Publicado em 29/07/2022 às 04:00:00,
atualizado em 29/07/2022 às 09:19:11
Era 21 de janeiro de 2021, quinta-feira, e o sol parecia escaldante. Na cidade de Caldas Novas, em Goiás, um grupo de excursionistas se diverte em um resort de alto padrão. É mais um dia normal no local, que costuma receber milhares de pessoas todas as semanas, não fosse por um discreto casal que aproveita o sol de verão para nadar no lugar. A mulher se chama Juliana Lacerda e seria apenas uma esposa feliz da vida por aproveitar um final de semana com o amado marido. Mas não é isso, o companheiro em questão é Guilherme de Pádua, o assassino de Daniella Perez e que reconstruiu a vida, fora da prisão, protegido por um muro espiritual construído pelo apoio da igreja que ele frequenta em Minas Gerais, a Batista da Lagoinha.
À época da visita ao resort, haviam se passado quase 30 anos do crime e Guilherme, segundo funcionários que trabalham no local, não foi reconhecido. O NaTelinha conversou com três deles e nenhum tem a lembrança de ter visto o assassino de Daniella Perez por lá. No entanto, o ex-ator passou o dia todo no local e certamente fez suas refeições ali, dividindo espaço com outros clientes que sequer sonhavam quem era ele ou o que havia feito no passado.
Ainda em 2021, numa das noites mais fria de meio de ano, há uma reunião como outra qualquer em uma das congregações. Trata-se de um curso de teatro para jovens e adolescentes que acontece dentro do templo religioso. Entretanto, há algo de chamativo na cena, o professor é Guilherme de Pádua. Foram mais de 30 pessoas, entre meninos e meninas na faixa dos 14 aos 20 anos, que aprenderam técnicas de interpretação com o homem que havia sido condenado por um crime brutal e, por isso, desapareceu dos projetos de dramaturgia desde então. Ninguém falou do assunto naquele dia e a maior parte dos alunos, não tinham ideia de quem era o tal mentor.
O NaTelinha conversou com um desses adolescentes, atualmente com 17 anos, e que chegou a estudar com Guilherme. "Nossa relação sempre foi muito boa, ele era um ótimo professor e entendia tudo sobre as técnicas, principalmente de empostação vocal e de respiração para atores", conta o garoto que pediu para não ser identificado. Ele explica, no entanto, que não se atentou ao sobrenome. "Eu já tinha ouvido falar que o assassino da Daniella era da igreja, mas não tinha ideia de quem era ele", completa.
Também, pudera. O jovem nasceu mais de dez anos depois do crime e a Igreja Batista da Lagoinha criou uma única condição para manter Pádua sob seu guarda-chuva: que o crime fosse esquecido, ao menos dentro das paredes da congregação. Guilherme se converteu pouco depois de sair da prisão, no começo dos anos 2000 e teve uma ascensão meteórica dentro da fé religiosa. Após ter sido batizado, ele foi líder dos núcleos de teatro e de jovens dentro do grupo..
Muitos anos depois de ter assassinado Daniella Perez, Guilherme de Pádua também fez parte de um grupo de oração muito importante em um retiro espiritual organizada pela igreja da Lagoinha. O ex-ator participou de uma maratona que resultou em 72 horas de oração com demais fiéis para atingirem seus objetivos e terem prosperidade. O "núcleo duro", inclusive, ganhou uma sala nos bastidores do ginásio Mineirinho em que cerca de 50 pessoas se revezavam em suas preces. Enquanto isso, no palco, Ana Paula Valadão comandava o Congresso Internacional de Louvor Diante do Trono.
Pádua nunca foi parte do ministério e também não atuou nos bastidores dos shows --que chegaram a reunir mais de dois milhões de pessoas. Porém, um ex-membro que deixou a Igreja confidencia que ele tentou. "O Guilherme não sabia cantar, mas ele se oferecia para fazer qualquer coisa que pudesse para participar do Diante do Trono, mas a Ana nunca deu trela para ele. Parecia que ela não queria dar holofote e nem dividir o nome do grupo com um assassino, ainda que a igreja não o considere mais assim".
Mesmo assim, o Congresso reuniu milhares de jovens e adolescentes enlouquecidos pelo que era, até então, o maior grupo musical evangélico do país e que rompia a bolha da religião, atingindo casas com músicas como Preciso de Ti e Águas Purificadoras. Pádua chegou a ser visto transitando pelo ginásio, embora não tivesse protagonismo algum por ali.
O pastor Guilherme de Pádua
"Você é de Deus? Aceitou Jesus e se arrependeu de seus pecados? Então pare de se culpar. Deus não te culpa. Jesus não te culpa. O Espírito Santo não te culpa. Você não tem mais culpa por seus pecados porque você se tornou santo aos olhos de Deus", assim concluiu o atual pastor Guilherme de Pádua durante uma pregação no púlpito da Igreja Batista da Lagoinha nos últimos meses. A mensagem pode ser para qualquer um dos pouco mais de mil pessoas presentes no horário do culto, mas também pode servir para ele e sua própria história.
É comum ver o assassino de Daniella Perez pregando na Lagoinha e os temas são mais diversos. Um membro, no entanto, explica que ele tem uma preferência: "Ele gosta de falar para jovens, é onde está o coração dele". Além das pregações, o pastor tem um dia a dia discreto sendo servo da igreja o tempo todo. "Pastor é pastor 24 horas por dia", diz outro religioso da congregação.
Embora a Lagoinha não diga valores, praticamente todos os seus pastores ganham salário entre R$ 5 e R$ 15 mil por mês e Guilherme de Pádua possivelmente está neste grupo. Todo o dinheiro, claro, é pago com as doações dos milhares de fiéis que frequentam a igreja todos os dias em eventos mais variados. "O pastor Guilherme frequenta tudo que é da igreja e só da igreja. Ele faz compra em mercados dos membros, vai à padaria dos irmãos. Ele é um membro muito ativo", diz uma pessoa ouvida pela reportagem.
Um dos maiores problemas enfrentados por ele desde que se converteu foi em 2010. Seu pastor orientou que não falasse com o Programa do Ratinho, mas Guilherme garantiu que usaria o espaço para falar da conversão e da igreja em si. Não foi o que aconteceu, e o comunicador o questionou sobre os motivos o levaram a matar a filha de Gloria Perez. Até hoje, inclusive, o assassino de Daniella detona o apresentador em todas as oportunidades que surgem à sua frente.
Guilherme de Pádua, o marido zeloso
"Faria tudo de novo! Mas que bom que estamos aqui neste momento", assim descreve Juliana Lacerda de Pádua em seu perfil no Instagram, numa imagem dela vestida de noiva e pronta para se casar com o homem condenado por assassinar a jovem atriz em ascensão. As declarações de amor são constantes na rede social da mulher, que também é evangélica.
Juliana trabalha num ministério que visita presos e busca a ressocialização deles através da conversão evangélica, um dos braços do trabalho voluntário da Lagoinha. Oficialmente, ela é maquiadora e não contratada da igreja, porém, a esposa de Guilherme de Pádua já foi apresentadora da Rede Super --canal cristão controlado pela denominação evangélica.
Em 22 de outubro de 2021, pouco mais de um mês depois da HBO Max anunciar que faria uma série sobre o assassinato de Daniella Perez, Juliana usou as redes sociais, quase que num tom provocativo. Em uma foto em que aparece num balanço, com o marido atrás e os dois rindo, ela escreveu. "Te amo intensamente, nunca conheci um homem que chegasse nem perto do que você é, eu choro agradecendo a Deus pela sua vida, porque não queria ninguém além de você. Falo pra você mesmo que Deus me livre que morra, que nunca mais casaria de novo, pois não acharia ninguém no mundo igual a você".
Guilherme de Pádua e a homossexualidade na Lagoinha
Quem assistiu aos episódios finais de Pacto Brutal, sabe que, em um dos trechos, a série conta a história de que Guilherme teria trabalhado em um grupo teatral que supostamente fazia programa para homossexuais que assistiam a peça pornográfica. Ele nega e, à época, ficou revoltado. Glória Perez deu uma declaração chocada: "Quer dizer, ser assassino não o incomodava, mas ser chamado de homossexual, aí não podia".
A história faz um paralelo com setembro de 2020. O superstar evangélico, André Valadão, irmão de Ana Paula e que segue carreira solo, respondia a perguntas em seu Instagram, quando foi questionado como a igreja deveria se comportar ao receber um homossexual. A resposta foi taxativa e o pastor, que mora nos EUA e é fã do presidente Jair Bolsonaro (PL), não se fez de rogado.
"Entendi. São gays. A igreja tem um princípio bíblico. E a prática homossexual é considerada pecado. Eles podem ir para um clube gay ou coisa assim. Mas, na igreja, não dá. Esta prática não condiz com a vida da igreja. Tem muitos lugares que gays podem viver sem qualquer forma de constrangimento. Mas na igreja é um lugar para quem quer viver princípios bíblicos. Não é sobre expulsar. É sobre entender o lugar de cada um".
Um ano antes, no entanto, também nas caixinhas de pergunta em seu Instagram, Valadão foi perguntado sobre a igreja Lagoinha ter aberto as portas para o assassino de Daniella Perez e a resposta foi completamente diferente do que ele pensa sobre os homossexuais.
“O Guilherme cumpriu a pena. Ele é uma benção. Nenhum de nós somos os mesmos, constantemente somos transformados pela misericórdia de Jesus. Acredito no fruto do arrependimento e o Guilherme tem vários frutos”.
Assim, Guilherme de Pádua pega sua Bíblia, dá um beijo na esposa e, após curtir um fim de semana em um sítio de um irmão da igreja, vai preparar a pregação para o próximo culto enquanto aguarda o pagamento cair no fim do mês. Convertido, a Lagoinha o ensinou que Deus apaga o pecado e o joga no mar do esquecimento. Já Daniella Perez, não teve essa chance.
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