quarta-feira, 26 de julho de 2023

'Passou mal após fugir de policiais', afirma homem que diz ter atravessado fronteira dos EUA ilegalmente com brasileira que morreu

Márcia Cristina morreu assim que entrou no país de forma ilegal. Parentes criaram uma vaquinha online para arrecadar o dinheiro das despesas para o envio do corpo ao Brasil, que ainda está no Instituto Médico Legal de San Diego, na Califórnia.

Por Alice Mourão, g1 Vales de Minas Gerais 

25/07/2023 

 

Vítima Márcia Cristina — Foto: arquivo pessoal


A brasileira Márcia Cristina Dutra, de 36 anos, que morreu após atravessar ilegalmente a fronteira entre o México e os Estados Unidos, na quinta-feira (20), tinha asma e passou mal assim que chegou ao território norte-americano. As informações são de um homem que não quis se identificar, mas que disse ao g1 que estava com Márcia no grupo que cruzou a fronteira dos EUA com o auxílio de coiotes. A mulher era de Caratinga no Leste de Minas.

 

O g1 tentou entrar em contato com a família de Márcia para saber o posicionamento em relação diante dos relatos do homem mas, até a última atualização da reportagem, não obteve resposta.

  

O brasileiro entrou em contato com a equipe do g1 depois de ter visto a reportagem sobre a caratinguense em uma rede social.

 

Ele contou que conheceu Márcia em um hotel no México e conversaram. Foi quando ela contou para ele que tinha asma. Ainda disse que ela estava bastante tranquila, feliz e fazia planos para o futuro nos Estados Unidos.

 

O homem afirmou que antes de o grupo chegar à fronteira dos Estados Unidos, policiais do México apareceram e atiraram diversas vezes contra as 70 pessoas que tentavam atravessar, dentre elas, crianças.

 

Segundo ele, todos começaram a correr. A mineira, por não conhecer o local, foi em direção a alguns morros e ele acredita que o esforço para fugir dos disparos possa ter desencadeado a falta de ar e a crise de asma.

 

Depois disso, o homem conta que, assim que Márcia entrou no estado americano, sentou em uma pedra para descansar, enquanto os outros seguiam viagem. Ele ainda explicou que o grupo, quando chegou ao consulado brasileiro, pediu resgate para a mulher. Os socorristas norte-americanos foram de helicóptero até o local mas, ao chegarem, constataram que ela já estava morta.

 

O homem ainda afirmou que, além de Márcia, outras pessoas passaram mal durante a travessia, incluindo mulheres e crianças. Segundo ele, algumas chegaram a desmaiar por causa do calor.

 


 Vítima Márcia Cristina — Foto: Arquivo pessoal

 "É como entrar numa guerra"

O rapaz explicou que durante algumas conversas com os outros imigrantes, percebeu que muitos têm ilusão de que a travessia seria "simples", como era há décadas, mas o reforço da segurança nas fronteiras tem dificultado a entrada de ilegais e também acarretado uma série de mortes.

 

Ainda de acordo com o homem, além de Márcia, outras pessoas tinham problemas de asma e receberam medicamentos e bombinhas para usarem durante a travessia.

 

O brasileiro ainda relembrou a apreensão durante toda a viagem, o medo de dar errado e não chegar do outro lado vivo.

 

"Vaquinha"

Uma irmã de Márcia contou que, agora, a família tenta trazer o corpo para Caratinga, para velório e sepultamento. No entanto, precisam de ajuda com as despesas, que vão desde a documentação até o translado.

 

Além disso, todo o processo pode demorar bastante para ser concluído. Os parentes criaram uma vaquinha on-line para arrecadar o dinheiro das despesas.

 

O corpo da mulher ainda está no Instituto Médico Legal de San Diego, na Califórnia.

 

Polícia Federal

Alvos da operação da PF em MG contra migração ilegal exploravam o 'sonho' das pessoas, diz delegado — Foto: Polícia Federal/divulgação

 

O g1 entrou em contato com a Polícia Federal para saber mais informações sobre as investigações da morte da caratinguense Márcia Cristina. Em nota, a PF disse que não informa sobre eventuais investigações em andamento.

 

 

Operações

No mês passado a Polícia Federal deflagrou, a Operação Terminus-México, em cidades do Leste de Minas, que começou depois de várias denúncias de migrantes, informando que estavam sendo ameaçados, assim como os familiares a pagar os valores exigidos pelas quadrilhas para promover a viagem.

 

O delegado da Polícia Federal, Daniel Fantini, disse, que o foco da operação não eram as pessoas que sonhavam em migrar, e sim, o grupo que explorava a "aspiração legítima" das pessoas de ter uma vida nos EUA.

 

Na ocasião, a polícia cumpriu 11 mandados em cidades do Leste mineiro e em São Paulo na manhã desta segunda contra um grupo que promovia migração ilegal. A lei proíbe a exploração da de forma econômica, ressaltou o delegado.

 

"A migração é um desejo, muitas vezes, de a pessoa melhorar de vida. É um sonho. Isso não é criminalizado. O que está sendo criminalizado é a exploração desse sonho".

 

"Migrar não é crime. Às vezes é até uma aspiração legítima da pessoa, mas a exploração econômica desse sonho, dessa vontade, desejo de ir para ter uma vida em outro lugar, aí isso sim é criminalizado. O migrante vai para os EUA e ele se obriga a pagar uma dívida de em torno R$ 100mil, sem nenhuma garantia que isso vá se concretizar ou que ele vá permanecer no território norte americano por muito tempo"; disse.

 

O delegado Daniel ainda ressaltou, que o migrante é tratado como "mercadoria", por se tratar de uma viagem perigosa, sem proteção, alguns morrem, pegam doenças, ficam perdidos e não conseguem chegar ao destino. "Ficam nas mãos de pessoas que praticam todo tipo de violência"; afirmou. "Às vezes, a pessoa paga uma parte [para migrar], entrega um veículo, um sinal e se compromete a pagar o resto quando consegue chegar lá."

 

O delegado ressaltou a importância do cuidado de entrar no país de forma legal, natural, com visto e que não seja por meia da travessia do deserto.

 

"Refletir melhor para ver se vale realmente a pena tentar realizar o sonho dessa maneira. Não é uma questão policial, não é a polícia que vai dar uma resposta para essas pessoas, mas precisam procurar outros meios, submeter as regras, como ter o visto e acredito que muitos tentam essa via sem mesmo tentar a via legal"; finalizou.

Alternativa de risco

Advogado Daniel Toledo explica sobre o visto e outras dificuldades que os imigrantes acabam passando quando chegam nos Estados Unidos — Foto: Arquivo pessoal

 

 

O advogado Daniel Toledo é especializado em Direito Internacional. Ele é membro efetivo da Comissão de Relações Internacionais da OAB Santos, professor da Universidade Oxford - Reino Unido e da PUC Minas Gerais de pós graduação em Direito Internacional, com foco em Imigração para os Estados Unidos , além de ser consultor em protocolos diplomáticos do Instituto Americano de Diplomacia e Direitos Humanos USIDHR.

 

De acordo com o jurista, as pessoas preferem pagar coiotes por desinformação.

 

"Os valores que são cobrados por coiotes são absurdos e os riscos envolvidos são enormes, então as pessoas acabam por desinformação, achando que tudo é muito fácil, muito simples, é tudo garantido, quando na verdade elas estão colocando a própria vida em risco"; explicou.

Outra situação apontada pelo advogado, é a não procura pela assessoria jurídica na hora de tirar o visto. "Muitas vezes as pessoas, ao invés de conversar com um advogado de migração, tentam aplicar sozinhas os vistos de turismo e, obviamente, se não tiverem todos os requisitos, esses vistos acabam sendo negados e as pessoas acham que não resta mais nenhuma outra alternativa. A pessoa acaba se desanimando e indo pelo caminho que acaba sendo mais fácil para elas"; disse.

 

 

Visto, documentos e ilegalidades

 

O advogado ainda explicou a diferença entre o imigrante ilegal e o indocumentado.

 

"O imigrante que passa pela fronteira sem passar por um agente, ele está ilegal, o que passa pelo agente e entra com o visto e extrapola o tempo do visto, ele é indocumentado, então essa diferença entre ilegal e indocumentado".

Ainda disse, que o ilegal não vai ter nenhum tipo de possibilidade de aplicação de nenhum visto dentro dos Estados Unidos. "Basicamente só existem duas formas de regularizar o indocumentado, que seria o casamento e um pedido de perdão para o indocumentado e para o ilegal só caberia mesmo a questão do casamento, porque não existe nenhuma outra forma de regularização".

 

"Essa pessoa não tem autorização de trabalho, não tem autorização de viagem, não tem autorização de nada dentro dos Estados Unidos e acaba tendo uma série de dificuldades inclusive para tirar a carteira de habilitação e documentos simples de uso no dia a dia ela acaba tendo aí uma série de entendimentos que dificultam demais a vida dela aqui", concluiu.

Vídeos do Leste e Nordeste de Minas Gerais 

https://g1.globo.com/mg/vales-mg/noticia/2023/07/25/passou-mal-apos-fugir-de-policiais-afirma-homem-que-diz-ter-atravessado-fronteira-dos-eua-ilegalmente-com-brasileira-que-morreu.ghtml

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