domingo, 27 de dezembro de 2020

Sol Nascente: uma comunidade ainda longe de ser vitrine no DF

Moradores da segunda maior favela do país carecem de serviços básicos em algumas áreas, como saneamento, asfalto, iluminação e segurança

IGO ESTRELA/METRÓPOLES

Silvânia Rodrigues riscou do mapa o trajeto entre a sua casa e um córrego situado na parte mais baixa do Trecho 1 do Setor Habitacional Sol Nascente. Os 500 metros que separam o lar do curso d’água representam dor e sofrimento para a diarista de 37 anos. No rio, o filho Josuel Rodrigues, de 5 anos, morreu afogado em março.

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O local onde o garoto brincava com os irmãos encheu rapidamente após uma bacia de contenção – construída recentemente – transbordar. A mãe de Josuel e lideranças comunitárias denunciam que, antes mesmo do acidente, pediram ao GDF o cercamento da área, mas foram ignorados. Após a tragédia, o poder público limitou-se a instalar uma placa alertando sobre o risco de afogamento.

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“Aconteceu com o meu menino e pode ocorrer com outro, pois não fizeram nada para fechar aquele espaço. Parece que não existimos aqui”, lamenta Silvânia, enquanto segurava a foto da criança.

 RAFAELA FELICCIANO/METRÓPOLESRafaela Felicciano/Metrópoles
O filho de Silvânia Rodrigues morreu afogado em córrego que deveria estar cercado

No outro extremo do Sol Nascente, no Trecho 3, a copeira Maria Aparecida Xavier, 44, também se queixa da ausência do Estado. Quando chove forte, o filho dela, Samuel, de 11 anos, não pode ir à escola em função das fortes correntezas de lama que deixam o imóvel ilhado.

Já no período de seca, o garoto e a mãe andam cerca de 45 minutos em meio à poeira até o ponto mais próximo de onde passa o coletivo escolar da Secretaria de Educação. “Ele tem de almoçar às 11h para dar tempo de pegar o ônibus e acaba sentindo fome até a hora de servirem o lanche. Tudo isso porque acham que quem mora aqui não merece transporte digno”, reclama, apontando para a vizinhança.

Nesta quinta reportagem da série DF na Real, o Metrópoles aborda os problemas da segunda maior favela da América Latina, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nas outras quatro matérias, os temas foram, respectivamente, saúdesegurança públicaeducação e as falhas da Rodoviária do Plano Piloto.

Em cada edição, os 11 candidatos a governador do DF são questionados acerca do que pretendem fazer, caso eleitos, para solucionar as principais mazelas. Confira, ao fim do texto, as promessas de cada postulante ao Buriti.

Grilagem
Quem vive no Sol Nascente tem certeza de que o setor pertencente a Ceilândia já deixou para trás a Rocinha, no Rio de Janeiro, nos quesitos número de habitantes e tamanho. Divulgado há oito anos, o último censo do IBGE apontava que o morro carioca contava com 69.161 moradores, enquanto o bairro distante 35km do Congresso Nacional somava 56.783 pessoas.

Cercada de grandes áreas verdes e desabitadas, a favela horizontal encravada no Planalto Central nunca deixou de ser alvo da cobiça de grileiros, que aproveitam a frágil fiscalização para desmatar, parcelar e vender terras públicas.

Na terça-feira (28/8), um grupo levantava pequenas casas de alvenaria em um descampado próximo à Chácara 84. Vizinhos ao local contam que a Agência de Fiscalização do DF (Agefis) apareceu apenas uma vez no lugar para derrubar as edificações, ação insuficiente para frear o ímpeto dos invasores.

IGO ESTRELA/METRÓPOLESIgo Estrela/Metrópoles
Sol Nascente visto de cima

Obra pela metade
O Sol Nascente é divido em três setores. O governo atual diz ter investido mais de R$ 220 milhões – sendo 75% oriundos da Caixa Econômica Federal – em obras, e garante que 100% do Trecho 1 está pavimentado, informação questionada pelo criador de animais Ivo Ferreira de Lima, 57 anos.

Lima conta que, há seis meses, a empresa contratada pelo GDF inciou o calçamento da Rua 14 B, onde ele vive com a família há 12 anos. Embora os engenheiros tenham fincado piquetes no solo bem próximo da porta de sua residência, a urbanização chegou somente até a metade da rua.

RAFAELA FELICCIANO/METRÓPOLESRafaela Felicciano/Metrópoles
O criador de animais reclama que o GDF só asfaltou metade da rua no Trecho 1. “Me senti excluído”

Me senti excluído. O próprio governador veio aqui e prometeu que toda a rua seria asfaltada, mas até agora nada. A gente faz gato na água e na luz não porque queremos, mas porque o governo não finaliza as obras para termos água encanada, energia elétrica e podermos pagar as contas direitinho, como todo mundo faz

IVO FERREIRA DE LIMA, CRIADOR DE ANIMAIS

Esgoto a céu aberto
O servidor público Gustavo Luiz Lopes da Silva, 40, reforça o coro dos insatisfeitos com as intervenções no Trecho 1. Ele e outras 12 famílias foram excluídos da urbanização, embora a Chácara 43 fique a poucos passos de um setor completamente asfaltado.

“Simplesmente pularam nossa rua e nos deixaram com ratos e sujeira. Já cansamos de cobrar uma explicação, porém se limitam a dizer que a área está fora da poligonal. Apresentei um mapa do Sol Nascente desmentindo essa informação, mas simplesmente não responderam”, esbraveja Silva.

O Trecho 3 é o que menos recebeu atenção do GDF. No local, o esgoto corre a céu aberto, montanhas de lixo se formam nas esquinas e as ruas são esburacadas. Se motoristas e pedestres já encontram enormes dificuldades, pessoas com deficiência sofrem bem mais.

Acessibilidade zero
Há 14 anos, Paulo Borges (foto em destaque), 39, levou um tiro na medula que lhe tirou os movimentos das pernas e do braço esquerdo. Apenas 550 metros separam a casa dele da residência da mãe. Mesmo com o auxílio do sobrinho Cauã, 11, que empurra a cadeira de rodas, o trajeto não é feito em menos de 30 minutos.

Para ratificar os problemas vistos a olho nu por quem passa pelo local, o cadeirante mostra um ferimento no cotovelo, resultado de uma queda ao passar por um buraco cheio de lama.

Não foi a primeira vez que me desequilibrei da cadeira e caí. Tem tanta cratera que você desvia de uma e cai em outra. Aqui está um horror

PAULO BORGES, APOSENTADO POR INVALIDEZ
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Gangues apavoram moradores
Quando cai a noite no Sol Nascente, poucas pessoas se arriscam a sair de casa. Quem não tem opção, por desembarcar tarde dos coletivos, tenta desenvolver estratégias de defesa a fim de minimizar os riscos de assaltos. Nos trechos 2 e 3, muitas ruas são mal iluminadas, tornando as passagens ainda mais perigosas.

A estudante Débora Moraes, 18, mora no Trecho 3 do Sol Nascente e cursa o último ano do ensino médio no CEF 25, no Setor P Norte, em Ceilândia. Com aulas finalizadas após as 22h, a jovem costuma chegar em casa por volta das 23h. Da parada até onde mora, a moradora passa por locais completamente escuros.

Com receio de integrar estatísticas criminais, volta acompanhada do amigo e vizinho Daniel Morone, 16, que estuda na mesma escola. “Sempre o espero, porque é extremamente perigoso passar por aqui sozinha. Nunca fui assaltada, mas acho que é sorte mesmo, porque conheço muita gente que já foi roubada à noite aqui”, conta.

Além da iluminação precária, moradores da favela brasiliense reclamam da falta de policiamento. A reportagem do Metrópoles visitou o Sol Nascente por três dias seguidos, inclusive à noite, mas só viu viaturas da Polícia Militar circulando na região na terça-feira (28) à tarde, próximo à Feira do Produtor.

IGO ESTRELA/METRÓPOLESIgo Estrela/Metrópoles
Os estudantes Daniel Morone e Débora Moraes se queixam da iluminação precária do Trecho 3 do Sol Nascente

Com tímida repressão policial, bandidos avançam no controle do tráfico de drogas em muitos pontos. Em janeiro passado, o portal mostrou o surgimento de uma nova facção criminosa, intitulada Os Cão do Inferno (OCI). A quadrilha tenta ganhar espaço depois que a 19ª Delegacia de Polícia (P Norte) prendeu as principais lideranças do Comando do Sol Nascente (CSN), gangue que dominava o comércio de entorpecentes há anos no bairro.

Conforme relatos de comerciantes, sob condição de anonimato, a disputa entre os dois grupos resulta, não raras as vezes, em trocas de tiros, o que pode explicar parte dos 13 homicídios registrados na região neste ano. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social (SSP).

No dia em que a reportagem esteve no local, o dono de um estabelecimento comercial fazia as contas de mais um assalto, o segundo do ano. Sem querer revelar a identidade e o nome da loja, disse ter perdido a esperança de prosperar no lugar. “Foi o quarto [roubo] em dois anos. E vai ser o último, porque vou me organizar para abrir a loja em outra cidade”, lamenta.

Veja as propostas dos buritizáveis para o Sol Nascente:

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Após ser procurado durante a semana, o GDF enviou nota (confira a íntegra) às 12h34 deste domingo (2/9) ao Metrópoles, informando que:

Hoje a região do Setor Habitacional do Sol Nascente recebe investimentos de mais R$ 220,3 milhões nas obras de urbanização, que incluem drenagem pluvial, pavimentação asfáltica, execução de calçadas e implantação de meios-fios. A previsão é de que os trabalhos sejam concluídos até o início de 2019.

As obras de infraestrutura no Trecho 01 foram entregues em junho deste ano. Quanto ao Trecho 02, os serviços de drenagem estão em andamento, tendo sido executados 91% do total e 55% da pavimentação. Em relação ao Trecho 03, foram executados 45% das obras de drenagem e a pavimentação, recém-iniciada, está com 3%.

A Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social informa que os homicídios ocorridos em Ceilândia estão em queda desde 2015, ano de implementação do Viva Brasília – Nosso Pacto Pela Vida. No Setor Habitacional Sol Nascente o número de homicídios se mantém estável desde 2015, quando foram registrados 11 casos entre janeiro e julho. No mesmo período de 2016 foram 11, em 2017 foram 12 e este ano, 13. A Polícia Militar acrescenta que há um Posto Comunitário em pleno funcionamento na área, assim como uma viatura específica 24h. Em dias e horários de maior incidência criminal este policiamento é reforçado com outras viaturas. A Polícia Civil do Distrito Federal informa também que existem, na circunscrição de Ceilândia, as seguintes delegacias: 15ª DP, 19ª DP, 23ª DP e 24ª DP. A 23ª e 24ª DP, funcionam também com sistema de Centrais de Flagrantes (CEFLAGs).

O Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans) esclarece que foram feitos reforços no número de viagens e de veículos em diversas linhas da região do Setor Sol Nascente no primeiro semestre deste ano, levando em consideração o aumento da demanda no local e algumas sugestões de moradores. A autarquia acrescenta que, à medida que as obras de infraestrutura na região forem concluídas, as rotas de ônibus serão expandidas para passar nas ruas que ainda não foram asfaltadas.

A Secretaria de Educação do DF lembra que o Setor Habitacional Sol Nascente possui três escolas da rede pública: a Escola Classe P Norte, a Escola Classe 66 e o Centro de Ensino Fundamental 28.

O Sol Nascente também possui uma Unidade Básica de Saúde, a de UBS 16, que funciona no bairro das 7h às 17h, de segunda a sexta-feira, e conta com três equipes de Saúde da Família. Além da UBS 16, os moradores do Sol Nascente ainda são atendido pelas UBSs 01, 08, 10, 12 e 15 em Ceilândia.

A Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) monitora constantemente via satélite – com drone e equipe de fiscais no local – toda a região do Sol Nascente para que não ocorram novas invasões. Somente este ano, já ocorreram 17 operações de retirada de novas construções irregulares em área pública.

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