Operação é feita em 3 comunidades; comando diz que medida é legal
Sérgio Rangel
Militares do Exército exigiram RG e tiraram fotos individuais para "fichar" moradores de favelas do Rio durante operação nesta sexta (23). O procedimento, criticado pela OAB-RJ, Defensoria e ativistas de direitos humanos, foi adotado em diferentes pontos das comunidades, de onde as pessoas só podiam sair depois de cadastramento das Forças Armadas.
O Rio está sob intervenção federal na segurança, comandada pelo general Walter Braga Netto, nomeado pelo presidente Michel Temer (MDB). Anunciada na sexta-feira (16), a medida foi aprovada nesta semana pelo Congresso.
A operação do Exército iniciada na madrugada desta sexta (23), com apoio das polícias Civil e Militar, envolveu 3.200 homens nas comunidades Vila Kennedy, Coreia e Vila Aliança, na zona oeste. Na terça (20), um sargento do Exército foi morto por bandidos durante arrastão em Campo Grande, bairro vizinho.
Ao todo, 27 pessoas foram encaminhadas para delegacia, incluindo um menor de idade --não foram divulgadas as identidades nem os eventuais crimes cometidos. Além de drogas, houve apreensão de duas pistolas, uma réplica de fuzil, carregadores, 12 carros e 13 motos roubadas e 8 radiotransmissores.
Nas abordagens aos moradores das favelas, os militares enviavam RG e foto das pessoas por um aplicativo para um setor de inteligência, que avaliava eventual existência da anotação criminal. Após flagrar esse "fichamento" das pessoas, a reportagem da Folha chegou a ser impedida de continuar no local e foi encaminhada por homens do Exército a uma distância de 300 metros.
Ao justificar a medida, um militar disse que a presença da imprensa estaria "intimidando" a ação deles. Mais tarde, com a troca de um oficial, a presença da reportagem foi liberada novamente.
O pedreiro Edvan Silva Monteiro, 47, reclamou da abordagem dos militares. Pouco antes das 12h, ele voltava para a Vila Kennedy após ter perdido seu dia de trabalho. Afirmou que havia sido obrigado a retornar para casa porque estava sem documento ao tentar deixar a comunidade pela manhã.
"Estava saindo pro serviço apenas com a marmita. O pessoal do Exército disse que precisava ver meus documentos. Ao voltar para casa [para buscá-los], acabei me atrasando e fui dispensado por meu patrão", afirmou Monteiro, que disse ter sido fotografado com e sem boné pelos soldados do Exército.
O CML (Comando Militar do Leste) afirmou que esse "fichamento" dos moradores é um "procedimento feito regularmente, legal, cuja finalidade é agilizar a checagem de dados junto aos bancos de dados da Secretaria de segurança". O órgão disse que a foto "é deletada" após ser enviada ao sistema da Polícia Civil.
O Comando argumentou também que, "caso não fosse feita assim, essa checagem demandaria muito mais tempo e transtorno ao cidadão". No início da tarde, os militares chegaram a mudar os procedimentos temporariamente, fotografando somente os RGs dos moradores. Menos de uma hora depois, voltaram a fotografar os rostos.
Apesar de ter esperado por cerca de 20 minutos até ser liberado, Hamilton Domiciano Ferreira, 35, cantor conhecido como Mc Feio, aprovou a ação. Ele contou que passou por duas equipes de identificação dentro da comunidade antes de seguir ao trabalho.
"Estamos sofrendo com essa guerra entre traficantes e milicianos. A intervenção chega num momento bom."
O CML informou que estava apurando a restrição imposta à reportagem, mas disse reiterar "que a liberdade de imprensa é assegurada durante as operações e não há limitações ao trabalho, salvo quando houver risco".
'GRAVES INFRAÇÕES'
A OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), que criou um grupo para acompanhar a intervenção no Rio, classificou as ações dos militares como "graves infrações às garantias constitucionais". "A ação afrontou os direitos constitucionais de ir e vir e da liberdade de expressão, ao cercear moradores e equipes da imprensa", afirmou a OAB, que estuda medidas judiciais para impedir novos casos como os desta sexta.
A Defensoria Pública do Rio manifestou "veemente discordância" com a prática." A abordagem pessoal por qualquer agente de segurança só é permitida quando há razões concretas e objetivas para a suspeita de que o indivíduo esteja portando bem ilícito ou praticando algum delito. O fato de se morar em uma comunidade pobre não é razão suficiente para este tipo de suspeita", afirma.
A página Maré Vive, administrada por líderes comunitários da favela da Maré, na zona norte, afirmou que esse tipo de revista pelo Exército nunca seria tolerado em bairros nobres. "Eu queria ver se isso algum dia vai acontecer no Leblon, Ipanema, Flamengo, Laranjeiras, Barra, qualquer lugar que não a favela."
A ONG Justiça Global disse que enviou à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos) pedido para que mandem observadores internacionais para acompanhar a intervenção no Rio.
A socióloga Julita Lemgruber, do Centro de Estudos de Segurança Pública da Universidade Cândido Mendes, afirmou que a abordagem do Exército a moradores de favelas "é medida que viola o direito constitucional de todo cidadão de não ter sua liberdade e intimidade cerceada".
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