30.01.2023 - 06h00
Na tentativa de driblar retaliações da justiça e das
plataformas, apoiadores dos atos golpistas do dia 8 de janeiro adotam uma
postura de mutação periódica de seus perfis nas redes e exclusão em série de
postagens que demonstrem qualquer apoio à causa.
A Lupa acompanhou oito perfis, de diferentes regiões do
país, que aderiram a essa estratégia após a repercussão dos ataques em Brasília
— todos denunciados à base de dados colaborativa Lupa nos Golpistas, fruto do
formulário lançado no dia 8 de janeiro para receber denúncias de publicações
antidemocráticas.
Este conteúdo foi produzido pela Lupa a partir da base de
dados colaborativa de postagens antidemocráticas. Viu ou recebeu posts
incitando os atos golpistas? Clique aqui e mande para a Lupa.
Agradecemos pela colaboração e pela ajuda. Com o apoio de
todos, continuamos com o projeto colaborativo que busca entender como foram
organizados os atos de vandalismo no DF.
Um desses casos é do piauiense André Rodrigue Nogueira, que
atualmente reside no Ceará. Com 91,7 mil seguidores no Instagram, ele apagou
todas as postagens de apoio aos ataques golpistas e, embora mantenha-se fiel ao
bolsonarismo, deletou, inclusive, fotos ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) – na ocasião de uma visita a Brasília.
Nogueira foi marcado na página ‘Nação Conservadora Oficial’, mas também excluiu essa marcação de sua grade no Instagram
Uma postagem de 10 de janeiro recebida pela Lupa, em que
indicava aos seguidores de seu perfil que passassem a seguir a página
"Lula vai cair", não está mais disponível. Além do hiato na
cronologia das postagens do feed, que demonstra a exclusão dos conteúdos,
Nogueira agora concentra-se em postagens nos stories do Instagram, que são
acessíveis pelo período de 24 horas.
Reprodução de mensagem publicada por André Rodrigue Nogueira em 10 de janeiro e denunciada ao Lupa nos Golpistas; conteúdo foi apagado
Com discursos que atacam os projetos do atual governo, umas
das principais pautas do bolsonarista piauiense é descredenciar programas de
transferência de renda como Bolsa Família, Auxílio Emergencial, entre outros.
Entretanto, ele próprio foi beneficiário do Auxílio Emergencial durante 14
meses, entre os anos de 2020 e 2021, quando recebeu um valor total de R$
4.650,00, aponta um levantamento feito por Lupa com base nos dados do Portal da
Transparência do Governo Federal.
O modo de operação é similar ao que ocorreu quando grupos
bolsonaristas no Telegram passaram a ser bloqueados e, após a reativação das
contas no aplicativo, adotaram o recurso de exclusão automática das mensagens
após um dia como forma de apagar rastros e dificultar a ação de autoridades.
Rogério Santo da Silva, que administra o perfil no Instagram
“Outro Lado de Dourados” também mudou a forma de apresentar narrativas de cunho
golpista nas redes sociais. O músico costumava publicar vídeos de manifestações
antidemocráticas em Dourados (MS) e Brasília, além de fazer lives diárias em
que afirmava estar atualizando as pessoas sobre a “real situação do Brasil”.
“Cada dia que passa, a gente descobre mais irregularidades
de como foi conduzido esse processo eleitoral [...]. Foi jogo comprado”,
afirmou Silva em live realizada no dia 28 de novembro.
Embora as publicações ainda estejam disponíveis no perfil de
Silva, desde o dia 13 de janeiro suas transmissões passaram a ter um viés
religioso. Legendadas como “Oração”, as transmissões até contam com a presença
de pastores — um deles também denunciado ao banco de dados Lupa dos Golpistas
—, mas mostram uma tentativa de camuflar o discurso político vinculado a elas.
Após atos golpistas, as lives de Rogério Santo passaram a
ser legendas como “Oração”
“É tempo de caverna, de prisões, perseguições, é tempo de
muita coisa, mas, principalmente, de não desistir. Se você chegou nessa live
falando que não acredita que dá certo, então cai fora, isso aqui não é para
você. Deixa o comunismo entrar na sua casa, deixa o governo corrupto do jeito
que está”, disse o pastor Thiago Bezerra, um dos convidados, durante uma live
no dia 15 de janeiro. Após a Lupa entrar em contato com Rogério, nove postagens
foram apagadas, todas elas de transmissões ao vivo que reuniam pastores para
“orações”.
Silva estava em Brasília no dia 8 de janeiro e publicou um
vídeo dos atos em seu perfil no Instagram. Na gravação, que ainda está
disponível na rede social, ele pedia, como era comum em suas publicações,
doações via Pix em apoio ao seu trabalho. A página continua pedindo
contribuições, mas, agora, para um projeto social chamado “Sonho de Criança”,
voltado a crianças carentes em Dourados.
Outro perfil acompanhado pela Lupa é o da empresária Sulani
da Luz Antunes Santos. Ela foi responsável por organizar uma caravana para os
atos de 8 de janeiro, em Brasília, mas apagou o conteúdo que mostrava seu
envolvimento.
Publicação apagada por Sulani em que ela anunciava ônibus para os atos em Brasília
Na publicação deletada, a empresária anunciava vagas para
uma excursão saindo de Jundiaí (SP) e disponibilizava seu número Pix para
contribuição de um “valor simbólico”.
Sulani é apontada pela Advocacia Geral da União (AGU) como
uma das financiadoras de transportes que levaram grupos para participar dos
atos golpistas na capital federal. Ela patrocinou um ônibus com 34 pessoas, de
acordo com o processo. O veículo foi apreendido em Brasília e a empresária teve
os bens bloqueados por decisão da justiça.
Assim como Sulani, o corretor de imóveis Adriano Ribeiro, de
Matinhos (PR), participou dos atos em Brasília, mas excluiu a única postagem
que comprovava que ele esteve lá.
“Estamos aqui hoje em Brasília, em frente ao quartel do
Exército”, diz Adriano em um vídeo publicado no dia 8 de janeiro no qual
aparece com mais outras duas pessoas segurando uma bandeira do Brasil.
Adriano Ribeiro também apagou postagem denunciada ao Lupa nos Golpistas
Na postagem, que foi deletada, o corretor ainda convoca os
moradores de Matinhos, que não puderam ir até a capital federal, para “pegar
sua bandeira” em defesa do Brasil.
Em todos os perfis analisados nesta reportagem, as
publicações que antes ignoravam o resultado das urnas e alimentavam atos
golpistas para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
deram lugar a críticas ao atual governo — o que, indiretamente, sinaliza um
reconhecimento à vitória do petista sobre Bolsonaro nas eleições de 2022.
Outro lado
A Lupa entrou em contato com as pessoas citadas. Até a
publicação desta reportagem, apenas Rogério Santo da Silva e André Rodrigue
Nogueira haviam se manifestado. Por meio de mensagem de voz, Silva afirmou que
a página “Outro Lado de Dourados” desempenha um trabalho jornalístico, trazendo
informação e não desinformação. “Somos uma página de política. Nós cobrimos
todos os atos, desde a pandemia, para mostrar o que são as manifestações”,
destacou.
Ele também afirmou que o cunho religioso das publicações reflete
quem ele é, e negou ter participado dos atos do dia 8 de janeiro, apesar de ter
viajado para a capital federal.
“Eu e minha esposa, nós viajamos, sim, para fazer esse
trabalho jornalístico, mas nós não ficamos acampados no QG em Brasília. Nós
fomos mostrar o dia a dia das pessoas. Acreditávamos que seria um acampamento
de forma ordeira e pacífica. Na hora que as pessoas começaram a chegar já de
máscara, a gente assustou e tentou convencer as pessoas de não ir para lá
porque o clima estava ficando hostil e não fomos”, disse.
Já Nogueira informou que não apoiou e nem incentivou pessoas
a irem a Brasília para destruir o patrimônio público. “Quando eu apoiei a
manifestação, é porque eu pensei que seria uma manifestação pacífica e
democrática e que não teria vandalismo por parte de infiltrados, que é isso que
eu acredito”, disse.
Sobre o Auxílio Emergencial, Nogueira confirmou que recebeu
o benefício, mas porque estava impossibilitado de trabalhar por causa da
pandemia. Ele afirmou que quando diz que é contra o assistencialismo, ele se
refere a “assistencializar pessoas que trabalham, têm boa qualidade de vida e
mesmo assim recebem benefícios sociais”.
Ele ainda acrescentou, via mensagem de texto, que diante de
uma eleição polarizada, “falamos coisas sem pensar e muitas vezes só enxergamos
após uma análise individual. Uma reflexão. Não sou contra o STF e acredito que
no momento o que devemos fazer é defender o equilíbrio entre os poderes”,
finalizou.
Em decorrência dos ataques em Brasília, a Lupa pede a colaboração
de seus seguidores para montar uma base de dados que reúna postagens
antidemocráticas feitas em redes sociais ou aplicativos de mensagem. Este é um
projeto colaborativo que busca entender como foram organizados os atos de
vandalismo. Se você viu ou ouviu alguma postagem convocando para os ataques,
colabore preenchendo este formulário. O conteúdo será usado para fins
jornalísticos e/ou de pesquisa, e pode ajudar em futuras investigações sobre as
invasões de 8 de janeiro de 2023.
Clique aqui para ver como a Lupa faz suas checagens e acessar a política de transparência
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