Atualizado em 30 de março de 2023 às 8:15
O posicionamento atual do senador Sergio Moro (União-SP) e
do deputado Deltan Dallagnoll (Republicanos-PR) a respeito do foro por
prerrogativa de função (conhecido como foro privilegiado), de que se trata de
“odioso privilégio”, é o terceiro que os dois políticos apresentam acerca do
tema. A cada mudança corresponde uma alteração de cenário político e jurídico
que faz com que a reforma no próprio pensamento seja conveniente à dupla.
Os dois políticos afirmam que sua convicção atual – do quão
“odioso” é o foro – é sólida e imutável. Afirmam também que tal convicção em
nada se relaciona com o fato de que, caso conseguissem agora se livrar do foro
que atualmente possuem por seus cargos eletivos, também se livrariam de serem
julgados diretamente no STF (Supremo Tribunal Federal) a respeito das denúncias
do ex-advogado da Odebrecht Tacla Duran. O causídico denuncia a dupla de ter
tentado extorqui-lo enquanto era réu em um processo em Curitiba, no âmbito da
Operação Lava Jato.
De fato, enquanto conduzia a sua frustrada pré-candidatura a presidente da República, o fim do foro por prerrogativa de função era uma promessa de pré-campanha do ex-juiz. Depois, na sua frustrada pré-candidatura a senador por São Paulo, somou uma nova bandeira: a de que iria propor no Congresso Nacional, se eleito, um projeto para extinguir o foro, “inclusive para presidente da República”, como gostava de destacar. Ainda não o fez.
No dia 22 de fevereiro de 2022, ele disse:
É aquele compromisso escrito na pedra: vamos acabar com o
foro privilegiado para todo mundo, inclusive para presidente da República.
Vamos apresentar logo no início uma proposta para acabar com o foro
privilegiado. A classe política tem que fazer sacrifícios e dar o exemplo.
Antes, quando era ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro
(PL) e já arquitetava sua frustrada candidatura à presidência, sua opinião era
outra. O que Sergio Moro defendia era que o foro fosse “restrito aos
presidentes dos três Poderes. Ao presidente da República, ao presidente do
Supremo e aos presidentes das duas Casas Legislativas”, dizia o político.
Mas, antes ainda, quando Sergio Moro era ministro da Justiça
de Bolsonaro e Deltan Dallagnol ainda era procurador da Lava Jato, a dupla não
queria nem saber de falar sobre foro privilegiado. Não era contra nem a favor,
muito pelo contrário. Preferiam abafar o caso.
O motivo: o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do então
presidente, estava fazendo uso do foro privilegiado que tinha como parlamentar
para paralisar as investigações em âmbito estadual sobre o esquema de
“rachadinha” montado por ele com o ex-policial Fabrício Queiroz.
À época, se não possuía ainda um cargo político, Deltan
Dallagnol já mostrava todo seu talento para a coisa. Resistindo à sua conhecida
compulsão midiática, o então procurador recusou uma entrevista ao programa
Fantástico, da TV Globo, então uma das emissoras que mais defendiam a Lava Jato
no país, só porque sabia que seria perguntado sobre o uso do foro privilegiado
pelo senador e filho do então presidente. Ele não queria criticar o foro, sabia
que não seria politicamente interessante fazê-lo.
Isso quem disse foi o próprio Deltan Dallagnol, quando ainda
não era oficialmente político, no dia 21 de janeiro de 2019, no grupo de
Telegram “Filhos do Januário 3”, conforme reportagem do site The Intercept,
componente da série que ficou conhecida como “Vaza Jato”.
O então procurador não teria qualquer problema em defender o fim do foro privilegiado, explicava ele, se fosse apenas para falar sobre um denúncia envolvendo o então senador e atual ministro Paulo Pimenta (PT-RS), mas o problema eram os temas ligados àquele outro senador, que o Fantástico certamente também iria abordar.
A turma toda do grupo (composto por procuradores da Lava Jato, e não por filhos de Januário) concordou com Dallagnol e seu tino político. O melhor era segurar a vontade de falar no Fantástico naquela vez, para evitar uma “bola dividida” com o então chefe de Sergio Moro.
Como se pode ver nas mensagens abaixo, reproduzidas originalmente pelo The Intercept e com destaques em vermelho acrescidos pelo DCM, os jornalistas da TV Globo deixaram muito claro que falariam de foro privilegiado relacionando-o ao caso do filho de Bolsonaro.
Dallagnol e seus procuradores alihados não estavam tirando aquele posicionamento da própria cabeça. Eles copiavam Sergio Moro, que também recusara a entrevista.
Naquele momento, o ministro da Justiça indicado adotava exatamente este procedimento, chamado de “postura de avestruz”, de fugir do assunto foro privilegiado, de dizer que o que tiver que se apurado, tinha que ser apurado, mas que é preciso respeitar a presunção de inocência, as regras processuais e os poderes e deveres de cada cargo da República. Em resumo: abafa o caso.
De fato, do dia 9 de janeiro de 2019, menos de duas semanas
antes da conversa transcrita acima, o então ministro da Justiça indicado Sergio
Moro conversara com um jornalista do jornal “O Estado de S.Paulo” para quem já
estava habituado a dar entrevistas e passar informações. Aproveitando a intimidade
que tinha com o repórter, deu um recado a toda imprensa então alinhada com ele:
“Não me perguntem mais nada sobre isso”. Leia os trechos abaixo, com destaques
incluídos pela reportagem do DCM.
Sobre movimentação financeira atípica do senhor (Fabrício Queiroz), o senhor presidente eleito (Bolsonaro) já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio. O restante dos fatos deve ser esclarecido pelas demais pessoas envolvidas, especialmente o ex-assessor (Queiroz), ou por apuração.
O ministro da Justiça não é uma pessoa para ficar interferindo em casos concretos. Vou colocar uma coisa bem simples. Fui nomeado para ministro da Justiça. Não cabe a mim dar explicações sobre isso.
Se Dallagnol, em janeiro de 2019, já havia decidido seguir os passos de Moro e se tornar oficialmente político, só ele mesmo pode responder, mas que agia alinhado com o amigo que já tinha pulado pro outro lado do balcão, não há como negar.
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