domingo, 31 de julho de 2022

CONSELHO DA POLÍCIA CIVIL APROVA DEMISSÃO DE DELEGADO BOLSONARISTA POR VÍDEO COM CONTEÚDO RACISTA

Paulo Bilynskyj diz que ‘tudo não passa de uma represália política’; caberá ao governador a decisão de exonerá-lo ou não

O Conselho da Polícia Civil de São Paulo aprovou a demissão do delegado Paulo Bilynskyj, 35, pela divulgação nas redes sociais de um vídeo que, conforme entenderam os delegados da Corregedoria da instituição, faz apologia dos crimes de estupro e racismo.

O vídeo faz parte de material promocional de cursos online ministrados pelo delegado e utiliza imagens de uma moça branca sendo carregada por homens negros e, na legenda, frases do tipo que a “situação fica preta” para quem não se prepara adequadamente para concursos (leia mais abaixo).

O policial é o mesmo que teve a arma retirada pela polícia após a publicação de conteúdo nas redes sociais em que aparece atirando, atacando a esquerda e convocando seguidores a participarem de atos em apoio a Jair Bolsonaro (PL), em 7 de setembro.

A demissão, proposta pela Corregedoria, foi aprovada pelo Conselho na semana passada. O processo administrativo com a decisão foi enviado à Secretaria da Segurança e, agora, deve seguir para o governador Rodrigo Garcia (PSDB), quem tem a palavra final de exonerá-lo.

Bilynskyj, que tem mais de 700 mil seguidores nas redes sociais, está afastado das funções para concorrer a deputado federal pelo PL. Procurado, o policial disse que não teve ciência da decisão do conselho, mas, para ele, “tudo não passa de uma represália política” (leia abaixo).

De acordo com integrantes da cúpula da segurança paulista, a punição ocorre porque, em maio de 2020, Bilynskyj publicou um vídeo nas redes sociais, pela Estratégia Concursos, com conteúdo considerado ilegal. As decisões do conselho têm caráter sigiloso e, assim, os detalhes não são divulgados.

A Estratégia Concursos é uma empresa, ligada a Paulo Bilynskyj, que oferece preparação para concursos públicos, por meio de aulas online. O material publicado tinha como propósito a promoção de cursos, mas utilizou mensagem de cunho sexual e vídeo que sugeria uma situação de estupro.

A postagem, nomeada Casa da Dor e do Sofrimento, fazia referência a examinadores de concursos públicos da Cespe, antigo nome da Cebraspe, e a candidatos mais preperados, os “concurseiros”.

Os examinadores foram associados a três homens negros, todos sem camisas, que carregam uma mulher branca para um quarto. O trio é identificado como “examinadores do CESPE” enquanto a moça, uma suposta vítima do grupo, é tratada ali como “Concurseiro”.

A legenda da postagem diz que “concurseiro” que não tem uma “retaguarda de conhecimentos que aguente a profundidade com que a banca introduz os conteúdos e diversas posições doutrinárias” pode se dar mal e usa palavras consideradas racistas.

“E aí… a situação fica preta! Para não passar por isso e nem levar trolha na prova, esteja lá na live do dia 18/05, às 10h!”, diz trecho da mensagem que termina com um pedido de ajuda para engajamento: “Marque aquele amigo(a) que já passou esse momento doloroso!”.

Após reação negativa na época, o anúncio foi retirado do ar com pedido de desculpas. A Corregedoria da Polícia Civil foi, então, acionada e concluiu que o delegado agiu em possível prática de apologia do crime de estupro e a possível prática da modalidade de racismo, segundo integrante da cúpula da segurança.

Ouvidos por integrantes da Corregedoria, os donos da empresa afirmaram que Bilynskyj era, além de professor, o responsável pela publicação do conteúdo considerado criminoso. A investigação foi aberta após pedido do Ministério Público e Ouvidoria da Polícia.

O ouvidor da Polícia, Elizeu Soares Lopes, disse que a decisão é um exemplo a ser seguido pelas polícias de todo o país e por outras instituições. Deve ser comemorada porque, segundo ele, demonstra que a instituição não compactua com práticas racistas de seus integrantes.

“Precisa cortar na carne, mesmo, para mostrar para todo mundo, para toda a sociedade, que a população negra é merecedora de respeito. A população negra não pode ser aviltada em sua dignidade”, afirmou.

Para ele, o vídeo atenta contra a população negra porque induz que os homens negros são pessoas perigosas, grupos de estupradores, o que corrobora com o racismo existente na sociedade brasileira.

“Eu me pergunto: um delegado de polícia que faz isso, vai ter a isonomia para poder analisar um caso envolvendo uma pessoa negra? Como ele trata um cidadão negro que está sob suspeição? Para uma autoridade policial isso é muito grande, até porque estava na condição de professor. Olha o que ele está ensinando. Isso é inconcebível”, disse. “Isso implica, ao final, pessoas presas sem terem cometido crimes. Pessoas condenadas injustamente em razão da cor da pele. É disso que estamos falando.”

Segundo delegados que participaram da reunião do Conselho, a recomendação pela demissão foi aprovada de maneira unânime e com elogios ao relatório que concluiu ter havido uma conduta reprovável do policial. Teria pesado na decisão um histórico de problemas disciplinares internos.






O delegado ganhou espaço no noticiário em 2020, quando sua então namorada, Priscila Barrios, disparou seis vezes contra ele. Investigações posteriores concluíram que ela se matou com um tiro no peito após ter atirado contra o namorado, por conta de questões amorosas entre eles.

O Tribunal de Justiça de São Paulo arquivou o inquérito do caso neste mês.

Bilynskyj é o segundo delegado com indicativo de demissão aprovado pelo Conselho da Polícia Civil neste ano, ambos por conta de publicações na internet. O outro foi o delegado Carlos Alberto da Cunha, o Da Cunha, que, segundo os colegas, divulgou falsa prisão de chefão do PCC.

Da Cunha nega irregularidades nas postagens feitas por ele.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública confirmou que Conselho da Polícia Civil deliberou pela demissão do delegado mencionado. “A Corregedoria da instituição segue investigando o policial e representou pela recolha de sua arma e funcional, decisão que foi deferida nesta quinta.”

OUTRO LADO

Procurado na manhã desta sexta (29), o Bilynskyj disse que seu julgamento teve caráter político. Leia a íntegra da nota.

“Julgamentos do conselho não são pautados nem publicados, nem eu nem minha defesa tomamos ciência.

Esse julgamento tem natureza política, pautado por um esforço da mídia, a mesma que me acusou injustamente e que agora faz isso novamente de maneira covarde. Também é importante lembrar que a decisão foi feita em conjunto com a retirada do meu porte de arma, que é meu Direito como Delegado Civil.

Tudo não passa de uma represália política.”

FONTE: Folha Online | FOTO: Reprodução

https://portaljuristec.com.br/2022/07/30/conselho-da-policia-civil-de-sp-aprova-demissao-de-delegado-por-video-com-conteudo-racista/

Líder comunitário preso desde fevereiro por crimes ocorridos enquanto estava a 30 km do local

Ivan Santos Trindade, de Embu das Artes, está na prisão por dois roubos na “saidinha” de um banco em São Paulo; defesa, testemunhas e provas apontam que, durante um dos crimes, estava na igreja e, durante o outro, trabalhando

Familiares e a esposa de Ivan pediram justiça por Ivan em manifestação realizada neste domingo. | Fotos: Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e Arquivo Pessoal.
Há cinco meses, Heidi Karina Dutra Trindade, 39 anos, vê o tempo passar sem poder estar ao lado de seu marido Ivan Santos Trindade, 41 anos, que é ajudante em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em Embu das Artes, município da  Região Metropolitana de São Paulo. O momento que deveria ser de comemoração do casal, que aguarda um filho, tem se transformado em um pesadelo. “A cada visita e a cada despedida um pedaço dentro de mim é quebrado novamente”, diz a esposa de Ivan que trabalha como auxiliar de departamento fiscal.

Ivan está preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Itapecerica da Serra, localizado na Região Metropolitana de São Paulo desde março. O ajudante da UBS é acusado de praticar dois roubos contra duas pessoas na saída de agências bancárias, um em janeiro e outro em fevereiro. “O sentimento de revolta e injustiça são muito grandes”, desabafa Heidi.

Ivan e Heidi se casaram há dois anos e esperam o pelo primeiro filho juntos. | Foto: Arquivo Pessoal.

Segundo a família, amigos e a defesa, Ivan não teria como estar no local onde os crimes ocorreram. O primeiro caso aconteceu em 26 de janeiro, na saída de uma agência bancária em Interlagos, zona sul de São Paulo. Ivan estava, segundo a defesa, a cerca de 30 km do local, em Embu da Artes, em um culto na Igreja Internacional da Graça de Deus do Jardim Vazame. 

A outra ocorrência foi em 7 de fevereiro, na mesma agência bancária, por volta das 12h20. Novamente, segundo a defesa, Ivan estava muito longe: em expediente na UBS São Marcos, também em Embu das Artes. 

“Informação privilegiada”

Ambos os casos aconteceram na Avenida Atlântica, em Interlagos, numa agência do Banco Itaú. Segundo o depoimento da vítima registrado no boletim de ocorrência assinado pelo delegado Lawrence Luiz F. Ribeiro, da 102ª Delegacia de Polícia (DP) da Capela do Socorro, em 26 de janeiro, uma vítima foi surpreendida às 9h55 da manhã por um homem, que a ameaçou com uma arma quando a mesma tentava efetuar o pagamento de uma conta. 

Segundo o relato da mulher, que carregava R$ 6.125, um rapaz negro e forte saiu da fila da agência, retornando pouco tempo depois, com um capacete preto e uma bolsa tira colo preta. Nesse momento, ele se aproximou e colocou a arma contra seu queixo, exigindo que ela passe a carteira. De acordo com a vítima, o suspeito ainda pegou a carteira de sua mão e tentou roubar seu celular. Ela tentou resistir, mas foi ameaçada novamente. O celular acabou caindo no jardim ao lado do banco e o suspeito correu em direção à sua moto Honda. 

Em 7 de fevereiro, outro crime ocorreu na mesma agência por volta das 12h20. Segundo o boletim de ocorrência assinado pelo delegado José Roberto Gil, da 102ª DP da Capela do Socorro, um homem subtraiu R$ 700,00 e um celular em outro roubo. De acordo com o relato da vítima, um homem, o acusado o abordou e ordenou a entrega do dinheiro e do celular, já fora da agência. Na sequência, teria fugido com a moto Honda. O homem que sofreu o roubo diz que o suspeito tinha aproximadamente 1,80 metro de altura, sobrancelhas grossas e curvadas. 

Em 10 de fevereiro, um homem chamado Gabriel (nome fictício) foi preso em flagrante próximo da agência. Policiais civis monitoravam a agência e perceberam ele e um suposto comparsa ao lado de duas motos: uma Honda/CG e uma Honda/Twister que, segundo os policiais, batiam com a descrição das usadas com os roubos. Gabriel estava armado com um revólver .38 e foi preso em flagrante. O outro homem, segundo os policiais, se evadiu antes de se aproximarem.

O nome de Ivan seria envolvido nos crimes no dia seguinte. Segundo os autos, durante investigações, a delegacia especializada da seccional, 6º CERCO [Corpo especial de repressão ao crime organizado] chegou ao nome de Ivan dia 11 de fevereiro, um dia após a prisão de Gabriel. Os policiais alegam que conseguiram uma “informação privilegiada”, mas não entram em detalhes sobre a origem desta informação ao longo dos autos.

O relatório da investigação assinada pelo delegado Julio Jesus Encarnação da 102ª DP da Capela do Socorro, traz fotos das redes sociais de Ivan. O documento assinado em 16 de fevereiro aponta que a vítima do primeiro roubo foi chamada então para analisar fotografias de Ivan para identificá-lo. No álbum de fotos, todos os homens estão de máscara de proteção contra a Covid-19. Ainda assim, ela o identificou. Na sequência o delegado solicitou a prisão temporária de Ivan, bem como um mandado de busca em sua residência. Ivan foi preso em 22 de fevereiro, inicialmente na 101ª DP em Interlagos, sendo transferido depois para o DP do Belenzinho e, por fim, ao CDP de Itapecerica da Serra.

Nada de ilegal foi encontrado com ele e nem em sua residência. No mesmo dia, o ajudante da UBS foi reconhecido pela primeira vítima presencialmente na 102ª DP. Quanto ao homem que sofreu o roubo em fevereiro, esse apontou Ivan por reconhecimento fotográfico.

O ajudante da UBS também foi reconhecido por uma funcionária do banco, que alega apenas que se deparava recorrentemente com um homem que entrava na agência repetidas vezes “com uma pochete preta a tiracolo e, em outras ocasiões, com uma mochila nas costas”. Ela ainda informou “não saber descrever ao certo” as características do acusado. Apesar das dúvidas, a funcionária reconheceu Ivan presencialmente. 

Em 23 de fevereiro o delegado Julio Jesus Encarnação solicitou a prisão preventiva de Ivan. No dia seguinte, a promotora de justiça substituta Angélica Luiza Rossi da Costa denunciou Ivan pelo crime de roubo. Em 2 de março de 2022, a juíza Lilian Lage Humes, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) decretou a prisão preventiva de Ivan. Em 9 de março, o promotor Marcello de Salles Penteado, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), denunciou Ivan pelo crime de roubo ocorrido em sete de fevereiro, mencionando o caso de Gabriel, acusando-o de ser o cúmplice, motorista da outra moto, que se evadiu. 

Ivan e a família afirmam jamais ter encontrado Gabriel.

Família e defesa apontam incoerências

“Uma investigação sem pé nem cabeça”. Essa é a forma como a esposa de Ivan define o processo de apuração dos crimes feito pela Polícia Civil. Ela aponta provas de que Ivan não estava na agência bancária em nenhum dos roubos, mas sim a 30 km dali, em Embu das Artes.

“No dia em que o Ivan está sendo acusado [do primeiro roubo] ele estava no culto. Me recordo que o obreiro iniciou no horário e eu desci às 9h30 aproximadamente para ministrar a palavra”, diz a pastora e publicitária Graziela Christina Firmino dos Santos, 41 anos. 

“O Ivan chegou por esse horário, desceu do carro, atravessou a rua, entrou e sentou numa cadeira mais ao fundo, perto da porta da igreja. Fiz a reunião e ele sempre participativo, como qualquer outro que ele frequentava, permaneceu até o final. Terminei o culto, me despedi de todos e então ele foi embora como todos os outros membros que ali estavam.” 

Folha de ponto de Ivan do dia 7 de fevereiro demonstrando sua entrada no trabalho às 7h da manhã e saída às 16h. | Imagem: Arquivo Pessoal

Heidi ainda questiona a forma como foram feitos os reconhecimentos. Segundo os autos, o reconhecimento pessoal feito em 22 de fevereiro contava com a presença de mais dois suspeitos ao lado de Ivan, mas Heidi diz que Ivan estava sozinho, e não ao lado de outros suspeitos. Isso vai contra o artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP), que diz que “a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”.

“Ele [Ivan] me falou que não tinha mais ninguém, só ele e os três policiais armados. A pessoa, coagida, com medo, fala que é. E pronto!” A esposa Heidi também diz que Ivan não sabe dirigir moto. 

Quanto ao outro crime, o defensor de Ivan, José Soares da Costa Neto, afirma que a UBS de Embu das Artes já encaminhou a folha de ponto, comprovando a presença de Ivan no trabalho no dia sete de fevereiro. Para ele, a investigação foi apressada. “Tudo fruto de uma investigação mal feita, ‘a toque de caixa’ pela equipe do CERCO-102 DP. Acho que se trata de uma grande confusão. Provavelmente o verdadeiro autor se parece com ele.”

Os familiares e vizinhos de Ivan também se manifestaram em frente à UBS onde Ivan trabalha. | Foto: Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio

Heidi diz que os policiais entraram em sua casa e a reviraram em busca de alguma prova: “Saí do trabalho, vim direto aqui para casa, pois os policiais tinham vindo com ele pra casa, mas quando cheguei, só encontrei minha casa toda revirada e um documento que os policiais deixaram aqui referente a busca.”

Em maio, uma audiência de instrução foi realizada. Apesar disso, as vítimas não compareceram e Ivan permaneceu preso. Desde março, o advogado de Ivan vem solicitando na justiça a inclusão de mais provas no processo.

Entre as solicitações do advogado estão a descrição do acusado por parte da vítima e da funcionária da agência bancária, nos termos do art. 226 do Código de Processo Penal (CPP). Também pede a presença de outros indivíduos ao lado de Ivan para o reconhecimento pessoal, e que seja efetuado o reconhecimento com os indivíduos com e sem máscaras. Por fim, as imagens das câmeras da UBS no dia em que Ivan trabalhava. Ele também pede a localização do celular de Ivan nos dias dos crimes, que deve ser fornecido pela operadora Tim. Diálogos trocados via Whatsapp de Ivan com sua esposa, no dia 26, também foram juntados no processo. 

Uma nova audiência de instrução que deve contar com a presença de todas as vítimas e testemunhas, inclusive de Gabriel está agendada para o dia 25 de julho.  

O advogado André Alcântara, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, analisou os casos a pedido da Ponte, para ele a investigação é precária. “Um delegado que faz uma investigação mal feita, precária, buscando culpar alguém, gera uma consequência à pessoa que é o gasto com o processo criminal, as tormentas na vida dela, inclusive a prisão.”

Ainda sobre as investigações, ele questiona: “De onde vem essa informação privilegiada?”. André lembra que Ivan tem o direito de saber como se deu essa investigação e como chegaram ao nome dele. “A pessoa tem um direito constitucional de saber quem está lhe acusando e os motivos disso. Ele tem direito constitucional de saber de onde vem essa informação privilegiada. Até pra saber a fonte contestar.”

Além dos defeitos na investigação policial, o advogado aponta falhas no trabalho no MP-SP. “Os promotores tinham que fazer o controle da atividade policial. Se tiver alguma irregularidade tem que investigar isso, tem que anular os procedimentos feitos, principalmente quando prejudica as pessoas. Foi o que não foi feito aqui. O promotor simplesmente bateu carimbão pelo que a delegacia fez e mandou para frente.”

Nesse sentido, segundo ele, caberia até ao acusado fazer uma representação contra os promotores do caso. “Ele pode representar contra o promotor que não se preocupou em ter esse mínimo de cuidado com a atuação policial.”

Vizinhos e família se manifestam

A prisão de Ivan provocou revolta nos moradores de Embu das Artes que na tarde deste domingo (17/07) resolveram se manifestar e clamar por sua liberdade. Cerca de 30 pessoas entre lideranças de movimentos sociais e vizinhos de Ivan se uniram na Praça da Paz, em Embu das Artes, e pediram por justiça para o morador do bairro Jardim dos Moraes. O ato foi organizado pela Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e ocorreu pacificamente até as 16h. 

O protesto desde domingo (17/07) ocorreu na cidade de Embu das Artes, cerca de 30 pessoas compareceram. | Foto: Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio

Maria Edijane Alves, 40 anos, assistente social e articuladora da rede sul da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio ressalta que Ivan é conhecido nos movimentos culturais e principalmente de Saraus. “Trata-se de mais um caso forjado pelo Estado numa prisão ilegal. Tivemos acesso ao processo onde constatamos várias condições absurdas que não justificam a prisão do Ivan assim como não legitimam sua culpa.”

Muito querido no bairro, Ivan é conhecido como um homem trabalhador e líder em Embu das Artes, ele está envolvido com diversos trabalhos comunitários ajudando em alguns projetos, um deles promovido pela CUFA (Central Única das Favelas) entregando cestas básicas e fraldas, diz a esposa. “O Ivan é um homem do bem, um bom esposo, desde março de 2021 estava trabalhando na UBS, tem um ótimo relacionamento com os colegas de trabalho e com a população atendida na UBS.”

Como trabalhou muitos anos no ramo dos eventos como garçom, sempre que recebia uma proposta de evento e não podia ir ligava para um amigo que estivesse precisando e arrumava um trabalho, disse Heidi. “Sempre que podia ajudava alguém, sempre atento às necessidades dos conhecidos e amigos.”

Ivan cresceu no bairro Jardim dos Moraes no Embu e diante do ocorrido os próprios vizinhos se mobilizaram para ajudar a provar a inocência do ajudante. “Fizemos um abaixo assinado e todos assinaram sem pensar duas vezes. Todos diziam ‘não é possível, um cara de bem, tá trabalhando, casou, que injustiça’”.

Ivan também atuava com doações de alimentos e artigos de higiene em Embu das Artes. | Foto: Arquivo Pessoal.

Tendo em vista tudo o que vem acontecendo, Heidi alega que não acredita mais na justiça. “Gostaria muito de ver a justiça realmente sendo feita, para que outros casos como esse não aconteçam mais, para que outras famílias não precisem passar pelo que estamos passando, vivendo um pesadelo diário. Chega de tantas falhas, chega de tantos opressores no poder, chega de dor e sofrimento, chega de injustiça!.

Outro lado

Em nota o Tribunal de Justiça de SP afirmou que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional veda a manifestação de magistrados “sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”.

Ajude a Ponte!

Procurados, os promotores Marcello de Salles Penteado e Angélica Luiza Rossi da Costa, do MPSP informaram que: “tanto o reconhecimento fotográfico inicial como o posterior reconhecimento pessoal foram feitos com a apresentação do investigado junto a outras pessoas, conforme imagens juntadas ao relatório de investigação, no primeiro caso; e auto de reconhecimento, no segundo, de acordo com o art. 226 do CPP.”

Eles informaram ainda que: “informações privilegiadas são normalmente fornecidas por informantes ou denunciantes anônimos das comunidades em que residem as pessoas denunciadas, e que por isso não querem se identificar, por medo de represálias. Por isso, essas informações devem ser objeto de confirmação por outras diligências, no caso o reconhecimento do investigado, tanto por foto como pessoalmente.”

De acordo com eles “essas provas ainda se sujeitam à confirmação no processo durante a instrução, em andamento.”

Procurada por meio da assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública do Governo do Estado de São Paulo, a Polícia Civil não respondeu como se deram os reconhecimentos em ambos os casos de roubo e nem qual a origem da informação privilegiada.

https://ponte.org/lider-comunitario-preso-desde-fevereiro-por-crimes-ocorridos-enquanto-estava-a-30-km-do-local/

Justiça absolve PM que matou adolescente que saiu para comprar bolacha no ABC Paulista

 Jurados entenderam que cabo Alécio José de Souza assumiu risco ao disparar contra Luan Gabriel, 14, mas atuou em legítima defesa; menino foi morto em 2017

Maria Medina, mãe de Luan, acompanhada de familiares, amigos e do Movimento Mães em Luto da Zona Leste em frente ao Fórum de Santo André, no ABC Paulista, para o julgamento do caso | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Há quase cinco anos, a cozinheira Maria Medina Costa Ribeiro conta que não comemora mais Natal ou Ano Novo, mas não esperava que no dia em que completasse seu aniversário de 48 anos veria que o PM que matou seu filho seria absolvido. “Não existe lei, não é justo, meu filho foi morto com um tiro na nuca!”, gritou desesperada ao ser amparada por parentes. Os servidores do Fórum de Santo André retiraram a reportagem e o público do local para acolher a mãe, que estava inconformada e questionava, chorando, “isso é Justiça?”.

Após dois dias de julgamento, nesta quarta-feira (27/7), os jurados entenderam que o cabo Alécio José de Souza, 43, atuou em legítima defesa. O estudante Luan Gabriel Nogueira de Souza, 14, foi baleado com um tiro na nuca quando saiu de casa com um amigo para comprar um pacote de bolachas no bairro Parque João Ramalho, na periferia de Santo André, no ABC Paulista, em 5 de novembro de 2017. A promotoria informou que vai avaliar se recorre ou não da sentença.

Os advogados Flávia Artilheiro e Richard Noguera, que fizeram a defesa de Alécio, exploraram a presença ou não de antecedentes criminais de testemunhas e familiares da vítima. Fotos de Luan com irmão mais velho, Lucas Nogueira, 27, na garupa de moto ou empinando o veículo foram anexadas pela defesa ao processo. “O que essas fotos têm a ver com o tiro que o Luan levou na nuca? A gente está falando da morte do Luan ou do passado do meu outro filho?”, questionava, indignada, a cozinheira. “Colocaram fotos do meu filho de moto, o que não significa nada, mas por que não colocaram ele dando grau de bicicleta ou brincando?”.

“O que fizeram durante todo esse processo foi demonizar essa criança, tentaram colocar ele como um bandido”, sustentou a promotora Manuela Schreiber Silva e Sousa.

Sentença de absolvição com base nos votos dos jurados assinada pela juíza Milena Dias | Foto: reprodução

Em determinado momento durante o depoimento de uma das testemunhas, que na época do crime tinha 16 anos, a advogada leu o boletim de ocorrência e identificou o jovem em um ato infracional de tentativa de roubo de moto que aconteceu mais de um ano após a morte de Luan. Nessa ocasião, outra testemunha, Rodrigo Nascimento, 16, foi morto por um policial militar. Esse e outros boletins de ocorrência que não tinham relação com crime também foram juntados pela defesa.

A pedido do Ministério Público, a juíza Milena Dias interveio e disse que a advogada não poderia ler fatos sobre a vida progressa do jovem quando era menor de idade, em virtude do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A promotora argumentou que Alécio não atuou em legítima defesa porque agiu de forma imprudente ao disparar contra um grupo de pessoas sem alvo definido e que ele deveria ter aguardado reforço antes de tentar a abordagem. “A polícia não pode aumentar o risco que todos nós já estamos submetidos. A viela é uma via pública que qualquer pessoa pode passar e, se não fosse o Luan, qualquer outro morador poderia ser atingido, para pegar uma moto velha que nem se sabia direito de onde vinha. O Alécio produziu um risco inaceitável, criminoso, porque não é assim que tem chegar em uma viela. Se fosse nos Jardins ou no Campestre [bairros ricos], a polícia não chegaria assim”, criticou.

O cabo disse que se manteria em silêncio se o Ministério Público fizesse perguntas e só respondeu a questionamentos da magistrada e dos advogados de defesa. Ele reiterou a versão de que deu voz de comando para que os adolescentes levantassem as mãos e que foi recebido a tiros. “Tenho filhos, um deles tinha idade próxima [do Luan] na época. Sinto muito, mas não tive intenção de causar a morte do garoto. Sinto muito pela dor que foi causada. Eu não saí de casa para matar”, declarou.

A defesa repudiou o argumento de que estaria fazendo “criminalização da pobreza”. “A apresentação sobre a vida pregressa dos envolvidos era para verificar se aquele local poderia ter confronto, para saber se na viela ocorriam práticas criminosas, como ficou comprovado com a coleta dos eppendorfs de cocaína [que foram achados em um dos muros durante a reconstituição], não para fazer criminalização da pobreza porque eu também vim da periferia, sou filha de gari”, disse Flávia Artilheiro.

Ela também argumentou que o policial não pediu reforço porque havia duas viaturas a caminho. O outro advogado, Ricardo Noguera, complementou que “foram os meninos que foram colocados em risco” a partir da descrição feita por Alécio de que um suspeito armado havia atirado contra a polícia e que estaria junto do grupo de adolescentes. “Eles fizeram a escolha de passar por aquela viela que era um ambiente hostil”, disse.

Entenda o caso

O cabo Alécio José de Souza foi denunciado por homicídio qualificado por recurso que dificultou a defesa da vítima, em 2018, e pronunciado ao Tribunal do Júri no ano seguinte. Porém, como a defesa do acusado tentou recorrer o máximo que pode para que ele não fosse julgado por um Conselho de Sentença (conjunto de sete pessoas da sociedade civil que formam um júri popular), o julgamento só foi agendado para 2022, quando a sentença de pronúncia transitou em julgado no ano passado, ou seja, não tinha mais possibilidade de que o júri não acontecesse. A previsão era de ocorresse em março, mas foi adiado para julho porque um dos policiais testemunhas, e parceiro de Alécio na ocorrência, estava trabalhando no Fórum de Santo André e a promotoria entendeu que ele poderia vir a ter contato com jurados, o que foi acatado pela juíza Milena Dias.

Na denúncia, o Ministério Público entendeu que Alécio “assumiu o risco da produção do resultado morte, ao atirar sem ter alvo definido, contra um grupo de pessoas, sem aguardar a chegada do reforço policial para realizar a abordagem” e que, por ter sido um tiro na nuca, pelas costas, não houve a possibilidade de o adolescente se defender. O entendimento foi diferente do relatório da Polícia Civil na época, no qual o delegado Georges Amauri Lopes, do 2º DP, indiciou o PM por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) por entender que Alécio acertou “por erro” o estudante durante abordagem em suposto confronto, quando ele e o cabo Adilson Antônio Senna de Oliveira foram atender um chamado sobre uma moto furtada que estaria sendo desmontada por um grupo de jovens na Rua Paraúna. No julgamento, o delegado, ao ser questionado pela promotora, disse que só indiciou Alécio “para prestar contas para sociedade”, mas que acreditava que ele atuou em legítima defesa.

Ação dos cabos Alécio José de Souza e Adilson Antônio Senna de Oliveira terminou com a morte de Luan Gabriel Nogueira de Souza | Foto: arquivo pessoal

Os policiais declararam que haviam sido acionados para verificar suspeitos do furto de uma moto ocorrido no pátio de apreensão de veículos da Prefeitura de Santo André, na Avenida Dr. Jorge Marcos de Oliveira, naquele mesmo dia. Segundo a dupla, ao entrarem na viela da Rua Paraúna, além de Luan e o amigo também adolescente, outros “suspeitos” estariam no local desmontando o veículo furtado e, ao serem notados, teriam fugido correndo. Os policiais não especificaram quantos eram. Na fuga, os PMs alegam que um deles, descrito como de cor parda, 1,70 m de altura, magro, aparentando 20 anos e de bermuda, empunhava um revólver calibre 38 e disparou. Alécio alegou ter revidado com três tiros. Esse suspeito nunca foi encontrado.

Luan Gabriel caiu atingido por um tiro na nuca e não resistiu. Nenhuma arma foi localizada. Familiares e testemunhas disseram que o menino saiu de casa para comprar bolacha em um mercadinho com um amigo antes do almoço e pararam na viela para conversar com outros que haviam encontrado no caminho. Além disso, uma testemunha ouvida pela Ponte relatou na ocasião que os policiais ainda teriam mexido no corpo do menino, já que ele teria caído de barriga para baixo quando tentou correr dos tiros. Já os policiais disseram que só tocaram no corpo para averiguar a presença de arma, que não foi encontrada. No local, o corpo de Luan estava de barriga para cima, como se tivesse de frente para os PMs, conforme laudos da Polícia Científica. A perícia também comprovou que o tiro que acertou o menino partiu do cabo Alécio e apontou a possibilidade de confronto porque um muro tinha vestígios semelhantes a disparo de arma de fogo.

Uma dessas testemunhas, aliás, que faria parte do julgamento não pode mais dar sua versão. Rodrigo Nascimento de Santana, 16, foi morto por um policial militar à paisana na região um ano depois da morte de Luan. Ele e outro adolescente teriam roubado uma moto no cruzamento da Avenida Sorocaba quando foram baleados pelo soldado Antonio Noronha Barboza durante a fuga, que alegou ter sido ameaçado pela dupla. O caso acabou arquivado pela Polícia Civil. Rodrigo chegou a denunciar em 2017 ameaças por policiais. O jovem relatou ter presenciado tanto os disparos feitos por Alécio quanto a ameaça ao outro rapaz. Segundo ele, após balear Luan, o PM disse “derrubei mais um” e gritado para que “alguém chamasse o Samu”. Depois, afirma que viu o amigo ser “pego pelo colarinho” pelo cabo Adilson Antônio.

Alécio permaneceu dois meses e cinco dias preso preventivamente, entre 14 de agosto de 2018 e 19 de outubro, quando lhe foi concedido um habeas corpus e passou a responder o crime em liberdade. Também foi transferido de batalhão, deixando Santo André para atuar em Campinas, no interior paulista. Ele alegou que tinha sido ameaçado e pediu transferência.

Ajude a Ponte!

Além da Polícia Civil, os cabos também foram investigados pela própria PM. Segundo o relatório, obtido pela Ponte, a dupla não atendeu os Procedimentos Operacionais Padrão de atendimento da ocorrência de abordagem a pé. Por ser um grupo de seis pessoas a ser abordado, o texto aponta que os policiais deveriam ter aguardado reforço antes de agir por estarem em inferioridade numérica. O Conselho de Disciplina da PM entendeu que Alécio praticou transgressão disciplinar, mas “há perfeitas condições do acusado permanecer na Corporação, restando a todos convicção de ser moralmente capacitado a permanecer nas fileiras da Instituição, não incorrendo em nenhum dos casos de reforma administrativa disciplinar, demissão ou expulsão”. O colegiado propôs a aplicação de sanção não exclusória, que é quando se entende que não cabe a perda da patente, podendo ser uma repreensão ou advertência.

Reportagem atualizada às 17h05, de 28/07/2022, para incluir documento da sentença.

https://ponte.org/justica-absolve-pm-que-matou-adolescente-que-saiu-para-comprar-bolacha-no-abc-paulista/

Nilton morreu dentro da prisão à espera de soltura após cumprir 30 anos de pena

Certidão de óbito afirma que causa da morte foi asfixia por enforcamento. Família tem dúvidas sobre a versão dada pela direção da penitenciária de Avaré que preso teria cometido suicídio

Nilton Carlos Alves Barreira morreu após passar 30 anos dentro do sistema penitenciário paulista | Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal

Nilton Carlos Alves Barreira morreu à espera da Justiça. Pouco mais de um mês após completar 30 anos dentro do sistema carcerário, o tempo máximo que uma pessoa por lei pode ficar privada de liberdade no Brasil, ele morreu dentro da Penitenciária de Avaré, no interior do estado de São Paulo. Consta em seu atestado de óbito que o motivo da morte foi asfixia provocada por enforcamento. A Secretaria de Administração Penitenciária garante que o custodiado tirou a própria vida. A viúva põe em xeque esta versão.

“Fui informada pela direção do presídio que meu marido se enforcou pendurando a calça ao pescoço. Isso não faz sentido porque o único lugar onde ele poderia se amarrar seria na janela da cela, que em Avaré são bem baixas, batendo na altura do peito. Outra coisa que eu me questiono é o porquê ele faria isso estando prestes a ser solto a qualquer momento”, indaga Ana Paula Rodrigues dos Santos, de 53 anos, viúva de Nilton que conheceu o marido ainda na adolescência e passou três décadas visitando-o na prisão.

“Me falam que quando ele foi preso eu fui junto. Porque em todos esses anos eu nunca deixei de ir a um dia de visitas. Enquanto minha família passava Natal, Páscoa e outros feriados juntos, eu estava com ele em alguma cadeia do estado. Posso dizer que minha vida se resumia a visitá-lo aos finais de semana, e quando chegava segunda-feira, começar a comprar as coisas para ele e me preparar para a próxima visita”, analisa Ana Paula.

Ela, junto com os dois filhos, um de 25 e outro de 23 anos, aguardavam ansiosos a libertação de Nilton e faziam planos para os dias que finalmente o pai e marido estivesse em casa. “Como nossos filhos estão grandes, a gente falava que iria aproveitar esse tempo para viajar e fazermos coisas que sempre sonhamos, mas infelizmente não foi possível”.

Ana Paula afirma que além da dor da perda do homem com quem esteve junto por mais da metade da vida, carrega um sentimento que a atordoa: a dúvida. “Eu não consigo acreditar que ele pudesse fazer isso que estão falando. Por que ele se mataria agora, depois de 30 anos presos e prestes a sair. Por outro lado, me pego pensando que, se realmente ele fez isso, foi muita covardia da parte dele, porque a gente esperou muito por esse momento e não seria justo ser tão egoísta e não pensar na gente, na nossa família”.

Filho barrado e falta de autópsia

As incertezas sobre a morte do marido rondam os pensamentos de Ana Paula por conta de episódios ocorridos nos dias que antecederam o falecimento. Ela relembra que o marido tinha problemas de insônia e que com a falta de uma resposta clara da justiça sobre quando ele poderia deixar a prisão depois de cumprir sua pena, teria agravado as noites mal dormidas dentro da cela.

De acordo com a versão da viúva, Nilton passou mal durante uma das poucas horas de banho de sol que tinha dentro da penitenciária de Avaré por conta do forte calor que faz na região do presídio no mês de abril. Devido ao mal estar, o custodiado passou alguns dias dentro da enfermaria.

Na terça-feira, 12 de abril, Nilton mandou uma carta para o seu filho, à qual a Ponte teve acesso, pedindo para que o filho fosse o visitar e dando instruções do que levar de alimentos no dia da visita. “Estou te esperando, sábado, dia 16, pela manhã. Fala para mãe que está tudo bem comigo. Segunda passada falei com a dra. Paula. Ela disse que até junho estarei livre desse lugar”, escreveu Nilton.

No dia da visita, o filho mais velho do casal cruzou a primeira portaria da penitenciária de Avaré, após ser revistado. Passou por uma nova inspeção ficando por último na fila e quando pensou que iria entrar para encontrar o pai, foi informado por funcionários do presídio que não poderia entrar por uma solicitação do próprio Nilton, que teria dito que não queria ver o rapaz.

“Isso não faz nenhum sentido. Como ele não queria ver o meu filho se dias antes ele mandou uma mensagem dizendo que iria encontrá-lo? E as informações foram desencontradas. Meu filho disse que era porque ele não queria vê-lo e teve gente falou que era porque ele estava na enfermaria”, informa a viúva.

Na segunda-feira (18/4), Ana Paula recebeu uma ligação da direção da penitenciária de Avaré informando da morte do marido. Na certidão de óbito consta que Nilton Carlos Alves Barreira morreu no dia de 17 de abril, às 17h30. “Só fui ver meu marido na hora de reconhecer o corpo. Ele já estava na gaveta e tinha marcas roxas ao redor do pescoço”, relembra.

O que restou

A expectativa de Ana Paula e seus dois filhos era finalmente ter uma vida comum ao lado de Nilton, mas hoje têm que conviver com a frustração e a ausência. Trinta anos de uma família que nunca dividiu o mesmo teto traz marcas que deixam sequelas. O fim trágico de uma espera tão grande atingiu o emocional da viúva e dos rapazes.

“Eu estou tendo que fazer acompanhamento psicológico e vou começar a tomar remédios. Eu não choro na frente dos meninos para não abalar ainda mais eles, mas é uma dor muito forte que eu não estou suportando. Um dos meus filhos sempre foi mais na dele e está super retraído e outro tenta esconder, querendo mostrar que está bem, mas não está”, desabafa Ana Paula aos prantos.

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A família lamenta que até hoje os filhos não tenham nenhuma foto ao lado do pai. Buscam esperança de dias melhores na chegada do primeiro neto de Ana Paula , mas mesmo assim a chegada da criança remete ao marido falecido. “Ele estava muito empolgado com a notícia de que iria ser avô. Era tudo que ele mais queria. Coincidentemente soubemos da notícia que meu filho iria ser pai no dia 11 de março, que foi o dia que ele completou 30 anos dentro da cadeia e era para ter saído.”

Outro lado

Ponte procurou a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Secretaria de Administração Penitenciária e o Tribunal de Justiça de São Paulo pedindo um posicionamento dos órgãos sobre a morte de Nilton Carlos Alves Barreira, mas até a publicação desta matéria não recebeu nenhuma resposta.

https://ponte.org/nilton-morreu-dentro-da-prisao-a-espera-de-soltura-apos-cumprir-30-anos-de-pena/