Mensagens reveladas pelo portal UOL mostram temor de Mauro Cid sobre depósitos em dinheiro, que poderiam ser comparados às 'rachadinhas' de Flávio Bolsonaro
Conversas interceptadas pela Polícia Federal (PF) revelaram trocas de mensagens entre o ex-ajudante de ordens da Presidência de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, e duas assessoras de Michelle Bolsonaro que apontam a existência de uma orientação para o pagamento em dinheiro em espécie das despesas da ex-primeira-dama.
De acordo com a transcrição dos áudios de WhatsApp que constam na intercepção obtida pelo portal UOL, Cid demonstrava preocupação de que o mecanismo fosse descoberto.
Para ele, os gastos em dinheiro vivo poderiam vir à tona e serem interpretados como um esquema de rachadinha, a exemplo da investigação envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no Ministério Público do Rio de Janeiro quando deputado estadual.
"É a mesma coisa do Flávio", disse Cid, preso no último dia 3 por suspeitas de fraude em cartões de vacinação, sobre os desembolsos em espécie, em áudio para a assessora Giselle dos Santos Carneiro, que trabalhava com a ex-primeira-dama.
Ainda há suspeitas de que Cid tenha usado verba pública do Palácio do Planalto para os pagamentos “de maneira ilegal”, com “saques em espécie” e depósitos em dinheiro vivo feitos “de maneira fracionada”, uma maneira de dificultar a origem das quantias. Veja, abaixo, tudo o que já se sabe sobre o caso envolvendo a ex-primeira dama.
Gastos no cartão
A PF apurou que Michelle usava um cartão de crédito vinculado à conta de Rosimary Cardoso Cordeiro, assessora parlamentar no Senado e amiga de longa data da ex-primeira-dama — ambas trabalharam como assessoras de deputados na Câmara. Cid pagava a fatura do cartão em dinheiro vivo, em uma agência do Banco do Brasil dentro do Palácio do Planalto.
Nos áudios, as assessoras de Michelle, Cintia Borba Nogueira e Giselle dos Santos Carneiro da Silva, conversam com Cid sobre o pagamento das despesas. As duas afirmam que tentam convencê-la a parar de usar o cartão de crédito da amiga.
Giselle conta a Mauro Cid ter conversado com uma pessoa próxima a Michelle — Adriana —, e que a ex-primeira-dama ficou "pensativa", mas que continuaria a usar o cartão de Rosimary. Mauro Cid responde o áudio de Giselle e cita o nome de Flávio Bolsonaro: "Giselle, mas ainda não é o ideal isso não tá? (o uso do cartão de Rosimary). O Cordeiro conversou com ela (Michelle), tá, também. E ela ficou com a pulga atrás da orelha mesmo: tá, é? É. É a mesma coisa do Flávio. O problema não é quando! É como deputado, rachadinha, essas coisas", respondeu.
Suspeita de dinheiro público
Como publicou a colunista do Globo Bela Megale, a PF identificou indícios de que Mauro Cid teria usado verba pública do Palácio do Planalto “de maneira ilegal”, com “saques em espécie” e depósitos em dinheiro vivo feitos “de maneira fracionada”, o que configuraria uma possível prática de “rachadinha”.
“Ressalta, porém, que dos dados analisados, é possível identificar indícios do ‘uso do suprimento de maneira ilegal com saques em espécie dos recursos e depósitos em espécie, de maneira fracionada, fato que dificulta a identificação dos responsáveis pelas transferências’, não havendo evidência de que as pessoas beneficiárias dos pagamentos possuem relação com a Presidência da República que justifique tais recebimentos de recursos possivelmente públicos”, diz o relatório policial.
Transferências bancárias
A troca de áudios demonstra também que o esquema evitava transferências bancárias e efetuava pagamentos sempre em espécie. Em um áudio de Giselle a uma pessoa identificada como Vanderlei, a assessora comenta sobre a necessidade de fazer os pagamentos "em depósito":
"Boa noite, Vand e Cintía. PD (Primeira-dama) falou, eu perguntei para ela se ela queria transferir Pix, né? Tanto para Bia. Daí, ela falou: não, vamos fazer agora tudo depósito, que, aí pede pro Vanderlei fazer o depósito, a gente consegue o dinheiro e faz o depósito. Só que ela não falou como conseguiu o dinheiro, se o dinheiro está com ela, se a gente pega na AJO. Não falou, tá? Ela falou que assim não fica registrado nada, vamos fazer depósito. Então a gente tem que começar a ter esse hábito do depósito, então né?", disse Giselle.
"Caixa paralelo"
Em janeiro, reportagem do portal Metrópoles já apontava o ex-ajudante como o responsável por pagar as contas do clã presidencial em dinheiro vivo, e a tentativa de apurar se Cid operava uma espécie de “caixa paralelo” por meio de saques de recursos dos cartões corporativos. À época, o esquema foi negado por Bolsonaro.
PGR defendeu descartar áudios
A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, defendeu descartar áudios e quebras de sigilo bancário na investigação que apura pagamentos em espécie de despesas de Michelle. Na manifestação, Lindôra ainda solicitou ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a retirada desse material compartilhado com outros dois inquéritos e o arquivamento do caso.
Essas provas foram coletadas pela Polícia Federal com autorização judicial para apurar se houve irregularidades nas transações realizadas por ajudantes de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Lindôra é braço-direito do procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado para a função por Bolsonaro, e é tida como uma das integrantes da PGR mais alinhadas ao ex-presidente.
Boletos do irmão
De acordo com reportagem do portal UOL, a PF aponta que a hipótese de desvios de recursos da Presidência foi reforçada com a identificação de pagamentos de boletos para um irmão da ex-primeira-dama. Em 1º de setembro de 2021, uma das assessoras envia a Cid um boleto do plano de saúde do irmão de Michelle.
O ajudante de ordens realizou o pagamento com recursos da conta bancária de Jair Bolsonaro. No fim daquele mesmo mês, entretanto, a assessora de Michelle novamente pediu o pagamento do boleto do plano de saúde do irmão, mas desta vez Cid respondeu, segundo UOL, com irritação e disse que aquela despesa não poderia ser feita pela Ajudância de Ordens.
Defesa
Em resposta ao portal Uol, a defesa de Mauro Cid disse que só vai se manifestar sobre o caso nos autos do processo. Fabio Wajngarten, que tem respondido sobre casos envolvendo Bolsonaro nas últimas semanas, rebateu a publicação afirmando que "os pagamentos de fornecedores informais, pequenos prestadores de serviços, eram feitos em dinheiro a fim de proteger dados do presidente".
"Seria bom e justo incluir na matéria os valores encontrados. Seria bom também a matéria dizer como dados não relacionados ao que resultou na quebra telemática dos envolvidos foram publicitados. Não há nada de ilegal nas transações efetuadas", pontuou Wajngarten.
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