comprado a no mínimo US$ 8 (R$ 40) por mês da empresa de Elon Musk, que assim tem permitido que contas que propagam desinformação recebam o selo oficial.

Todos os últimos textos publicados no site do NSM são assinados por Allan dos Santos ou por “Terça Livre”, sem menção aos outros supostos jornalistas responsáveis pelo projeto. Abordam, entre outros temas, a pandemia de covid-19 — geralmente com disseminação de informações falsas sobre a segurança das vacinas e a eficácia de medidas como máscaras e o isolamento social —, espalham mentiras sobre o sistema eleitoral brasileiro e fazem críticas ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Em 26 de fevereiro deste ano, por exemplo, Allan dos Santos publicou um texto em que afirma que Lula “não foi eleito, mas instalado” como presidente, o que é mentira. O texto tem 125 curtidas no site. Nos últimos meses de 2022, o blogueiro era presença constante em atos nos EUA que protestavam contra o resultado eleitoral e diziam, sem base nos fatos, que as eleições brasileiras tinham sido roubadas. 

Já uma publicação de 13 de junho de 2023 propaga mentiras sobre a imunização contra a covid-19, que é comprovadamente segura. “A terapia gênica (que eles chamam de vacina) da Covid-19, matou milhares de pessoas – causa trombose, AVC, câncer, infarto, problemas cardíacos e mortes súbitas, sobretudo em jovens e adultos.” O conteúdo tem 35 likes e é assinado por Karina Michelin, mas não apresenta fontes para as afirmações.

Além de Michelin, outros nomes aparecem assinados em alguns dos textos do NSM, como João Luiz Mauad, Ana Maria Cemim e Renata Barreto. Em abril deste ano, Allan disse em seu podcast “Guerra de Informação” que se trata de “voluntários”, pessoas que o ajudam “a manter o site, escrevendo as matérias”. 

Allan e seus voluntários também ecoam o pensamento chamado pela extrema direita de “globalismo”, teoria conspiratória segundo a qual o mundo seria coordenado por uma elite global que se esforçaria para promover a doutrinação e o autoritarismo. 

“Acham mesmo que essa população sofrida sabe o que é globalismo, agenda 2030, problemas culturais, doutrinação nas escolas etc.? Essa população não sabe o que se passa no país e no mundo. Eles não sabem e por isso não reagem de maneira proporcional e efetiva contra os tiranos”, escreveu o blogueiro em um texto publicado em 12 de junho deste ano, que teve 29 curtidas.  

Apenas parte do conteúdo está disponível no site. Para acessar a íntegra, é necessário desembolsar ao menos US$ 5 por mês (cerca de R$ 25). Quem paga mais de US$ 71 por ano (ou R$ 355) pode ser adicionado a um grupo exclusivo de WhatsApp.

Além do site, Notícias Sem Máscara é o nome de um canal de Telegram que Allan dos Santos assumiu em 18 de janeiro, após o canal do Terça Livre ter sido retirado de circulação por ordem judicial. Em vídeo e áudio enviados na plataforma, ele pediu que o público divulgasse a conta, hoje com mais de 11,6 mil inscritos. O canal, criado em junho de 2022, passou a ser usado com maior frequência este ano, o que descumpre ordem judicial. 

Em fevereiro de 2022, decisão do STF proibiu o blogueiro de manter contas ativas, mas ele continua criando novos perfis.

Novo Terça Livre

Quando a Artigo 220 foi registrada nos Estados Unidos, os negócios de Allan dos Santos no Brasil passavam por dias difíceis. Em 14 de outubro de 2021, cerca de uma semana antes da criação da empresa em terras estadunidenses, o perfil de Allan no Twitter e o canal de YouTube do Terça Livre haviam sido suspensos. Para driblar a situação, os vídeos do antigo canal passaram a ser publicados no Artigo 220.

“O Terça Livre foi censurado. Na sexta-feira, já perdeu suas redes sociais e ontem foi a perda do canal do YouTube, que foi bloqueado no Brasil. Com isso, o que aconteceu foi o seguinte: o Artigo 220 adquiriu o direito dos programas do Terça Livre e agora os programas do Terça Livre serão transmitidos no Artigo 220”, disse o apresentador Max Cardoso.

Uma semana depois, o canal da Artigo 220 também foi suspenso por ordem judicial, e Italo Lorenzon, que atuava com Allan no Terça Livre, anunciou o fim do blog. “Hoje, 22/10/2021, o ‘Terça Livre’ encerrou suas atividades. Muito obrigado a todos”, publicou no Twitter.

A nova vida do Terça Livre

Mas Allan não desistiu e usou a estada nos Estados Unidos para reviver a iniciativa. 

“Você sabia que o Terça Livre NÃO ACABOU?”, publicou o blogueiro em seu LinkedIn em junho deste ano. A publicação trazia um link para o canal do “Terça Livre TV” no Rumble, plataforma que se propõe a ser um concorrente do YouTube e que tem se firmado como a plataforma preferida da extrema direita.

No Rumble, o Terça Livre TV tem mais de 20,8 mil seguidores e posta vídeos com análises políticas feitas por Allan quase todos os dias. Alguns conteúdos reproduzem a estética e o logo oficial do Terça Livre, outros, do NSM. Os conteúdos ali publicados são monetizados pela plataforma, ou seja, geram financiamento por meio de propaganda para o dono do canal. Entre os anunciantes identificados pela reportagem estão a agência de turismo e venda de passagens 123 Milhas, a varejista Americanas e as cervejas Corona Extra e Heineken. 

Allan dos Santos tem também uma conta no Locals, uma plataforma dos mesmos donos do Rumble que permite que criadores de conteúdo formem comunidades e sejam financiados por ela. Um acesso pago ao Locals do blogueiro custa no mínimo US$ 10 por mês, cerca de R$ 50. Alguns conteúdos são acessíveis a todos os membros e outros, apenas aos pagantes. 

Tanto o canal do Terça Livre no Rumble quanto a comunidade no Locals são indicados na página “Sobre nós” do NSM News como os canais oficiais do grupo. O Notícias Sem Máscara também tem uma conta no Locals, mas ainda não fez nenhuma postagem. 

Nos últimos meses, o Locals e o Rumble têm crescido entre a extrema direita, em parte pelo fato de seus criadores afirmarem que não obedecerão a ordens judiciais de retirada de conteúdos, como explicou o comentarista político Paulo Figueiredo em vídeo publicado no YouTube em 18 de janeiro deste ano — o conteúdo está fora do ar por ordem judicial. “Eu conversei com os executivos, [eles] não vão [retirar o conteúdo], [eles] reconhecem [que] isso viola a filosofia da empresa”, afirmou. 

As redes têm cumprido a promessa: em 14 de junho, o ministro Alexandre de Moraes pediu a suspensão do canal de Monark no Rumble, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Mais de um mês depois, o perfil continuava disponível. 

Tanto Allan dos Santos quanto Paulo Figueiredo atualmente vivem na Flórida, onde estão localizados os escritórios das duas redes. De acordo com a análise da plataforma de marketing digital SEMRush, os nomes dos dois estão entre as palavras-chave que mais levam as pessoas ao site do Locals no Brasil — o que indica que usuários têm entrado na plataforma à procura desses conteúdos. 

Próximos aos donos do Rumble e do Locals, os dois influenciadores têm produzido conteúdos diretamente do estúdio recém-inaugurado do Locals em Miami, “que tem uma parceria bem bacana com a gente”, como explicou Figueiredo em 13 de maio deste ano, quando eles apresentaram juntos um programa no estúdio. 

A reportagem entrou em contato diversas vezes com a assessoria de imprensa do Rumble e pediu para visitar o estúdio de criadores de conteúdo em Miami, mas não obteve retorno. 

Além do financiamento pelo site do NSM, Rumble e Locals, Allan pede dinheiro em outro site em seu nome (allansantos.digital). A página cobra entre US$ 99 e US$ 199 anualmente por suas assinaturas, o equivalente a cerca de R$ 495 e R$ 995. Ao clicar na seção de notícias do blog, o usuário é redirecionado ao site do Notícias Sem Máscara.

Em retorno à reportagem, a Americanas afirmou que “já tomou as medidas cabíveis e desativou os anúncios”. “A Americanas esclarece que contrata diversas ferramentas de marketing que publicam anúncios de forma automática. Se e quando identificada qualquer desconformidade, por monitoramento ou denúncia, a marca adota as providências necessárias”, disse a varejista em nota. 

Já a cerveja Corona Extra disse que “o anúncio foi veiculado automaticamente, por uma inconsistência do algoritmo”. “Não temos relação com qualquer canal específico dessa plataforma”, concluiu em nota.

A 123 Milhas e a Heineken não responderam.

O “exílio” de Allan

Para além do online, Allan dos Santos se mantém mobilizado e é presença frequente nos eventos promovidos pela comunidade brasileira bolsonarista nos Estados Unidos.

Em novembro do ano passado, ele esteve em manifestação em Nova York em que afirmou que as eleições brasileiras foram roubadas. “Nós não podemos auditar os votos, prestem atenção, no Brasil nós não podemos auditar os votos, então a gente nunca sabe o que acontece quando votamos”, afirmou ele, em inglês.

Allan dos Santos participou também de ato em 4 de dezembro em Miami, na Flórida, organizado pelo coletivo Yes Brazil USA, que também tem propagado mentiras sobre as últimas eleições. Ele esteve acompanhado de outras conhecidas lideranças da extrema direita americana, como Matthew Tyrmand, que comemorou a invasão dos prédios públicos brasileiros em 8 de janeiro, junto do ex-estrategista chefe de Donald Trump, Steve Bannon.

O blogueiro esteve presente na CPAC 2023 — Conferência de Ação Política Conservadora — em março deste ano, que contou também com participação de bolsonaristas como Eduardo Bolsonaro e Nikolas Ferreira, e no qual o próprio Jair Bolsonaro discursou. Lá Allan mostrou uma iniciativa de chineses de direita e anunciou um plano de criar algo semelhante no Brasil.

Banner da “turnê de palestras” de Allan dos Santos. Na lateral esquerda da imagem está escrito "Orlando - 08.07.23 - 10am", seguida de "Local: Boi Brasil - 5668 International Drive - Entrada $10". Abaixo está em letras garrafais em destaque "O CAMINHO DA LIBERDADE", seguido de "Allan dos Santos Professor e Fundador do Terça Livre". Já no lado direito da imagem há uma foto em preto e branco de Allan dos Santos com a mão no queixo.
Banner da “turnê de palestras” de Allan dos Santos

Atualmente, Allan organiza a “turnê de palestras” “O caminho da liberdade”, que já teve eventos em cidades como Orlando e Miami — no segundo caso, o evento foi feito em parceria como grupo Yes Brazil USA, um dos responsáveis pela organização da agenda de Jair Bolsonaro enquanto ele morou nos Estados Unidos, conforme apurou a Pública

De acordo com publicação no NSM News, o evento ainda passará por Atlanta, Filadélfia, Boston, Massachusetts e Nova York.

Procurado pela reportagem, o secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, respondeu que o Ministério “cumpriu todo o procedimento relacionado a extradição de Allan dos Santos, encaminhou às autoridades americanas e aguarda a definição com relação ao pedido feito”.

https://apublica.org/2023/08/foragido-allan-dos-santos-monta-empresa-e-cria-novo-terca-livre-nos-estados-unidos/

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