sábado, 14 de novembro de 2020

Apesar da sobrevida do auxílio emergencial, dinheiro vivo está com os dias contados

Assim como o cheque ficou para trás, a necessidade de saques em dinheiro ficou menor

Semanas após o governo lançar a nota de R$ 200, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já avisou que o papel moeda terá vida curta. Tendência é que Brasil acompanhe outros países mais sofisticados, onde o uso do dinheiro vivo tende a diminuir

 CARLOS LOPES | BRASÍLIA

A face mais clara do processo de desmonetização da economia é a perda gradual de participação da moeda como meio de pagamento. O ministro da Economia, Paulo Guedes, trouxe o assunto à tona, em audiência pública remota promovida pelo Congresso na semana que passou, ao prever que a cédula de R$ 200, a mais nova integrante da família de cédulas do real, terá uma carreira curta. De acordo com o ministro, a tendência é que haja menos dinheiro na mão e notas mais simples.

O lançamento da nota de R$ 200, no início de setembro, trazendo na estampa o logo guará, foi uma medida na contramão da tendência internacional. O Banco Central justificou o lançamento em razão do aumento expressivo na demanda da sociedade por dinheiro em espécie durante a pandemia da Covid-19. Os bilhões de reais pagos a título de auxílio emergencial, boa parte deles na boca do caixa, justificariam a emissão das novas cédulas. O Banco Central é responsável pelo suprimento de cédulas e moedas em circulação no sistema financeiro.

Vida curta para a nota de R$ 200

A previsão da autoridade monetária é de lançamento de 450 milhões de unidades da cédula neste ano, a um custo de R$ 90 bilhões. Não é pouco nem deve ter sido um valor dispendido para um papel de “carreira curta”, como disse o ministro, que costuma se valer de forças de expressão, nem sempre adequadas, para defender suas ideias.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco foi um dos primeiros críticos do lançamento da cédula de R$ 200, inclusive pelo seu alto valor, apesar da desvalorização do real frente ao dólar. Com o dólar turismo a R$ 6, a conversão seria de pouco mais que US$ 33. Gustavo Franco atenta para o fato de a cédula ser problemática para o consumidor de baixa renda, o mesmo que, em tese, se cadastrou para receber o auxílio emergencial.

Guardadas as devidas proporções, nos Estados Unidos e na Europa as cédulas de maior valor não são acessíveis à maioria da população. Presidente do Banco Central de agosto de 1997 a março de 1999, Franco lembra que, nos Estados Unidos, muita gente acha que a US$ 100 não deveria existir (elas estariam concentradas no mundo da informalidade ou do crime). Na Europa, a nota de € 500 deixou de ser impressa no ano passado, embora não tenha sido recolhida ou desmonetizada.

Dinheiro de papel tende a ser como o cheque: um item em desuso

Assim como o cheque ficou para trás, a necessidade de saques em dinheiro ficou cada mais reduzida. Durante a audiência pública na comissão do Congresso, o ministro Guedes lembrou que, com o início das operações do PIX, o sistema de pagamento instantâneo do Banco Central, a necessidade do uso de dinheiro vivo tende a ser cada vez mais reduzida.

No dia a dia das grandes cidades, a redução do uso de dinheiro traz consequências dignas de registro. Nos estacionamentos abertos dos supermercados, a legião de “tomadores de conta” de automóveis dos clientes já aprendeu que, ao invés de um trocado, pode pedir uma ajuda em gêneros alimentícios. Pode ser um quilo de arroz, de feijão, uma bandeja de ovos, o que for possível. Como a inflação da cesta de alimentos mais alta do que pode admitir Paulo Guedes, os guardadores de carro mostram que estão atentos ao que se passa na economia.

Economistas alertam que fim do uso de dinheiro é questão de tempo

Em um conjunto de artigos reunidos no livro “Juros, moeda e ortodoxia” (São Paulo, Editora Schwarcz, 2017), o economista André Lara Resende vislumbra um futuro onde a desmonetização da economia será plena.

Identificado como um dos pais do Plano Real, ele aborda o tema de forma mais ampla, inserido no debate sobre teoria da política monetária. Para ele, a Teoria Quantitativa da Moeda, segundo a qual o nível geral de preços se daria em função da quantidade de moeda na economia, deu seus últimos suspiros na virada do século.

Superadas as funções de troca e de meio de pagamento, que o economista vê como as mais primitivas, o futuro, em sistemas financeiros integralmente escriturais, reservaria à moeda o papel de unidade de conta (padrão universal de valor).

Compete aos teóricos, como André Lara Resende, assim como coube a outros que ele cita e que participaram do debate ao longo dos séculos, apontar perspectivas para o futuro da economia. A nós, simples mortais, convém manter a atenção sobre esse intenso processo de transformação monetária.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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