23 novembro 2020
Desde criança, Julie Lindahl sentia que a família guardava
um segredo obscuro, mas não fazia ideia do que era.
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Segunda Guerra Mundial: 'como a dica de um oficial nazista
salvou a vida de meus avós'
Em entrevista à jornalista Andrea Kennedy do programa de rádio Outlook, da BBC, ela conta como esta descoberta desencadeou uma jornada transformadora à procura das vítimas das atrocidades do avô.
Línea
Julie Lindahl nasceu no Rio de Janeiro, no fim da década de
1960. As fotografias do álbum de família mostram uma menina loirinha curtindo
as praias brasileiras.
Yzabel em tela de computador
'Fui enganada e me apaixonei por um deepfake num app de namoro'
Filha de mãe alemã e pai americano, ela foi criada em dez
países diferentes — e suas raízes acabaram se tornando uma questão central na
sua vida.
Quando nasceu, seus avós maternos, que eram alemães, também
moravam no Brasil. E ela desenvolveu uma relação muito próxima da avó.
Episódios
Fim do Podcast
"Ela era uma pessoa fascinante que viveu até os 103
anos, nasceu antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial. E foi formada pela
experiência daquela guerra", disse Julie à BBC.
"Nós compartilhávamos de vários interesses, o amor pela
natureza, pela literatura, pela boa música", enumera.
Mas havia certos aspectos que deixavam a jovem bastante
desconfortável.
"Ela tinha pontos de vista sobre algumas pessoas,
certos grupos de pessoas, que eram muito perturbadores. E isso era difícil. Eu
queria receber seu afeto, já que éramos muito próximas, mas ao mesmo tempo, eu
tinha que ouvir comentários racistas bastante incômodos", disse Julie.
Já o avô, Julie viu pela última vez aos três anos de idade,
quando sua família deixou o Brasil. A foto acima, em que ela aparece segurando
uma colher, é a única que ela tem ao lado dele.
Ele faleceu quando ela tinha nove anos. Mas deixou uma
marca.
"Eu sabia muito pouco sobre ele, e procurava evitar
esse assunto porque mencionar meu avô despertava muita emoção, uma emoção
negativa, conflito e raiva na família — na minha mãe e nos irmãos dela, na
minha avó também."
Silêncio incômodo
A verdade é que a casa da família era repleta de coisas não
ditas. Havia algo tácito no ar, e Julie e a irmã sentiam isso desde pequenas.
Julie Lindahl aos dois anos de idade em São Paulo
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,
Julie vestida de 'dirndl', traje típico alemão, em 1969, em
São Paulo
"Minhas relações familiares estavam sendo asfixiadas
por algo de que eu não sabia o suficiente. Havia raiva e indignação sendo
expressas ao meu redor", diz ela.
"E uma criança presume que fez algo errado quando os
adultos estão infelizes. A criança pensa: Eu fiz algo impronunciável",
relatou Julie à BBC.
Ela conta que acabou cultivando um sentimento de vergonha
muito forte, que teve consequências para sua saúde física e mental.
"Eu tive anorexia, parei de comer por muitos anos. Foi
uma espécie de autopunição pela vergonha", revela.
Resgatando o passado
Quando Julie se tornou mãe, ela começou a questionar o
silêncio que rondava a história da família. E a promessa que fez ao pai, em seu
leito de morte, teve um papel decisivo nesse processo:
"Meu pai me pediu: 'Cuide dos meus netos'."
"E eu pensei: Para fazer isso direito, vou ter que
olhar para o passado, porque sinto que há algo em mim que pode realmente fazer
mal aos meus filhos, sentimentos de vergonha que podem fazer mal a eles",
explica.
Julie decidiu então confrontar o passado, seja lá qual
fosse.
Ela sabia que a principal fonte de conflito na família
girava em torno do nome do avô — e que ele e a avó haviam vivido na Polônia, em
um território ocupado pela Alemanha nazista, durante a Segunda Guerra Mundial.
"Me perturbava muito a lembrança de certas conversas
que havia tido com a minha avó, em que ela tentava me convencer de que o
Holocausto não havia acontecido, por exemplo. Ela tentava me convencer de que
era uma conspiração da mídia mundial para depreciar a Alemanha", relembra.
A avó seria então o ponto de partida para sua busca. E,
certo dia, enquanto ela transcorria sobre a "vida maravilhosa que tinham
na Polônia", Julie a interrompeu e foi direto ao ponto:
"Perguntei diretamente se meu avô havia feito parte da
SS (a tropa de elite do Partido Nazista)."
"E ela respondeu: 'Claro que não, que ideia
absurda'."
A verdade sobre os avós
Mas a neta não se deu por satisfeita. Começou a estudar
sobre a história do Terceiro Reich e as relações entre Polônia-Alemanha. E, em
2010, fez uma visita ao Arquivo Federal Alemão, em Berlim.
"Achar qualquer coisa nos arquivos era como encontrar
uma agulha no palheiro. Os nazistas foram muito bons em destruir seus próprios
documentos, e os aliados foram muito bons em bombardear lugares onde os documentos
estavam", explica.
Mas, para sua surpresa, foram encontradas 100 páginas de
documentação a respeito do seu avô — e o conteúdo era assustador.
Os documentos mostravam que ele havia sido um dos primeiros
entusiastas do Partido Nazista — havia se filiado em 1931, antes mesmo de Adolf
Hitler tomar o poder na Alemanha. E o classificavam como um membro leal e
fanático da SS, a organização paramilitar de elite nazista, conhecida pela
brutalidade.
Se não bastasse tudo isso, os arquivos revelariam ainda algo
mais sombrio, que Julie jamais poderia imaginar:
"O mais chocante de tudo, que eu realmente não esperava
encontrar, porque não havia feito a pesquisa sobre minha avó, foram documentos
preenchidos com a caligrafia dela, que reconheci das inúmeras cartas e cartões
de aniversário que ela me enviou ao longo dos anos."
"Reconhecer (a caligrafia dela) foi profundamente
chocante e triste", afirma.
Encontro com as vítimas
Dois anos depois, Julie visitou o Instituto de Memória
Nacional em Pozna, na Polônia, que forneceu a ela depoimentos de testemunhas,
coletados em 1946, sobre as atrocidades cometidas por seu avô.
Durante a Segunda Guerra Mundial, ele tinha supervisionado
propriedades rurais ocupadas pelos alemães na Polônia, sendo responsável por
práticas de trabalho forçado e tortura, além de ter sido cúmplice do
assassinato da população local.
Avô de Julie Lindahl na Polônia
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,
O avô de Julie (no canto direito da foto) supervisionava o
trabalho forçado em propriedades rurais ocupadas na Polônia
"Os documentos continham sobretudo depoimentos de
pessoas que tinham vivido nas propriedades administradas por ele. Alguns
relatos eram muito, muito específicos... como (meu avô) ter espancado pessoas
até ficarem inconscientes."
Com a ajuda de Robert, um jovem arquivista e historiador
polonês, ela saiu em busca de famílias na zona rural da Polônia que haviam sido
vítimas do avô.
"Nos documentos, havia sobrenomes e nomes completos de
pessoas que testemunharam, e também nomes de vítimas."
"Robert corria no meio do campo, parava os tratores dos
fazendeiros e mostrava os documentos, perguntando: 'Vocês sabem onde essa e
aquela família vivem?'", relembra.
Para sua surpresa, a estratégia funcionou — e eles
conseguiram localizar algumas famílias.
"A primeira família que encontramos era, na verdade, um
casal, e o homem tinha vivenciado a suserania do meu avô na propriedade, quando
tinha uns 20 anos. E ficou sentado, me encarando, estava com raiva."
"Ele explicou algumas coisas que foram muito tristes de
ouvir, sabe, que sua família havia sido torturada..."
"Não fiz as coisas que o machucaram e provavelmente
destruíram a sua vida... Mas sinto compaixão", diz ela emocionada.
Ao fim da conversa, Julie conta que apertou a mão dele e
agradeceu, enquanto ele parecia desconcertado com a atitude dela.
O segundo encontro — desta vez com um senhor de 90 anos, que
sofria de demência — foi mais perturbador.
Enquanto Robert fazia as perguntas, o idoso parecia
distante, dando respostas confusas — até que algo na conversa o despertou:
"Quando Robert começou a dizer o sobrenome do meu avô,
ele de repente entrou num túnel do tempo e foi parar naquela época. Ele estava
revivendo um momento que era claramente muito assustador, dizia algo sobre
'pessoas colocadas contra uma parede para serem baleadas'", relata.
"Eu disse a Robert: 'Temos que parar com essa
entrevista agora, porque esse homem está muito angustiado e isso não é justo,
está errado'."
A conversa foi então interrompida, e o senhor se acalmou.
Depois desse episódio, Julie estava determinada a parar sua
busca, mas Robert a convenceu a seguir adiante: havia mais uma família à sua
espera.
Dessa vez, ela se deparou com um homem que era criança
durante a ocupação da Polônia — e que estava disposto a contar tudo que havia
visto e vivido.
"Ele era um menino de 10 anos na época, e seus pais e
parentes trabalhavam nas propriedades (administradas por seu avô). Ele nos
contou histórias de pessoas sendo espancadas até perderem a consciência, sendo
gravemente maltratadas, ele mesmo também havia sido muito maltratado."
Julie Lindahl
CRÉDITO,KAJSA GÖRANSSON
Legenda da foto,
'A culpa e vergonha se transformaram em responsabilidade',
diz Julie
Julie afirma que não começou essa jornada em busca de perdão
— mas, à medida que sua busca avançava, "um sentimento muito forte, um
desejo de pedir perdão, começou a vir à tona".
E quando foi se despedir daquele homem que havia
testemunhado as atrocidades do seu avô na infância, algo que ele disse provocou
uma transformação dentro dela:
"Quando nos levantamos para nos despedir, pensei: Vou
me ajoelhar aqui mesmo. E ele me segurou de uma forma, foi uma coisa estranha,
ele segurou meus braços, olhou nos meus olhos e disse: 'Não foi sua culpa, você
não fez nada'."
"Com aquele simples gesto e aquelas palavras, aquele
homem abriu caminho para uma transformação: a culpa e vergonha se transformaram
em responsabilidade", diz ela.
"A partir deste momento, a vida foi diferente."
A revelação da avó
No ano seguinte, Julie decidiu abrir o jogo com a avó sobre
o que havia descoberto a respeito do passado da família. Ela estava morando na
Alemanha na época, e tinha 100 anos.
"Em algum lugar dentro dela, eu acreditava
fervorosamente que havia uma pessoa que queria se manifestar, expressar
arrependimento e dizer simplesmente: 'O que fizemos foi errado'. Teria sido o
suficiente."
Mas não foi isso que aconteceu:
"Em vez disso, ela se endireitou na cadeira, olhou para
mim, retraiu a mão (que estava segurando a dela) e defendeu tudo o que eles
fizeram, tudo que meu avô tinha feito. Ela disse que os (membros da) SS eram os
homens mais lindos que já pisaram na Terra."
"Foi um dos piores momentos da minha vida. Porque
percebi que aquela pessoa que eu amava, que conhecera durante toda a minha
vida, de quem me sentia tão próxima, na verdade, eu não conhecia."
A avó de Julie morreu em 2014, pouco antes de completar 103
anos.
A neta passou sete anos pesquisando a história da família —
e chegou a voltar ao Brasil para buscar informações sobre a vida dos avós pelo
país.
Julie conta sua jornada no livro The Pendulum: A
Granddaughter's Search for Her Family's Forbidden Nazi Past ("O Pêndulo: A
busca de Uma neta pelo passado nazista proibido da família", em tradução
livre), uma história que ela acredita que tinha o dever de narrar.
Durante o lançamento do livro na Suécia, onde mora
atualmente, ela conta que recebeu um telefonema marcante da filha que resume a
sua busca:
"Ela disse: 'Mãe, quero dizer o quanto estou orgulhosa
de você!'"
"Para mim, esse foi um momento muito importante. Aquele
sentimento de vergonha tinha sido substituído por um sentimento de orgulho por
assumir responsabilidades. Era isso que eu procurava", afirma.
Atualmente, Julie dirige uma organização sem fins lucrativos chamada Stories for Society, que tem o objetivo de ajudar jovens a entender melhor as questões sociais por meio de histórias narradas em grupo.
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AlfenasCasa de Caridade de Alfenas Nossa Sra. do Perpétuo ocorro (Unacon com serviços de Radioterapia e Hematologia)
Barbacena
- Hospital Ibiapaba S/A (Unacon)
Belo Horizonte
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- Hospital das Clínicas da UFMG (Unacon com serviços de Hematologia e Oncologia Pediátrica)
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- Hospital São Francisco de Assis (Unacon com serviço de Radioterapia)
Betim
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Cataguases
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Curvelo
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Ipatinga
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Itabira
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Juiz de Fora
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- Hospital Maria José Baeta Reis/Asconcer (Unacon com serviços de Radioterapia e Hematologia)
- Instituto Oncológico (Unacon com serviços de Radioterapia e Hematologia)
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- Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Poços de Caldas (Unacon com Serviço de Radioterapia)
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