Caso da mestranda da UFOP não é isolado, diz Conselho
Municipal da Mulher
Mais mulheres relatam a experiência em ser mãe e estudantes na universidade, falta de apoio, direitos e políticas públicas são as principais reclamações
Nívea Machado - Especial para o EM
02/06/2022 21:57 - atualizado 02/06/2022 23:51
Fachada da UFOP
Reunião marcada para às 14h vai decidir o caso da bióloga Ambar
Cordoba
(foto: Divulgação/UFOP)
Após o caso da estudante de pós-graduação em Ecologia na
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ambar Cordoba, jogar luz sobre a
realidade das mães universitárias, novos casos mostram que a situação não é um
caso isolado. Por isso, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim) e
a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) vão se reunir nesta sexta-feira
com a Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis e a Pró-reitora de Pós
Graduação às 10h; outra reunião marcada para às 14h vai decidir o caso da
bióloga.
Direitos da Mulher, Débora Queiroz, a reunião tem por objetivo pedir esclarecimentos sobre a não implementação da lei federal 3.536, de 2017, que dá o direito à prorrogação dos prazos de vigência das bolsas de estudo concedidas por agências de fomento à pesquisa nos casos de maternidade e de adoção.
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No caso da mestranda, foi negado o pedido de licença
maternidade de quatro meses e ela perdeu a bolsa da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Além disso, a
recomendação dada a ela foi de que deveria trabalhar com os mesmos prazos que
os demais mestrandos para entregar a versão definitiva da dissertação e a
submissão do artigo.
Leia também: Estudante da UFOP denuncia: 'Perdi o mestrado
porque virei mãe'
"Primeiro vamos tratar o assunto da Ambar e segundo é
pedir esclarecimentos da UFOP sobre quais mecanismos têm ou pretendem ser
implementados para que exista uma política de parentalidade efetiva na
universidade" afirma a presidente do Comdim.
Segundo Débora Queiroz, ainda não existe um número exato de
mulheres na UFOP que passam pela mesma situação que a mestranda, mas por meio
de um estudo realizado em 2021 pelo Projeto Maternidade e Universidade (ManU) -
um grupo de acolhimento e apoio a estudantes que são mães na UFOP - foi
detectado que cerca de 150 pais e mães dos três campi têm filhos acima dos
cinco anos.
(1/6), a UFOP, diz que a concessão de bolsas segue a mesma lógica isonômica,
sendo a maior parte delas provindas de órgãos de fomento federais e estaduais,
que seguem prazos rígidos e demandam comprovação por meio de relatórios e
resultados de pesquisa.
pesquisadoras levou à criação do grupo Andorinhas - Rede de Mulheres da UFOP -
que tem como objetivo diminuir as assimetrias de gênero e parentalidade na vida
universitária das estudantes, técnicas administrativas e docentes.
Mas, segundo a presidente do Conselho Municipal dos Direitos
da Mulher, o grupo Andorinhas é uma rede de profissionais da UFOP e não tem o
poder de atribuição na política e cabe ao Conselho da Mulher debater as
políticas públicas dentro da cidade e à ANPG defender os direitos de
pós-graduandos de todo o país.
"É importante destacar que para além da reunião a gente
precisa que a UFOP regulamente os trâmites relacionados à maternidade e à
parentalidade para que essas mulheres não passem mais por isso. Se a discente
tivesse sido orientada sobre a existência da lei que regulamenta a licença à
maternidade no âmbito da graduação, teria tido o afastamento de quatro meses e
nada disso teria acontecido. Queremos que haja um esforço da UFOP na criação de
um grupo de trabalho para que isso seja regulamentado".
Laura Sagrilo
Laura Sagrilo conta que o caso como o de Ambar não é novo e
tampouco recente
(foto: Divulgação/arquivo pessoal)
Laura Sagrilo conta que o caso da Ambar não é novo e
tampouco recente. Ela afirma que, enquanto aluna da UFOP teve duas gestações:
uma em 2015 que nasceu em 2016 e outra em 2017 que nasceu no mesmo ano.
Na gravidez de 2015, a estudante relata que teve problemas
com frequência para atender às atividades acadêmicas e à carga horária e assim
contou com a compreensão do corpo discente sobre abono de faltas devido ao
parto e ao puerpério. Sem sucesso, ela foi reprovada em uma disciplina.
"Uma professora me disse que eu teria bom
aproveitamento mesmo eu apresentando como solução fazer atividades em
casa".
A aluna foi orientada a entrar com o Regime de Exercícios
Domiciliares para Concessão de Frequência (Retef) e mesmo com o deferimento, a
professora não apresentou uma nova avaliação para a conclusão da disciplina
alegando que as faltas ocasionaram em um baixo aproveitamento da aluna.
"A professora me julgou sem mesmo me avaliar, entendi
que ela concluiu que pelo fato de ser mãe já era o suficiente para eu ter baixo
aproveitamento, foi desgastante o semestre, mas mesmo assim me esforcei para
estar presente e estudar, me senti injustiçada diante de tudo que fiz para
fechar o semestre. Se eu tivesse o Retef, a prova deveria ter sido dada".
Sagrilo conta que quando a licença à maternidade terminou,
ela teve que voltar à universidade. Ela lembra que muitas vezes precisou levar
a bebê de três meses que ainda amamentava.
Se a experiência com a pequena Laura foi difícil, com o
Dante, em 2017, foi decisiva para a mãe desistir do sonho. Na gestação, ela foi
diagnosticada com coqueluche e hiperemese gravídica - excesso de náuseas e
vômitos que impedem a gestante de comer adequadamente.
"Como eu passava muito mal e já tinha a bebê para cuidar e nenhum apoio da UFOP, solicitei o afastamento especial, onde comprovei com atestados minha situação. Foi indeferido e como não tinha mais condições de brigar por isso, por exaustão, acabei desistindo da graduação".
A partir daí, a mãe de dois bebês criou com mais outras cinco mulheres puérperas e mães que precisam de apoio do grupo Divinas Tetas com o objetivo de dar apoio às mulheres nessa mesma situação.
Hoje Laura Sagrilo faz um curso semipresencial em uma
faculdade particular. Ela é doula e educadora perinatal e o grupo já tem 120
mulheres. "Uma delas é a Ambar Cordoba que com a nossa rede de apoio não
deixamos que ela ficasse desamparada na busca de seus direitos".
Ambar Cordoba
Ambar Cordoba faz parte do grupo Divinas Tetas, uma rede de
apoio às mães universitárias
(foto: Reprodução/Instagram)
"Disseram que a universidade não é lugar para mim"
diz mãe
A ouropretana Elaine Reis, conta que sempre sonhou em fazer
uma graduação na UFOP, mas que ao entrar na universidade, o sonho foi se
tornando aos poucos um pesadelo.
"A minha experiência na UFOP como aluna, mãe,
trabalhadora e mulher foi decepcionante, não é uma história bonita, é uma
história sofrida, idealizei entrar na universidade, ser educadora e servir à
minha cidade, mas fui muito mal acolhida".
Mãe solo de duas crianças, uma de sete anos e o menor com
dois anos, Elaine percebeu que nos anos de graduação em pedagogia - de 2012 a
2019 - foi de pouca movimentação em relação ao apoio de mães universitárias no
sentido de ter bolsa permanência integral, uma brinquedoteca e espaços para
deixar os filhos.
"No projeto de monografia, uma professora ao ver as
minhas dificuldades, chegou a dizer que o meu lugar não era em uma
universidade, cheguei a procurar o colegiado do curso de pedagogia e fiz a
reclamação. Essa professora me procurou depois para se desculpar, mas pra mim
já era tarde por entender que até dentro de um curso de pedagogia em que todos
ali são preparados para lidar com crianças e mães de crianças havia muita
contradição".
Formada em pedagogia e com os filhos um pouco maiores, a ouro-pretana trabalha em duas creches de Ouro Preto e faz outra graduação na UFOP.
"Pensei diversas vezes em desistir, mas a força de
querer ser um exemplo para os meus filhos me mantinha lá e, além disso, mostrar
para os pequenos que a UFOP é lugar para mulheres, mães, solo, de baixa renda e
ouro-pretanas".
O que a UFOP diz
De uma forma geral, a UFOP reconhece que não tem uma
regulamentação específica para licença maternidade para as alunas de
pós-graduação, mas segue a regra da Capes para esses casos.
De acordo com a Portaria Capes, os prazos regulamentares
máximos de vigência das bolsas de estudo no país e no exterior, iguais ou
superiores a 24 meses, destinadas à titulação de mestres e doutores, poderão
ser prorrogados por até quatro meses, se comprovado o afastamento temporário
das atividades da bolsista, provocado pela ocorrência de parto durante o
período de vigência da respectiva bolsa.
Com base nessa Portaria da Capes, a UFOP garante à estudante
o direito a quatro meses de licença. Mas, para isso, a aluna deve protocolizar
o pedido junto à Secretaria do Programa de Pós-Graduação, incluindo a
justificativa e documentos comprobatórios, e o colegiado avalia de acordo com a
norma vigente da Instituição.
Ainda que o tempo ideal para finalização do mestrado seja de
24 meses e para o doutorado seja de 48 meses, o estudante de pós-graduação tem
um ano além desse tempo. Para isso, ele pode pedir ao colegiado o trancamento
ou prorrogação dos prazos.
Após a defesa pública, o mestrando ou doutorando tem 90 dias
para entregar o trabalho final. Caso precise de mais tempo, pode protocolizar
um pedido de prorrogação com justificativa, que será analisado pelo colegiado.
Caso não entre com o pedido de prorrogação e acabe não
recebendo a titulação, o pós-graduando pode, ainda, entrar com um recurso no
colegiado. Se o pedido for indeferido, há ainda a possibilidade de recorrer ao
Conselho Superior de Pesquisa e Pós-Graduação da UFOP e, tendo novamente
resposta negativa, pode levar sua demanda ao Conselho Universitário.
Em relação às estudantes gestantes ou puérperas, a UFOP
afirma que elas podem concorrer às bolsas de estudo voltadas para a pesquisa e
pós-graduação, nas mesmas condições dos outros participantes dos processos.




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