Saiu na Folha de sexta (6/4/12):
“Homem se arrepende e devolve motocicleta que havia furtado
Uma ligação chamou a atenção de policiais militares de Toledo (PR) anteontem: um homem dizia que um ladrão de motocicleta estava ‘arrependido’ e indicava a localização do veículo.
A moto, de uma promotora de vendas da cidade, havia sido furtada no estacionamento de um supermercado no último dia 30. A ligação veio menos de uma semana depois.
O telefonema foi gravado. ‘Fala que o ladrão pede desculpa pra vítima e está devolvendo a moto, porque se arrependeu do que fez’, disse o suspeito ao atendente.
O policial então pergunta se o interlocutor seria o próprio ladrão. O homem não responde e afirma que a moto poderia ser encontrada ao lado do supermercado em que havia sido furtada, o que de fato ocorreu”
Caso interessante para falarmos do furto de uso e do arrependimento posterior.
Quando o ladrão furta um bem, ele subtrai o bem da outra pessoa, sem violência ou grave ameaça. É o que aconteceu na matéria acima. A dona da moto chegou no estacionamento e a moto já não estava lá. Ela não sofreu qualquer violência ou ameaça.
Mas para que haja o furto, não basta a subtração: é preciso que essa subtração da coisa alheia tenha o caráter de permanência. Ou seja, o ladrão furta com a intenção de jamais devolver, ou seja, uma privação definitiva.
Logo, se o ladrão furta o carro com a intenção de devolve-lo (por exemplo, se o jovem furta o carro para andar com ele pela cidade e depois coloca-lo de volta na garagem do dono), trata-se do que os juristas chamam de furto de uso. E como essa conduta não está prevista em nenhuma lei penal brasileira, não há crime. Em outras palavras, ninguém pode ser condenado penalmente pelo furto de uso.*
Para os curiosos: no caso do roubo (quando há violência ou grave ameaça), por outro lado, é impossível um ‘roubo de uso’. Isso porque se o criminoso ameaçou o praticou a violência contra a vítima, ele será punido pela tentativa, ainda que não tenha conseguido subtrair o bem.
Mas o caso da matéria acima não é um caso de furto de uso. No caso acima, o ladrão (aparentemente) furtou com a intenção de ficar com a moto para si ou passa-la para outra pessoa. Quando ele a furtou, ele não pensava em devolve-la. Ele só pensou em devolve-la depois que já havia cometido o furto. Logo, houve crime e – ao contrário do furto de uso descrito acima – ele pode ser punido penalmente pelo que fez. Afinal, o crime já está cometido.
Mas nossa legislação penal abre uma segunda possibilidade para o criminoso arrependido: se nos crimes que não envolvem grave ameaça ou violência contra a pessoa, o criminoso, depois de ter cometido o crime, se arrepender e tentar reparar os danos causados à vítima ou devolver o objeto, sua pena é diminuída de um a dois terços. É o que a lei chama de arrependimento posterior (que não pode ser confundido com arrependimento eficaz, que é outra coisa).
No caso da matéria acima houve um furto. Furto, por definição, nunca envolve violência ou grave ameaça (se envolvesse, seria roubo). Logo, se quem furtou a moto tentou voluntariamente reparar os danos causados à vítima ou restituir a coisa (a moto) antes do início do processo criminal, sua pena deve ser diminuída de um a dois terços. Como a pena para furto é de 1 a 4 anos, ela cai para entre 4 meses e 2 anos e 8 meses.
* Acima dissemos que no furto de uso a pessoa não é punida. Na verdade, a pessoa que comete furto de uso de um veículo pode, ao menos em teoria, ser condenado por outros delitos. Por exemplo, ela terá causado dano à propriedade ao quebrar o vidro do carro ou destruir o mecanismo de ignição, e terá consumido combustível que não lhe pertencia. Além disso, ainda que ela não seja condenada penalmente, ela pode ser condenada civilmente a reparar os danos causados à vítima. Por exemplo, ela poderá ser obrigada a reembolsar a vítima pelas despesas com taxi que teve de usar durante o período em que ficou sem o carro, pelo estresse emocional de achar que sua propriedade foi furtada etc.
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