Monumento natural em Pains, Capital Mundial do Calcário é símbolo do risco provocado a estruturas geológicas por empresas que não seguem normas ambientais
Pains – Erguida sobre uma das maiores reservas de calcário do país, a cidade de Pains, no Centro-Oeste de Minas, fica em uma região que abriga outra riqueza, essa ainda bastante desconhecida e, ao contrário da outra, pouco explorada: um enorme patrimônio espeleológico e arqueológico. Mas, sob a névoa da extração mineral e circundada por dezenas de empresas que retiram e tratam a substância de uso polivalente na indústria, muitas delas operando sem as devidas licenças ou fiscalização, a região convive com o risco de destruição de formações rochosas de milhões de anos, que reúnem inestimável potencial científico, histórico e turístico. O símbolo maior dessa ameaça é a chamada Pedra do Cálice, monumento natural do estado e cartão-postal da cidade, que sofre o impacto da atividade de uma série de empresas, especialmente as de menor porte, com práticas predatórias de exploração.
A formação rochosa que foi sendo esculpida pela ação de milhões de anos fica em área cercada pela extração mineral, e as explosões frequentes alimentam o temor de que a estrutura não suporte os impactos e desmorone. Seria uma perda inestimável para uma cidade que tem na geologia suas maiores riquezas: não só o calcário, que lhe faz ostentar o título de capital mundial do produto, mas também formações como as cavernas, que lhe valem o posto de segunda cidade do país com maior número dessas cavidades naturais cadastradas. São mais de 400.
Leandro de Faria é dono da fazenda que fica logo abaixo da Pedra do Cálice. A casa da família, onde o produtor rural nasceu e cresceu, tem nas rachaduras testemunhos do impacto das explosões realizadas sem os cuidados necessários para a extração do calcário de paredões da cidade. Os riscos, é claro, não são restritos à estrutura da moradia.
“A casa tem várias trincas. Tem uns anos que eles estão detonando mais forte, com mais impacto. Eles não têm horário para detonar e não avisam de maneira nenhuma. Eu fiz um boletim de ocorrência há uns seis anos para averiguar rachaduras na Pedra do Cálice. A Polícia Ambiental de Arcos veio, (os militares) constataram que realmente tem rachaduras novas, mas não fizeram nada. Essa pedra vai cair”, alerta.
Leandro conta que o terreno da família está na mira de empresas da região. A propriedade fica na rodovia MG-439, onde basta circular por alguns minutos para contar mineradoras às dezenas. “Várias já tentaram comprar o terreno. Não sei se querem para minerar ou como forma de compensação”, afirma, completando que não descarta vender, embora não tenha se interessado ainda pelas ofertas.
Em laudo de tombamento da Pedra do Cálice, produzido a pedido da Prefeitura de Pains em 2015, uma equipe técnica avaliou que as explosões nas proximidades do monumento podem ser uma forma de acelerar seu processo de deterioração, que acontece naturalmente ao longo de milhares de anos. O documento sugere que as empresas da região façam um acompanhamento periódico na estrutura, o que, segundo fontes ouvidas pelo Estado de Minas, não acontece.
“Outra fonte sísmica são os desmontes de rocha com uso de explosivos. Tal procedimento é comum em mineradoras que distam poucos quilômetros do local. Sugere-se que tais mineradoras apresentem os dados de controle e monitoramento desse efeito na área de entorno de seus empreendimentos e que também realizem campanhas diárias de monitoramento – com Anotação de Responsabilidade Técnica – para um acompanhamento de tal efeito. Sugere-se um acompanhamento diário de, pelo menos, seis meses de atividades, mesclando tempo seco e chuvoso”, aponta o laudo.
Grutas sofrem até com visitação sem controle
A Pedra do Cálice está longe de ser a única estrutura com potencial turístico e valor histórico e cultural que vem sendo deixada em segundo plano em Pains. De acordo com o advogado e técnico ambiental Mário da Silva Oliveira, secretário de Meio Ambiente da cidade entre 2009 e 2016, os recursos geológicos da cidade já estão quase todos vendidos a empresas, nem todas atuando com os cuidados, a fiscalização ou as licenças necessárias.
“Quase todos os afloramentos aqui são poligonais que pertencem a alguma mineradora. Não tem mais nada livre por aí, não. As estruturas todas têm marcas maiores ou menores de impactos da mineração, tanto estrutural como de dilatação, porque treme. A gente visita (as grutas), mas nenhuma é regularizada. Uma pena, porque são de uma beleza incomum”, aponta.
Uma dessas atrações naturais é a Gruta do Brega, cavidade com três salões amplos e conhecida por uma formação rochosa em formato que lembra um dinossauro, resultado de processo naturais de milhares de anos. O local fica em ponto onde já há requerimento de lavra ativo junto à Agência Nacional de Mineração (ANM).
Assim como as demais cavidades de Pains, a Gruta do Brega não tem um sistema regular de visitação. O local fica dentro de uma fazenda, próximo ao limite entre Pains e Pimenta. A equipe do EM esteve na cavidade e constatou problemas que poderiam ser evitados caso existisse organização do turismo e uma forma de controlar a entrada de visitantes.
Dentro dos amplos salões e mesmo a partir da entrada da gruta, é possível perceber pichações, pedaços de formações rochosas quebradas e até mesmo rastros de pneu de moto dentro da cavidade. Além da riqueza espeleológica, o local é hábitat de uma fauna específica, e as próprias características da cavidade natural requerem cuidados especiais em relação à luminosidade e ao barulho.
Mais próxima do Centro de Pains, a Gruta do Éden é outra potência turística não aproveitada na cidade. A poucos metros da entrada da cavidade, fechada, funciona a Mineração Saldanha. Em Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado pela empresa junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), está prevista uma série de ações de controle de impactos nas grutas e recursos hídricos da área. A reportagem procurou a empresa e a Prefeitura de Pains para questionar sobre o cumprimento das normas, mas não obteve resposta.
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