Polícia Civil e Ministério Público tinham pedido prisão preventiva de Fernando Sastre de Andrade Filho por crimes. Empresário assumiu risco de matar e ferir ao guiar em alta velocidade, segundo denúncia. Com decisão, ele responderá a processo em liberdade.
Por Kleber Tomaz, Lucas Jozino, g1 SP e TV Globo — São Paulo
Vídeo mostra o que disse o motorista do Porsche após provocar acidente com morte em SP — Foto: Reprodução
A Justiça negou nesta terça-feira (30) o terceiro pedido de prisão feito pela Polícia Civil e pelo Ministério Público (MP) contra o motorista de Porsche que causou um acidente de trânsito que deixou um morto e um ferido, no mês passado, na Zona Leste de São Paulo.
Apesar disso, o juiz Roberto Zanichelli Cintra, da 1ª Vara do Júri, aceitou a denúncia do MP e tornou o empresário Fernando Sastre de Andrade Filho, condutor do carro de luxo, réu por homicídio doloso qualificado e lesão corporal gravíssima, ambos na modalidade por dolo eventual, que é, respectivamente, assumir o risco de matar e ferir.
Segundo o magistrado, o pedido de prisão preventiva foi negado porque não estava amparado por provas e se baseava por "presunções e temores abstratos".
Com essa decisão, Fernando responderá aos crimes em liberdade. Caberá ao magistrado marcar futuramente uma audiência de instrução para ouvir as testemunhas do caso e interrogar o acusado. Depois dessa etapa do processo, o juiz poderá pronunciar o réu, ou seja, submetê-lo a júri popular para ser julgado. Se for condenado, a pena dele poderá chegar a mais de 20 anos de prisão.
O empresário Fernando Sastre, que matou o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, durante acidente de trânsito na Avenida Salim Farah Maluf, na Zona Leste de SP. — Foto: Montagem/g1/Reprodução
O 30º Distrito Policial (DP), no Tatuapé, e a Promotoria queriam, no entanto, que a Justiça decretasse antes a prisão preventiva do empresário para que ele ficasse detido até o seu eventual julgamento. O entendimento da investigação e do MP é de Fernando assumiu o risco de matar o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana e de ferir gravemente o estudante de medicina Marcus Vinicius Machado Rocha .
Segundo a acusação, ele dirigir em alta velocidade, de acordo com a perícia, e embriagado, pelo relato de testemunhas.
Ornaldo dirigia o Sandero atingido na traseira pelo Porsche guiado por Fernando. Ele chegou a ser socorrido, mas morreu no hospital.
Marcus é amigo do motorista do carro de luxo, e estava no banco do passageiro do veículo no momento do acidente. Ele quebrou quatro costelas, ficou dez dias internado num hospital, onde foi operado para retirada do baço e colocação de drenos nos pulmões. O amigo já teve alta.
A batida ocorreu em 31 de março deste ano na Avenida Salim Farah Maluf, no Tatuapé, Zona Leste, e foi gravada por câmeras de segurança (veja vídeo abaixo).
As imagens mostram o Porsche transitando a 156,4 km/h e batendo na traseira de um Sandero a 114,8 km/h, segundo a Polícia Técnico-Científica. O limite para a via é de 50 km/h e Ornaldo dirigia em velocidade compatível.
Além disso, testemunhas contaram à Polícia Civil que Fernando havia tomado bebidas alcoólicas momentos antes de dirigir. Quando foi interrogado pela polícia, ele negou ter bebido.
Os outros dois pedidos anteriores de detenções contra Fernando que acabaram negados pela Justiça foram de prisões temporária e preventiva.
A promotora Monique Ratton, responsável pela denúncia do MP, entendia que a prisão de Fernando era necessária "para evitar que o denunciado, como já fez ao longo das investigações, influencie as testemunhas", segundo comunicado divulgado pelo MP em seu site oficial, por meio de sua assessoria de imprensa.
A reportagem apurou ainda que, no entendimento da Promotoria, um dos motivos para prender Fernando é de que ele coagiu sua namorada a prestar depoimento em seu favor, negando que o empresário tenha bebido. E que isso é uma prova de que ele descumpriu uma das medidas cautelares impostas pela Justiça que é a de não se aproximar das testemunhas do caso.
Além disso, de acordo com a denúncia, a prisão tinha de ser decretada pela Justiça porque ficou evidente pelas imagens das câmeras corporais dos PMs que Fernando teve ajuda da mãe para convencer os agentes a o liberarem sem passar pelo bafômetro, o que poderia confirmar que ele bebeu e acarretar em sua detenção em flagrante. Prejudicando desse modo a investigação.
Fuga do acidente com a mãe
O motorista do Porsche Fernando Sastre se apresenta no 30°DP para depoimento. — Foto: Reprodução/TV Globo
Apesar disso, Fernando não foi acusado pelo Ministério Público de fugir do local do acidente, como a Polícia Civil sugeriu. Isso porque, no entendimento da promotora, o motorista do Porsche deixou o lugar com a autorização da Polícia Militar (PM), que atendeu a ocorrência. Por esse motivo, a Promotoria pede a Justiça o arquivamento dessa acusação feita pela investigação contra o empresário.
Os policiais militares dispensaram o empresário sem fazer o teste do bafômetro depois que a mãe dele, Daniela Cristina de Medeiros Andrade, os convenceu de que iria levar o filho por conta própria a um hospital. Ela alegou que o rapaz estava ferido na boca. Apesar disso, a mulher não o levou para nenhum atendimento médico.
Em seu relatório final, o 30º DP informou que Daniela ajudou Fernando na fuga, mas não indiciou a mãe pelo crime. O MP também não responsabilizou a mulher criminalmente.
Imagens das câmeras corporais de policiais militares ainda mostram um deles conversando com um bombeiro que prestou socorro confirmando que o empresário havia bebido. Apesar disso, os PMs dispensaram Fernando sem fazer o teste para saber se o motorista bebeu. Além disso, os agentes também não tinham o etilômetro, aparelho usado para fazer o bafômetro.
MP pede para investigar PMs
A Justiça também não concordou com o pedido do Ministério Público para enviar o inquérito da Polícia Civil à Promotoria da Justiça Militar para ela apurar se os policiais militares cometeram crime "por terem cedido ao pedido da genitora do denunciado de levá-lo ao hospital, quando deveriam tê-lo escoltado" até a delegacia.
A alegação do juiz é de que a Corregedoria da PM já apura a conduta dos agentes. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) chegou a divulgar nota confirmando que os PMs erraram na abordagem por terem liberado Fernando sem passar pelo bafômetro.
A Justiça já havia determinado antes que o empresário cumprisse medidas cautelares para não ser preso. Entre elas, pagar fiança de R$ 500 mil (para garantir futuros pagamentos de pedidos de indenizações à família de Ornaldo e a Marcus), além de suspender a carteira de motorista dele e obrigá-lo a entregar o passaporte na Polícia Federal (PF) e não se aproximar das testemunhas do caso. O Porsche custa mais de R$ 1,3 milhão.
Reconstituição
A Polícia Técnico-Científica espera concluir futuramente o laudo sobre a reconstituição do acidente. Na semana passada, peritos do Instituto de Criminalística (IC) foram ao local da batida e usaram drone e scanner laser 3D para pegar imagens que serão usadas numa animação. A reprodução simulada, nome técnico da reconstituição, será incluída no processo.
Procurada para comentar o assunto, a defesa de Fernando afirmou que sempre confiou na Justiça. "A decisão do magistrado é irretocável, pois a lei deve ser igual para todos, independente do carro que a pessoa possui. Todas as medidas impostas pela Justiça estão sendo cumpridas rigorosamente. No tocante ao mérito do processo, respeita a decisão de sigilo processual determinada pelo Juiz", declararam em nota os advogados Jonas Marzagão e Elizeu Soares de Camargo.
"Um sentimento de injustiça gigantesco dentro de mim", escreveu no início deste mês em seu Instagram, Luam Silva, filho do motorista por aplicativo Ornaldo, morto no acidente.
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