segunda-feira, 25 de março de 2019

Reporte direto do manicômio

Donald Trump, na Igreja Episcopal de San Juan, em Washington, acompanhado de sua esposa, Melania (AFP)

Reporte direto do manicômio

Em 773 dias na Casa Branca, Trump já fez mais de 9 mil afirmações falsas ou enganosas



Por David Brooks, para o La Jornada
Os correspondentes e jornalistas nos Estados Unidos dedicados a cobrir o regime de Trump estão sujeitos à tarefa de ter que reportar as notícias direto do manicômio, com internos que falam e operam como se tudo fosse normal, e a resposta de quase todos os governos e cúpulas ao redor do mundo também esperam eu não esteja acontecendo nada de estranho por aqui (embora todos, em privado, digam o óbvio).

Para muitos de nós, como jornalistas, o dilema é o de reportar todo como fazíamos antes da chegada do bufão perigoso, e com isso outorgar credibilidade e “normalidade” ao rei do manicômio e seus cúmplices, só porque representam o poder político desta última superpotência, ou dizer as coisas como elas são, por mais malucas que sejam.

Fugi durante um tempinho desse sanatório para oferecer só alguns exemplos do que acontece aqui dentro:

Neste fim de semana Trump criticou uma vez mais o Saturday Night Live, o antigo programa de comédia e sátira, e insinuou uma ameaça de ação federal contra a produção, indicando que as agências eleitorais e de comunicações deveriam investigar o show. Pior ainda, o episódio em questão foi uma repetição do originalmente transmitido ao vivo em dezembro.

Não é a primeira vez que este presidente decide que os comediantes são seus inimigos.

Trump, numa entrevista ao sítio web ultradireitista Breitbart News, ameaçou reprimir violentamente seus opositores ao comentar que tem o apoio da polícia, dos militares e do grupo Bikers for Trump (clubes de motociclistas), que poderiam ser “muito maus” se tivessem que entrar em ação contra os seus críticos.

Também decidiu renovar ataques contra o venerado senador republicano John McCain, que faleceu em agosto do ano passado, por entregar ao FBI os materiais relacionados à influência russa nas eleições, acusando que “ele tinha `manchas´ muito mais graves” em seu histórico, e que que era o último da sua geração em qualificações na Academia Naval.

No mês passado, Robert Kraft, amigo do presidente e dono da equipe de futebol americano New England Patriots, campeões do último Super Bowl, foi preso junto com vários executivos, numa investigação federal de prostituição e tráfico de mulheres, depois de ser flagrado usando os serviços de um spa na Flórida. A fundadora da rede de spas envolvida é uma empresária chinesa chamada Cindy Yang. Apesar de que aparentemente já não é mais a dona, e não é acusada neste caso, se revelou uma série de outros negócios que ela possui e que ofereciam “acesso” ao mundo de Trump. Aliás, uma foto dela com o presidente assistindo o Super Bowl circula nas redes sociais.

O regime de Trump anunciou, na sexta-feira passada (15/3), que proibirá a entrada nos Estados Unidos de representantes da Corte Penal Internacional, caso tentem investigar os Estados Unidos por violações aos direitos humanos nas guerras do Afeganistão e outras. A União Estadunidense de Liberdades Civis (ACLU, por sua sigla em inglês) denunciou essa ameaça “sem precedentes” de evitar a “prestação de contas” por crimes de guerra, e comentou que isso “cheira as práticas totalitárias que caracterizam os piores abusadores de direitos humanos”.

Quando Trump foi ao Alabama, há uma semana, para visitar as comunidades devastadas por tornados, visitou uma igreja onde, em um momento, começou a assinar bíblias como se fosse o autor.

Um de cada quatro eleitores acreditam que Deus quis que Trump ganhasse a eleição em 2016, segundo uma recente pesquisa da Fox News.

Estas são só algumas das notícias do manicômio. E não falta material para isso. A simples tarefa de navegar entre as mentiras e enganos é cansativa. Em 773 dias na Casa Branca, Trump já fez mais de 9 mil afirmações falsas ou enganosas, segundo reporta o The Washington Post.

É como aquela piada: dois internos estão em um manicômio e um deles diz ao outro: “eu sou o rei”; e o outro pergunta: “quem disse?”; o primeiro responde: “Deus”; mas, do outro quarto, alguém grita: “eu nunca disse isso”.

Bom, já estão fechando os portões do manicômio, e dizem que tenho que voltar ou ficarei do lado de fora. Qual é a decisão correta para os que têm que reportar tudo isso?

*Publicado originalmente em lajornada.com.mx | Tradução de Victor Farinelli

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