Márcia Cristina morreu assim que entrou no país de forma ilegal. Parentes criaram uma vaquinha online para arrecadar o dinheiro das despesas para o envio do corpo ao Brasil, que ainda está no Instituto Médico Legal de San Diego, na Califórnia.
Por Alice Mourão, g1 Vales de Minas Gerais
25/07/2023
Vítima Márcia Cristina — Foto: arquivo pessoal
A brasileira Márcia Cristina Dutra, de 36 anos, que morreu
após atravessar ilegalmente a fronteira entre o México e os Estados Unidos, na
quinta-feira (20), tinha asma e passou mal assim que chegou ao território
norte-americano. As informações são de um homem que não quis se identificar,
mas que disse ao g1 que estava com Márcia no grupo que cruzou a fronteira dos
EUA com o auxílio de coiotes. A mulher era de Caratinga no Leste de Minas.
O g1 tentou entrar em contato com a família de Márcia para
saber o posicionamento em relação diante dos relatos do homem mas, até a última
atualização da reportagem, não obteve resposta.
O brasileiro entrou em contato com a equipe do g1 depois de
ter visto a reportagem sobre a caratinguense em uma rede social.
Ele contou que conheceu Márcia em um hotel no México e
conversaram. Foi quando ela contou para ele que tinha asma. Ainda disse que ela
estava bastante tranquila, feliz e fazia planos para o futuro nos Estados
Unidos.
O homem afirmou que antes de o grupo chegar à fronteira dos
Estados Unidos, policiais do México apareceram e atiraram diversas vezes contra
as 70 pessoas que tentavam atravessar, dentre elas, crianças.
Segundo ele, todos começaram a correr. A mineira, por não
conhecer o local, foi em direção a alguns morros e ele acredita que o esforço
para fugir dos disparos possa ter desencadeado a falta de ar e a crise de asma.
Depois disso, o homem conta que, assim que Márcia entrou no
estado americano, sentou em uma pedra para descansar, enquanto os outros
seguiam viagem. Ele ainda explicou que o grupo, quando chegou ao consulado
brasileiro, pediu resgate para a mulher. Os socorristas norte-americanos foram
de helicóptero até o local mas, ao chegarem, constataram que ela já estava
morta.
O homem ainda afirmou que, além de Márcia, outras pessoas
passaram mal durante a travessia, incluindo mulheres e crianças. Segundo ele,
algumas chegaram a desmaiar por causa do calor.
O rapaz explicou que durante algumas conversas com os outros
imigrantes, percebeu que muitos têm ilusão de que a travessia seria
"simples", como era há décadas, mas o reforço da segurança nas
fronteiras tem dificultado a entrada de ilegais e também acarretado uma série
de mortes.
Ainda de acordo com o homem, além de Márcia, outras pessoas
tinham problemas de asma e receberam medicamentos e bombinhas para usarem
durante a travessia.
O brasileiro ainda relembrou a apreensão durante toda a viagem, o medo de dar errado e não chegar do outro lado vivo.
"Vaquinha"
Uma irmã de Márcia contou que, agora, a família tenta trazer
o corpo para Caratinga, para velório e sepultamento. No entanto, precisam de
ajuda com as despesas, que vão desde a documentação até o translado.
Além disso, todo o processo pode demorar bastante para ser
concluído. Os parentes criaram uma vaquinha on-line para arrecadar o dinheiro
das despesas.
O corpo da mulher ainda está no Instituto Médico Legal de
San Diego, na Califórnia.
Polícia Federal
Alvos da operação da PF em MG contra migração ilegal
exploravam o 'sonho' das pessoas, diz delegado — Foto: Polícia
Federal/divulgação
O g1 entrou em contato com a Polícia Federal para saber mais
informações sobre as investigações da morte da caratinguense Márcia Cristina.
Em nota, a PF disse que não informa sobre eventuais investigações em andamento.
Operações
No mês passado a Polícia Federal deflagrou, a Operação
Terminus-México, em cidades do Leste de Minas, que começou depois de várias
denúncias de migrantes, informando que estavam sendo ameaçados, assim como os
familiares a pagar os valores exigidos pelas quadrilhas para promover a viagem.
O delegado da Polícia Federal, Daniel Fantini, disse, que o
foco da operação não eram as pessoas que sonhavam em migrar, e sim, o grupo que
explorava a "aspiração legítima" das pessoas de ter uma vida nos EUA.
Na ocasião, a polícia cumpriu 11 mandados em cidades do
Leste mineiro e em São Paulo na manhã desta segunda contra um grupo que
promovia migração ilegal. A lei proíbe a exploração da de forma econômica,
ressaltou o delegado.
"A migração é um desejo, muitas vezes, de a pessoa
melhorar de vida. É um sonho. Isso não é criminalizado. O que está sendo
criminalizado é a exploração desse sonho".
"Migrar não é crime. Às vezes é até uma aspiração
legítima da pessoa, mas a exploração econômica desse sonho, dessa vontade,
desejo de ir para ter uma vida em outro lugar, aí isso sim é criminalizado. O
migrante vai para os EUA e ele se obriga a pagar uma dívida de em torno R$
100mil, sem nenhuma garantia que isso vá se concretizar ou que ele vá
permanecer no território norte americano por muito tempo"; disse.
O delegado Daniel ainda ressaltou, que o migrante é tratado
como "mercadoria", por se tratar de uma viagem perigosa, sem
proteção, alguns morrem, pegam doenças, ficam perdidos e não conseguem chegar
ao destino. "Ficam nas mãos de pessoas que praticam todo tipo de
violência"; afirmou. "Às vezes, a pessoa paga uma parte [para
migrar], entrega um veículo, um sinal e se compromete a pagar o resto quando
consegue chegar lá."
O delegado ressaltou a importância do cuidado de entrar no
país de forma legal, natural, com visto e que não seja por meia da travessia do
deserto.
"Refletir melhor para ver se vale realmente a pena
tentar realizar o sonho dessa maneira. Não é uma questão policial, não é a
polícia que vai dar uma resposta para essas pessoas, mas precisam procurar
outros meios, submeter as regras, como ter o visto e acredito que muitos tentam
essa via sem mesmo tentar a via legal"; finalizou.
Alternativa de risco
Advogado Daniel Toledo explica sobre o visto e outras
dificuldades que os imigrantes acabam passando quando chegam nos Estados Unidos
— Foto: Arquivo pessoal
O advogado Daniel Toledo é especializado em Direito
Internacional. Ele é membro efetivo da Comissão de Relações Internacionais da
OAB Santos, professor da Universidade Oxford - Reino Unido e da PUC Minas
Gerais de pós graduação em Direito Internacional, com foco em Imigração para os
Estados Unidos , além de ser consultor em protocolos diplomáticos do Instituto
Americano de Diplomacia e Direitos Humanos USIDHR.
De acordo com o jurista, as pessoas preferem pagar coiotes
por desinformação.
"Os valores que são cobrados por coiotes são absurdos e
os riscos envolvidos são enormes, então as pessoas acabam por desinformação,
achando que tudo é muito fácil, muito simples, é tudo garantido, quando na
verdade elas estão colocando a própria vida em risco"; explicou.
Outra situação apontada pelo advogado, é a não procura pela
assessoria jurídica na hora de tirar o visto. "Muitas vezes as pessoas, ao
invés de conversar com um advogado de migração, tentam aplicar sozinhas os
vistos de turismo e, obviamente, se não tiverem todos os requisitos, esses
vistos acabam sendo negados e as pessoas acham que não resta mais nenhuma outra
alternativa. A pessoa acaba se desanimando e indo pelo caminho que acaba sendo
mais fácil para elas"; disse.
Visto, documentos e ilegalidades
O advogado ainda explicou a diferença entre o imigrante
ilegal e o indocumentado.
"O imigrante que passa pela fronteira sem passar por um
agente, ele está ilegal, o que passa pelo agente e entra com o visto e
extrapola o tempo do visto, ele é indocumentado, então essa diferença entre
ilegal e indocumentado".
Ainda disse, que o ilegal não vai ter nenhum tipo de
possibilidade de aplicação de nenhum visto dentro dos Estados Unidos.
"Basicamente só existem duas formas de regularizar o indocumentado, que
seria o casamento e um pedido de perdão para o indocumentado e para o ilegal só
caberia mesmo a questão do casamento, porque não existe nenhuma outra forma de
regularização".
"Essa pessoa não tem autorização de trabalho, não tem
autorização de viagem, não tem autorização de nada dentro dos Estados Unidos e
acaba tendo uma série de dificuldades inclusive para tirar a carteira de
habilitação e documentos simples de uso no dia a dia ela acaba tendo aí uma
série de entendimentos que dificultam demais a vida dela aqui", concluiu.
Vídeos do Leste e Nordeste de Minas Gerais
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