MARILIA MARASCIULO
Até então, a prática não era proibida, mas tudo mudou quando uma partida promovida em um grande estádio de São Paulo dividiu a opinião pública e expôs o machismo da sociedade. Foi considerado inaceitável que mulheres contrariassem a “natureza de ser mãe” em um esporte masculino e violento.
Neste Dia do Futebol, celebrado todo ano em 19 de julho, conheça a história de como a modalidade foi proibida para mulheres no Brasil durante quatro décadas.
Histórico
Não foi de imediato que o futebol se tornou uma paixão dos brasileiros. Embora o inglês Charles Miller tenha trazido uma bola na mala ao desembarcar no país, em 1894, por anos o que lotou arquibancadas foram esportes como o remo e o jiu-jitsu. Foi só ao longo da década de 1920, quando o esporte começou a se difundir entre operários e imigrantes que o número de clubes cresceu e passaram a surgir competições. Desde aquela época, o esporte era predominantemente masculino e existem poucos registros de partidas disputadas por mulheres.
Contexto
Em 1941, auge da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, o Brasil ainda se posicionava como neutro na Segunda Guerra Mundial. Ainda assim,o presidente acenava a alguns ideais fascistas, como um nacionalismo exacerbado e a estatização das atividades socioculturais – a exemplo do Carnaval e, no caso do decreto-lei 3.199, o futebol. Havia também o contexto social conservador da época, com a ideia predominante de que homens e mulheres deveriam desempenhar papéis específicos, como trabalhar e cuidar dos filhos, respectivamente.
Primeiro jogo
Até a promulgação do decreto, o futebol não era proibido para mulheres, embora fosse considerado uma modalidade violenta, portanto ideal para homens. Mas o divisor de águas para o futebol feminino ocorreu em 1940. No dia 17 de maio, São Paulo e Flamengo fizeram um amistoso no recém-inaugurado Estádio do Pacaembu.
A novidade estava na partida preliminar, que seria disputada por dois clubes do subúrbio carioca: Casino do Realengo e Sport Club Brasileiro, compostos totalmente por mulheres.
Polêmica
Antes mesmo de ser realizada, a partida causou polêmica, dividindo a opinião pública e a imprensa. Parte dos jornais apoiava a iniciativa, enquanto a outra metade a repudiava, pedindo que as autoridades do país impedissem a prática. Uma carta de um cidadão carioca chamado José Fuzeira endereçada diretamente ao presidente Vargas, divulgada 10 dias antes da partida, resume bem o sentimento de quem era contra.
Nela, ele argumenta que “a mulher não poderá praticar esse esporte violento sem afetar, seriamente, o equilíbrio psicológico das funções orgânicas, devido à natureza que a dispôs a 'ser mãe'".
Resultado
A partida foi mantida, e a polêmica ajudou a lotar o Pacaembu com 65 mil espectadores. As jogadoras do S.C. Brasileiro venceram as do Realengo por 2 a 0, com gols de Zizinha e Sarah. A polêmica, porém, estava longe de terminar. Quase um ano depois, em 14 de abril de 1941, Getúlio Vargas publicou o decreto 3.199, “que estabelece as bases de organização dos desportos em todo o país”.
No artigo 54, consta a proibição que só foi revogada em 1979: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário