Antes da detenção, os advogados do ex-jogador tentaram uma última pedalada no Supremo Tribunal Federal (STF): argumentaram que ele não poderia ser preso imediatamente, como determinou o STJ, porque ainda havia recursos possíveis em seu caso. Eles aludiram à decisão do próprio STF que permitiu a Lula deixar a cadeia em 2019, e o caso Robinho é uma ótima oportunidade para relembrar aquele julgamento
STF, assim como disputa de pênaltis, é loteria. O pedido de habeas corpus de Robinho caiu nas mãos de Luiz Fux. A aposta de sua defesa deu errado, porque o ministro considerou que o julgamento do ex-jogador já se encerrou na Itália e que não há mais recursos, ainda que o próprio ministro tenha instruído que a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifeste sobre o caso, e que a defesa do ex-jogador possa questionar no STF a constitucionalidade da homologação da sentença pelo STJ.
A questão se torna ainda mais intrigante quando se leva em conta que Fux tentou, quase cinco anos atrás, evitar que o STF mudasse a jurisprudência que permitia prisão após condenação em segunda instância — e que levou Lula à cadeia após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmar a condenação da 13ª Vara Criminal de Curitiba e ampliar sua pena.
Em 23 de outubro de 2019, quando o Supremo começava a julgar a questão apenas três anos depois de firmar entendimento sobre o assunto, Fux pediu a palavra no início do julgamento para dizer o seguinte:
“O Procurador anterior suscitou uma questão preliminar sobre, digamos assim, a impossibilidade jurídica de uma modificação de jurisprudência em um espaço de tempo diminuto. Agora, o Procurador, na sua última fala, antes de adentrar o mérito, suscita essa questão preliminar'”.
O STF passa pelo mesmo dilema agora, quando ameaça rever
jurisprudência firmada há apenas seis anos sobre o alcance do foro
privilegiado.
“Leitura política”
Naquele julgamento de 2019, Fux foi confrontado por Marco Aurélio Mello, relator do caso, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça do governo Lula. Gilmar foi o responsável, naquela ocasião, por conduzir o Supremo a mudar o entendimento sobre o momento de prender condenados. Recentemente, ele admitiu ter feito uma “leitura política” para decidir sobre o assunto.
“A jurisprudência tradicional do Tribunal desde antes da Constituição de 1988 era de que, com a decisão de segundo grau, você podia mandar prender. Sempre foi assim. Em 2009, passou-se a entender que o texto constitucional exige o trânsito em julgado. E assim ficou. Na Lava-Jato, se construiu com Teori [Zavascki, falecido] a ideia de que era possível rever aquilo, estabelecendo a possibilidade de antecipar a execução da pena. Com a configuração de todo o quadro, acabei fazendo uma leitura política e anunciei, na Turma, que não seguiria mais a jurisprudência e mudaria de posição quando o caso fosse levado ao plenário”, disse Gilmar em entrevista.
A mudança de entendimento do ministro, alçado ao posto de decano do STF após a aposentadoria de colegas mais velhos, ocorreu após a Operação Lava Jato se aproximar do hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG).
De volta a 2019
Marco Aurélio, Toffoli, Gilmar e Lewandowski formaram a maioria de 6×5, junto com Rosa Weber e Celso de Mello, pelo entendimento de que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Os ministros tomaram o cuidado de destacar o seguinte, na descrição do próprio STF: “A decisão não veda a prisão
antes do esgotamento dos recursos, mas estabelece a necessidade de que a situação do réu seja individualizada, com a demonstração da existência dos requisitos para a prisão preventiva previstos no artigo 312 do CPP – para a garantia da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal”.
Fato é que Lula deixou a cadeia um dia depois do encerramento do julgamento, assim como uma série de outros implicados pela Lava Jato, com exceção de quem estava preso temporária ou preventivamente. E, depois que o STF firmou seu entendimento sobre o assunto pela última vez, não se sabe de um poderoso que tenha ido para a cadeia após condenação em segunda instância.
Quem decide?
A questão que a prisão de Robinho deixa no ar é: e se seu pedido de habeas corpus tivesse caído nas mãos de Gilmar? Ou de Toffoli? Eles tomariam a mesma decisão de Fux?
Outra pergunta plausível depois de tudo que ocorreu na Lava Jato e da confissão sobre “leitura política” de Gilmar: e se o caso em julgamento se tratasse de uma condenação por corrupção?
Essas dúvidas existem também, nesse caso entre outros tantos, porque Fux optou por deliberar sobre o assunto sozinho, como os ministros do Supremo se acostumaram a fazer nos últimos anos. Isso aumenta a celeridade das decisões, mas também a insegurança jurídica, pois o decidido pode ser revertido pelo colegiado do STF dias ou meses depois.
Recursos
Lewandowski já se aposentou e virou ministro da Justiça desde que suspendeu os efeitos da Lei das Estatais, há pouco mais de um ano, em 16 de março de 2023. O caso só começou a ser julgado pelo plenário do STF nove meses depois, em dezembro, mas parou de novo, por um pedido de vista de Kassio Nunes Marques, sabe-se lá até quando.
A defesa de Robinho prometeu apresentar um recurso ao STF sobre a homologação da prisão do ex-jogador, mas também pretende questionar a decisão monocrática de Fux que permitiu sua prisão imediata. Alguém arrisca prever o que vai acontecer?