quinta-feira, 23 de julho de 2020

Detentos de grupo de risco para Covid-19 em Minas Gerais são mantidos em regime fechado

O Conselho Nacional de Justiça havia sugerido aos juízes que adotassem prisão domiciliar sempre que possível. 'É desesperador', diz mãe de preso com doença pulmonar.

Por Thais Pimentel, G1 Minas — Belo Horizonte


Relatório médico confirma que preso está no grupo de risco para Covid-19 — Foto: Arquivo pessoal




Com falta de ar, dificuldades para dormir e tosse, um homem de 24 anos divide uma das celas do Presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, com outros 21 detentos. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a cadeia tem capacidade para 1.663 presos, mas abriga hoje 2.374.

O doente tem bronquite asmática e sintomas de rinite alérgica. De acordo com laudo médico, o homem, preso em 2018 com 42 pinos de cocaína, está no grupo de risco para Covid-19.



Apesar da recomendação do CNJ para que juízes concedam prisão domiciliar sempre que possível, o detento teve este pedido negado por três vezes. Ele também não conseguiu habeas corpus, julgado nesta quarta-feira (22).


Segundo as decisões da Vara de Execuções Penais de Ribeirão das Neves, o detento tem acesso ao tratamento dentro da prisão e, por estar em regime fechado, já se encontra em isolamento.
A família do preso contesta os argumentos da Justiça


“Meu filho está passando mal. O atendimento médico é precário e ele precisa de medicamentos. É desesperador’", disse a mãe dele que preferiu não se identificar.


Ela não vê o filho desde março deste ano quando as visitas foram suspensas por causa da pandemia do novo coronavírus.


Presídio Dutra Ladeira em Ribeirão das Neves — Foto: Reprodução/TV Globo
Presídio Dutra Ladeira em Ribeirão das Neves — Foto: Reprodução/TV Globo




Uma outra mãe, desta vez em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, passa por situação semelhante. O filho dela, condenado a 28 anos de prisão por homicídio, também é asmático e está no grupo de risco para Covid-19. Em abril, ele foi transferido da Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, também na Grande BH, para o Presídio de Formiga, no Centro-Oeste do estado.

A Vara de Execuções Penais da cidade negou o pedido de prisão domiciliar porque o detento cumpre uma pena alta e pelo crime ser hediondo.


“Vai ter revisão de sentença e a esperança é que ele saia por falta de provas. Mas demora muito. Eu só queria ver meu filho”, disse a mãe do preso, que também preferiu não se identificar.

Laudo mostra que preso asmático está no grupo de risco — Foto: Arquivo pessoal

Laudo mostra que preso asmático está no grupo de risco — Foto: Arquivo pessoal



Segundo a advogada do detento, Júlia Afonso de Oliveira Costa, há vários casos deste tipo no estado. Há também denúncias de surtos de Covid-19 em penitenciárias, falta de atendimento médico adequado e até tortura.



A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) negou as denúncias. Em nota, ela disse que “repudia maus tratos em unidades prisionais de Minas Gerais e investiga, por meio de sua Corregedoria, todas as denúncias devidamente formalizadas, guardando o direito da ampla defesa e contraditório, nos termos da lei”.


Até esta segunda-feira (20), 44 surtos de Covid-19 foram registrados em unidades prisionais e socioeducativas, segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Formiga e Ribeirão das Neves estão entre as cidades que tiveram o problema.

De acordo com a Sejusp, até o dia 20 de julho, 219 detentos testaram positivo para a Covid-19. Destes, 218 cumprem quarentena dentro das unidades prisionais. Um está em prisão domiciliar, monitorado por tornozeleira. Cinco detentos morreram.


Ainda segundo a secretaria, não há casos confirmados no Presídio Antônio Dutra Ladeira. Já em Formiga, 38 testes deram positivo entre detentos e agentes prisionais, segundo balanço do governo do estado.

‘Me sinto impotente’



Visitas a presos foram suspensas no dia 19 de março em Minas Gerais — Foto: Reprodução/TV Globo

Visitas a presos foram suspensas no dia 19 de março em Minas Gerais — Foto: Reprodução/TV Globo



Desde março, quando as visitas foram suspensas, uma mulher de 61 anos gasta por mês metade dos R$400 que conseguiu catando latas para pagar por pasta de dente, shampoo, biscoito, sucos, cigarros e outros itens que fazem parte de um kit enviado pelos correios para o Presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.


O filho dela cumpre pena de cinco anos de prisão por ter guardado maconha para um amigo. Um sobrinho também está no mesmo presídio há pouco mais de uma semana por ter furtado um pedaço de picanha de um supermercado.


“Não durmo direito, não como direito. E ainda tem esse coronavírus. A gente não pode fazer visita, mas a doença já chegou nos presídios. Eu me sinto impotente”, disse a mulher, que não quis se identificar.

Há um mês, uma outra mãe, que também preferiu não se identificar, conseguiu falar com o filho por dez minutos durante uma ligação, graças à intervenção da Pastoral Carcerária. Ele também cumpre pena no Presídio Antônio Dutra Ladeira.


“Meu filho vai fazer 19 anos neste sábado (25). Ele foi preso comigo em casa. Tráfico de drogas. Ele tem esquizofrenia. Está sem tratamento desde o início da pandemia. Eu não sei mais o que fazer”, contou.

A Sejusp disse que ‘dispõe de uma psicóloga que atende os detentos de segunda a sexta-feira. O atendimento psiquiátrico é feito a cada 15 dias, por um profissional cedido por outro presídio de Ribeirão das Neves ou em unidades especializadas de saúde da rede pública”.

A mãe viu o filho pela última vez há quatro meses. O contato mais recente foi através de uma carta dele, enviada no início de julho.


“Me perdoa, mãe. Me ajuda, me dá força. Nunca pensei ficar tanto tempo sem ver a senhora. Te amo, mãe. Me perdoa por te fazer sofrer. Mas isso daqui, só Deus sabe o que é”, escreveu.

Regime domiciliar




Em março deste ano, a Defensoria Pública da União (DPU) pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que conceda regime domiciliar ou progressão de regime a presos que integrarem os grupos de risco de contaminação do novo coronavírus.


Na avaliação do órgão, os juízes têm tomado decisões diferentes da orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que pediu que fossem avaliadas as condições das prisões em relação à possibilidade de contágio.



Nelson Meurer, em foto de dezembro de 2013 — Foto: Laycer Tomaz/Câmara dos Deputados

Nelson Meurer, em foto de dezembro de 2013 — Foto: Laycer Tomaz/Câmara dos Deputados

No dia 12 de julho, o ex-deputado federal Nelson Meurer, primeiro condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Operação Lava Jato, morreu, aos 77 anos, na manhã deste domingo (12). Ele estava internado após testar positivo para Covid-19.


A defesa havia entrado com pedido de prisão domiciliar por ele ter doenças pré-existentes e idade avançada. A Justiça negou.


No dia 4 de julho, Lucas Morais, de 28 anos, morreu com suspeita de Covid-19. Ele foi preso com menos de dez gramas de maconha e cumpria pena no Presídio de Manhumirim, na Zona da Mata de Minas Gerais, à espera de um julgamento.














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