domingo, 29 de janeiro de 2023

Caso yanomami: o que é e por que se fala em genocídio indígena

 Termo é usado pelo governo brasileiro ao se referir à emergência sanitária que, só em 2022, matou ao menos 100 crianças. Ministro da justiça pediu que PF abra inquérito para apurar crimes

Por Guilherme Justino, do Um Só Planeta

24/01/2023


Indígena com desnutrição severa recebe atendimento de equipes do Ministério da Saúde Divulgação/Condisi-YY

O ministro da Justiça, Flávio Dino, pediu que a Polícia Federal abra inquérito para apurar os crimes de genocídio e omissão de socorro aos Yanomami. Responsáveis pela maior terra indígena em extensão territorial no Brasil, os povos Yanomani enfrentam graves casos de desnutrição e malária espalhados pela comunidade, que vive entre os estados do Amazonas e de Roraima. A crise sanitária já resultou na morte de 570 crianças por desnutrição e causas evitáveis nos últimos anos, de acordo com o governo federal.

No ofício encaminhado ao diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, o ministro da Justiça citou "os reiterados pedidos de ajuda contra a violência decorrente do garimpo ilegal, bem como a ausência de efetivas ações e serviços de saúde à disposição dos Yanomami". Os pedidos, segundo ele, reforçam uma possível intenção de causar lesão grave à integridade ou mesmo provocar a extinção do grupo originário. O ministro determinou que sejam investigados possíveis crimes ambientais, de omissão de socorro e de genocídio.

Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) declarou que a situação dos povos yanomami foi denunciada pelo menos 21 vezes à Justiça. Segundo a entidade, cerca de 100 crianças morreram em 2022.

Desde segunda-feira (23), a Polícia Federal esta à frente das investigações para apurar as responsabilidades pela situação dos indígenas. Para o ministro da Justiça, “há fortes indícios de crime de genocídio” diante dos “sofrimentos criminosos impostos aos Yanomami”.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a ministra da Saúde, Nísia Trindade, também classificaram a situação dos yanomami como um tipo de genocídio. O termo foi usado inicialmente por Lula ao se referir ao caso no final de semana. Após visitar a terra indígena Yanomami, em Roraima, no sábado (21), o presidente criticou o que chamou de "descaso" e "abandono" do governo anterior em relação à área e disse que viu no local um "genocídio".

"Mais que uma crise humanitária, o que vi em Roraima foi um genocídio. Um crime premeditado contra os Yanomami, cometido por um governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro", publicou o presidente no Twitter, na manhã de domingo (22). Em entrevista à BBC News Brasil, a ministra da Saúde afirmou: "Eu vejo o abandono como uma forma de genocídio e essa população estava desassistida. O genocídio também pode ocorrer por omissão".

O que é o genocídio indígena?

O genocídio dos povos indígenas no Brasil existe desde os tempos da colonização portuguesa, apontam especialistas. Com a implementação do cultivo da cana-de-açúcar na costa brasileira, começou o extermínio das populações indígenas, tanto pelos conflitos violentos, quanto pelas doenças trazidas pelos europeus. Nos tempos atuais, esse genocídio persistiria com a negligência dos direitos das populações indígenas restantes no Brasil.

O ministro da justiça, Flávio Dino, diz que a lei brasileira do genocídio também trata de omissões que podem levar ao extermínio progressivo de um povo. "Ora, assassinar as crianças é uma forma óbvia de conduzir o extermínio de um povo. E, por isso, eu não tenho nenhuma dúvida técnica, embora evidentemente não me caiba julgar, mas de que há indícios fortíssimos de materialidade do crime de genocídio. É disso que se cuida. E as penas podem chegar a até 30 anos, dependendo da configuração das várias hipóteses tipificadas na lei sobre genocídio no Brasil”, afirmou.

Segundo a Funai, a população indígena no Brasil, em 1500, equivalia a aproximadamente 3 milhões de habitantes, dos quais cerca de 2 milhões estavam estabelecidos no litoral. Por volta de 1650, esse número caiu para 700 mil, e em 1957 chegou a 70 mil indígenas, número mais baixo registrado. A partir daí, a população indígena começou a crescer. De acordo com o último censo demográfico, realizado em 2010 pelo IBGE, há 896,9 mil indígenas no país, equivalente a 29,9% da população estimada para 1500, quando começou a colonização, conforme apuração do portal Humanista, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Atualmente, de acordo com o portal, o genocídio indígena perdura pelo desrespeito às demarcações de terra, além de ataques as comunidades indígenas, principalmente por parte de fazendeiros, de garimpeiros, entre outros, e também pela falta de recursos para lidar com doenças como a covid-19.

Para MPF, situação dos yanomami foi causada por omissão do Estado

Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) afirmaram na segunda-feira (23) que a situação de saúde dos indígenas yanomami foi causada pela omissão do Estado brasileiro na proteção das terras indígenas. A conclusão está em uma nota pública divulgada pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, que fez um relato histórico do trabalho realizado na Terra Indígena Yanomami, localizada em Roraima.

De acordo com a nota, apesar dos esforços feitos pelo órgão, as providências tomadas pelo governo foram limitadas. "No entendimento do Ministério Público Federal a grave situação de saúde e segurança alimentar sofrida pelo povo yanomami, entre outros, resulta da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras. Com efeito, nos últimos anos verificou-se o crescimento alarmante do número de garimpeiros dentro da Terra Indígena Yanomami, estimado em mais de 20 mil pela Hutukara Associação Yanomami", declarou o órgão.

A nota cita ainda deficiência na oferta de serviços de saúde, falta de distribuição de remédios e a presença de garimpeiros na região como fatores que contribuíram para a situação.

"O Ministério Público Federal destaca também o firme compromisso da instituição de continuar atuando de forma célere e diligente, em todas as esferas e em cumprimento à sua missão constitucional para coibir as atividades ilegais de garimpo e outros ilícitos em terras indígenas, para a retirada de invasores nas Terras Indígenas Yanomami e de outros povos, como Munduruku e Kayapó, bem como para o fortalecimento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)".

https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2023/01/24/caso-yanomami-o-que-e-e-por-que-se-fala-em-genocidio-indigena.ghtml

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