27 de abr. de 2023 01:49-03:00
Cuca foi, por uma semana, o técnico mais recente a comandar
o Corinthians. Ato contínuo, diversos torcedores alvinegros - e de outros
clubes - protestaram contra a escolha do sucessor de Fernando Lázaro, além de
debates que se sucederam nas redes sociais e na imprensa tradicional. Não por
causa do currículo profissional do treinador, que nos últimos anos teve alguns
dos melhores resultados no futebol brasileiro, mas por causa de uma acusação
por estupro datada de 1987, quando Alexi Stival, o Cuca, ainda era jogador do
Grêmio.
Nos últimos anos, o nome de Cuca evocou constantemente a história e motivou protestos de torcedoras e torcedores de outros clubes que foram treinados pelo paranaense. Quais foram os detalhes do acontecido em 1987? O que disse a vítima? Cuca garante ser inocente. O que disseram todos os acusados? O que consta nos registros policiais e no julgamento do caso?
Muitas são as perguntas, e também as dúvidas. Depois de uma longa pesquisa, em busca de materiais que trataram do tema, listamos abaixo algumas informações sobre o caso.
- Reprodução/Zero Hora
Qual é a acusação?
O Grêmio fazia uma excursão pela Europa. Na cidade de Berna, na Suíça, Cuca e outros três jogadores (Eduardo Hamester, Henrique Etges e Fernando Castoldi) foram detidos sob alegação de terem tido relação sexual com uma menina de 13 anos de idade, sem o consentimento da mesma.
- Reprodução/Placar
Como foi a condenação?
Eles ficaram detidos por um mês na cidade suíça, antes de serem liberados para retornarem ao Brasil. Dois anos depois, Cuca, Eduardo e Henrique foram condenados a 15 meses de prisão por atentado ao pudor com uso de violência. Fernando foi condenado dentro do ato de violência, mas escapou da pena por atentado ao pudor. Eles jamais cumpriram a pena, pelo fato de o Brasil não extraditar seus cidadãos.
- Foto: Pedro Souza / Atlético
O que Cuca diz sobre o caso?
Em entrevista concedida à jornalista Marília Ruiz, do UOL, em março de 2021, Cuca falou abertamente sobre a questão e garantiu ser inocente.
“Não houve estupro como falam, como dizem as coisas. Houve uma condenação por ter uma menor adentrado o quarto. Simplesmente isso. Não houve abuso sexual, tentativa de abuso ou coisa assim. (...) Esse episódio de 1987 precisa ser explicado. Eu estava no Grêmio havia duas ou três semanas apenas, não conhecia ninguém. Eu jamais toquei numa mulher indevidamente ou inadequadamente. Sou um cara de cabeça e consciência tranquila”, afirmou.
Cuca também ressaltou não ter tido a oportunidade de se defender, no julgamento que terminou com a condenação: “Fui julgado à revelia, não estava mais no Grêmio quando houve esse julgamento com os outros rapazes. É uma coisa que eu tenho uma lembrança muito vaga, até porque não houve nada”.
O treinador voltou a falar sobre o assunto em sua apresentação oficial no Corinthians, agora em 2023.
"Tenho vaga lembrança de tudo o que aconteceu porque foi há muito tempo. Nessa vaga lembrança que tenho, eu tinha 20 e poucos anos na época. Nós iríamos jogar uma partida, subiu uma menina ao quarto, o quarto era o que eu estava junto com outros jogadores. Era um quarto duplo. Essa foi a minha participação nesse caso. Eu sou totalmente inocente, eu não fiz nada", disse.
"Se a vítima disse que eu não estava e eu juro por Nossa Senhora, que eu amo, que eu não estava, como é que eu posso ser condenado pela internet? O mundo mudou, eu sei disso, sei que a mulher tem uma autodefesa maior, e eu quero fazer parte disso. Eu sou pai, sou avô, sou marido, sou filho. Quero poder cada vez mais ajudar. Por isso estou aqui, um time que tem 53% de torcida feminina. Um time que tem a causa aí, até escrevi aqui, como é que é? Respeita as minas. Venho aqui e tem um protesto, é lógico que vai ter".
"Dizem que eu devo uma desculpa a sociedade. Por que eu devo uma desculpa? Dois anos e meio depois desse caso eu fui jogar ali do lado, na Espanha, nunca teve consequência nenhuma. A vida mudou, mudou para melhor. Essa causa eu quero abraçar, até para a proteção da minha família. Tudo isso machuca muito, mas do fundo do meu coração, pode ter protesto, pode ter o que for, não é maior do que a vontade que eu tenho de estar aqui", completou.
Na terça-feira, 25 de abril, Cuca divulgou nota à imprensa afirmando que não mais se manifestaria sobre o caso, afirmando estar "totalmente concentrado" em seu trabalho no Corinthians e refutando novamente as acusações. Ele também diz que a questão foi repassada a seus advogados, Daniel Leon Bialski e Ana Beatriz Saguas, que irão representá-lo no tema a partir de então. Os profissionais possuem correspondentes na Suíça para também encaminhar o caso.
Mesmo assim, Cuca acabou pedindo seu desligamento do Corinthians na madrugada do dia 27, após a classificação sobre o Remo, na Copa do Brasil. Ele afirmou, na coletiva de imprensa após a partida:
"Chega um momento que você pesa o que vale e o que não vale a pena, nesse momento quero fazer valer a pena minha família, não esperava essa avalanche (de críticas), são coisas que aconteceram há muito tempo, fui julgado e punido pela internet. Saio nesse momento, não era o que eu queria."
- Lucas Uebel/Grêmio
O que os outros envolvidos falaram a respeito?
Dentre os outros três jogadores envolvidos no caso, não há muitas palavras sobre a acusação e condenação. Em 2021, o UOL buscou contato com Eduardo Hamester, Henrique Etges e Fernando Castoldi mas eles se recusaram a tocar no tema.
Advogado responsável pela defesa dos brasileiros na época, Luiz Carlos Martins, o Cacalo, então vice-presidente jurídico do Grêmio, concedeu entrevista sobre o tema ao Esporte Espetacular, da TV Globo, em 2021. Cacalo afirmou que apenas um dos jogadores teve relações com a menina. No mesmo ano, em contato com o UOL, Luiz Carlos Martins diz que este jogador não foi Cuca.
“Especialmente sobre o Cuca, que o assunto voltou agora, ele não cometeu nenhum ato de estupro e não manteve relação com a menina. Sempre manteve uma postura absolutamente correta. Eu não seria capaz de defender uma pessoa tantos anos depois que tivesse cometido um estupro. Absolutamente isso não aconteceu”, disse o advogado.
- Getty Images
Os registros policiais sobre o caso e o julgamento
Como a Justiça suíça trata este procedimento criminal como altamente pessoal, segundo informado em outra matéria do UOL sobre o assunto, não há liberação fácil do conteúdo detalhado nos autos do processo.
Ou seja, os detalhes do julgamento, assim como os argumentos da parte acusatória e da defesa dos acusados, hoje são confidenciais pela lei de proteção de dados da Suíça. A vítima, como é comum nestes casos, prefere se afastar o máximo possível de qualquer exposição sobre o assunto.
Ainda assim, existem notícias sobre documentos do caso. No texto da matéria exclusiva feita com Cuca, em 2021, a jornalista Marília Ruiz, do UOL, destacou que: "é relevante frisar que consta nos registros policiais e nos autos do processo que a vítima jamais identificou ou apontou Cuca como um dos seus agressores". Mais abaixo, uma outra matéria do UOL indica que os detalhes oficiais do caso são mantidos em grande sigilo.
Agora em 2023, na esteira da apresentação de Cuca como técnico do Corinthians, o blog do jornalista Juca Kfouri, do UOL, trouxe informações importantes que foram veiculadas em 1989, ano do julgamento. Uma matéria do jornal suíço Der Bund afirma que foram encontrados vestígios de esperma de Cuca e Eduardo no corpo da vítima.
"O relatório forense posteriormente mostrou vestígios de esperma dos dois jogadores Alexi e Eduardo no corpo da menina (...) Não foram encontrados vestígios de violência na menina. Também afirmou que ficou paralisada durante o incidente e, portanto, não gritou nem revidou", diz o trecho da matéria do jornal suíço.
A revelação mais recente sobre o caso foi uma entrevista do UOL com o advogado Willi Egloff, que acompanhou a vítima. Segundo Egloff, a menina reconheceu sim Cuca como um de seus agressores, ao contrário do que havia sido escrito no texto da entrevista de Cuca para o UOL em 2021. Willi Egloff ainda confirmou que o esperma de Cuca teria sido identificado na vítima.
- Reprodução
Jornal suíço desmente versão de Cuca
Em seu blog no UOL, a jornalista Alicia Klein publicou parte de uma matéria escrita pelo jornal suíço Der Bund, em 1989, sobre o julgamento. Alice cita ter checado, com fontes suíças, a autenticidade da matéria e fez a tradução abaixo.
"É 30 de julho de 1987, à tarde, um dia antes do último jogo da Philips Cup, entre Grêmio de Porto Alegre e Xamax Neuchâtel. A vítima está na cidade com um colega (ambos torcedores de futebol). Por acaso, eles encontram outro amigo, e por sugestão dele os três vão para o Bern Hotel Metropole, onde estão hospedados os jogadores da Philips Cup. Em frente ao hotel, eles encontram os quatro jogadores do Grêmio: Alexi Stival (Cuca), Eduardo Henrique Hamester, Henrique Arlindo Etges e Fernando Castoldi. A vítima e seus dois companheiros abordam os atletas sobre uma possível troca de camisa e eles concordam em efetuá-la no quarto de um jogador. Chegados a uma sala do segundo andar, conforme testemunhas, os jogadores desistem da pretendida troca de camisas. Em vez disso, eles começam a assediar a garota acintosamente. As duas testemunhas disseram que beijaram e "acariciaram" a menina e que ela tentou se defender dessas investidas. Os jovens que acompanhavam a menina foram, então, expulsos da sala - sem violência, mas de forma decisiva. Uma testemunha diz que viu pela última vez a menina sendo empurrada para a cama por um jogador. Depois que os dois colegas saem da sala, os jogadores trancam a porta por dentro. Indecisos sobre o que fazer, os dois jovens procuram ajuda na recepção e recorrem a um funcionário do hotel, sem sucesso. Após mais hesitação, saem para a rua e relatam o ocorrido a um transeunte. Sobem e batem na porta trancada do hotel, também sem sucesso. Pouco tempo depois (tudo dura cerca de meia hora), a menina sai do quarto do hotel, segundo seus companheiros, visivelmente atordoada.
Ela está vestindo uma camisa e um calção do Grêmio. Ela conta a seus companheiros apenas parte do que aconteceu na sala. Os jovens vão ao restaurante Löwen "tomar uma cerveja" e a garota se dirige para casa. Em seguida, ela vai com os pais à delegacia para registrar queixa. Os três jogadores de futebol, Alexi, Eduardo e Henrique, a forçaram a manter relações sexuais e atos semelhantes ao coito, diz a vítima. O quarto, Fernando, estava lá e ajudou os outros, auxiliando-os a despi-la. Esse atleta ajudou o colega a lhe tirar a calça e segurou suas pernas. Os quatro jogadores de futebol foram presos e interrogados na mesma noite.
Durante o primeiro interrogatório, eles negaram ter tocado na garota. No segundo interrogatório, ocorrido alguns dias depois, no entanto, eles confessaram a relação sexual, com exceção de Fernando. No entanto, eles afirmaram que nada havia acontecido contra a vontade da menina. A garota se divertira com tudo, segundo afirmaram. O que os levou a comentar que a garota "provavelmente não era normal". Nesse segundo depoimento, eles confessaram novamente a relação sexual, novamente com exceção de Fernando. O relatório forense mostrou vestígios de esperma dos dois jogadores, Alexi (Cuca) e Eduardo, no corpo da menina. Não foram encontrados vestígios de violência na vítima. Ela afirmou que ficou paralisada durante o incidente e, portanto, não gritou nem revidou. Um dia depois, após consulta com o médico que a atendeu, a garota compareceu por pouco tempo à final da Copa Philips, acompanhada do irmão, fato que gerou comentários depreciativos de várias pessoas. De acordo com o médico que trata dela, a menina vem sofrendo de graves transtornos mentais desde aquele incidente e, entre outras coisas, tentou suicídio na primavera passada."
A GOAL também conseguiu encontrar a matéria em questão em um site de arquivo de matérias feitas pela imprensa de diversas regiões da Suíça. O relato jornalístico está ilustrado na foto acima.
- Rodrigo Coca/Ag. Corinthians
Protestos de torcidas
Nas últimas vezes em que Cuca foi confirmado no comando de um clube, o nome do treinador gerou protestos por parte de setores das torcidas. Em anos mais recente, aconteceu no Atlético-MG (mesmo com o histórico de título de Libertadores na passagem do comandante em 2013) e agora acontece com grande peso em relação à torcida do Corinthians e ao time feminino do clube.
Na apresentação oficial do treinador, no dia 21 de abril, um grupo de torcedores do Corinthians protestou a contratação de Cuca em frente ao Parque São Jorge, com direito a fortes palavras de ordem e faixas pedindo sua saída. Algo que, naquele momento, o treinador diminuiu.
Cuca estreou na NeoQuímica Arena no duelo contra o Remo, decisão na terceira fase da Copa do Brasil que o Timão precisava reverter após a derrota no jogo de ida. Antes do jogo, o comandante teve seu nome vaiado pela torcida corinthiana ao ser anunciado pelos alto-falantes do estádio.
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