Com tentativa desastrada de golpe na Bolívia, bolsonaristas se dividem entre celebrar e dizer que golpe falso foi um plano da esquerda.
A TENTATIVA DE GOLPE fracassada na Bolívia deixou os bolsonaristas ouriçados. Assim que chegaram as primeiras notícias confirmando que o general Zuñiga havia cercado o palácio presidencial com tropas do exército, políticos e militantes bolsonaristas foram às redes sociais vomitar seu golpismo incubado.
As informações ainda eram prematuras, e até mesmo os analistas especializados em Bolívia e América Latina tentavam entender as razões da tentativa de golpe, mas os bolsonaristas, munidos das suas certezas absolutas, já tinham todas as respostas na ponta da língua.Como se sabe, a única coisa que importa são sus convicções, enquanto a lógica e os fatos são meros detalhes manipuláveis.
Movidos pela ânsia de relativizar a tentativa de golpe de 8 de janeiro, políticos bolsonaristas exaltaram os militares bolivianos que cercaram o palácio onde estava o presidente de esquerda Luis Arce.
Para os bolsominions, tratava-se de um golpe bem planejado pelos patriotas bolivianos, com tropas do exército e veículos blindados cercando o palácio e aplicando um xeque-mate no governo comunista.
Algo muito diferente daquela patota desorganizada que invadiu e destruiu os prédios dos Três Poderes, mas não conseguiu tomar o poder.
O que se viu foi uma confissão coletiva de que o 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe.
O general Zuñiga deu entrevistas na porta do palácio afirmando que soltaria “prisioneiros políticos”, incluindo a ex-presidente Jeanine Añez — condenada a 10 anos de cadeia por promover um golpe de estado que coagiu ex-presidente Evo Morales a renunciar e a colocou no poder.
Lembremos que Bolsonaro foi o primeiro presidente do mundo a reconhecer a golpista como presidente legítima.
Añez se autodeclarou presidente interina em uma sessão no Senado sem quórum, votação ou a presença do Movimento ao Socialismo, o Mas, de Evo Morales e Luis Arce, que possuía maioria parlamentar na casa.
Aos olhos dos golpistas brasileiros, os militares liderados por Zuñiga fizeram o que os militares brasileiros não tiveram coragem de fazer: cercar os prédios dos Três Poderes para prender Lula e os ministros do STF.
O que se viu a seguir foi uma confissão coletiva de que o 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe. Os mesmos que hoje dizem que o que aconteceu foi um mero ato de vandalismo praticados por velhinhos indignados, exaltaram a coragem dos militares golpistas bolivianos.
Ricardo Salles, por exemplo, escreveu no Twitter enquanto a tentativa de golpe estava em curso: “Em Bolívia las melancias tienes cojones”. A mensagem é cifrada para escamotear o golpismo, mas o significado é claro.
“Melancias” são o termo que bolsominions usam para tratar militares que eles acreditam estar alinhados ao comunismo — seriam verdes por fora e vermelhos por dentro. “Cojones” em português significa “culhões”, um sinônimo pejorativo para “testículos” que é usado de forma machista para denotar coragem.
Salles, o ex-ministro do Meio Ambiente que detesta o meio ambiente, é um golpista que finge odiar o golpismo, mas dessa vez não conseguiu disfarçar. Para ele, os militares brasileiros que fustigaram o golpe durante meses não tiveram a coragem dos bolivianos na hora do “vamuvê”.
Foi exatamente isso o que ele quis dizer com a frase cifrada, mas que, vejam só, não teve coragem para expressar isso com clareza.
Bia Kicis, que antes de virar deputada ficou famosa por liderar o Revoltados Online, um grupo direitista que lá por 2015 pregava abertamente a defesa de uma intervenção militar, comemorou a tentativa de golpe na Bolívia. “Graças a Deus!”.
Mas, ao perceber que o golpe fracassou e que as graças de Deus não seriam derramadas sobre os golpistas bolivianos, Bia Kicis deletou a comemoração e fingiu que nada aconteceu.
Em seguida, usou o episódio para relativizar o 8 de janeiro: “Golpe de estado na Bolívia? Se não tem velhinhas com a bíblia na mão, cabeleireiras armadas com batom, famílias cantando o hino nacional e rezando, não é golpe!”.
É com essa desfaçatez moral que Kicis transforma os criminosos que espancaram policiais, destruíram prédios públicos e tentaram explodir um caminhão cheio de bombas no aeroporto de Brasília em “velhinhas bom a bíblia na mão”.
O deputado Rogério Marinho não comemorou a tentativa de golpe na Bolívia, mas seguiu na mesma linha de relativizar o 8 de janeiro e mandou indiretas ao STF: “Bom, o STF e grande parte da imprensa brasileira entenderem a diferença de um golpe e uma baderna”.
Ciro Nogueira, Eduardo Bolsonaro e Sergio Moro foram mais espertos, aguardam o desenrolar dos fatos e apostaram em outra narrativa. Segundo insinuaram, tudo o que aconteceu seria uma grande armação da esquerda para se perpetuar no poder.
A militância golpista fez barulho nas redes sociais e abraçou as mais variadas teses delirantes.
Eles aderiram à estapafúrdia tese, alimentada por uma fala do general golpista Zuñiga, de que tudo seria uma armação da esquerda para se perpetuar no poder, um autogolpe de “mentirinha”.
Segundo Eduardo Bolsonaro, Zuñiga agiu a mando do próprio presidente Luis Arce com intuito de desmoralizar os militares para enfraquecer uma “eventual ação futura para de fato preservar a verdadeira democracia (vontade da maioria)” no país.
“Diante da baixa popularidade do presidente Arce o ‘golpe de mentirinha’ despertaria comoção em favor dele, vide que políticos isentões e até OEA de pronto já declararam seu apoio pela manutenção de Arce no poder. Opositores que se animaram achando se tratar realmente a deposição de Arce, estes estariam agora identificados”, disse o filho do ex-presidente Bolsonaro.
Ciro Nogueira foi menos claro, mas engrossou o delírio: “A perpetuação da esquerda na Bolívia é um dos dramas da América Latina. Dito isso, ódio e nojo a qualquer ditadura e viva a democracia. Sempre! Golpe contra a democracia jamais!”.
O senador Sergio Moro também insinuou que poderia ter havido um “autogolpe”: “Situação obscura na Bolívia, alguns sugerem auto golpe do atual mandatário. A ver. O recurso à força e à fraude deve ser condenado”.
A possibilidade de um autogolpe não encontra respaldo nos fatos. Não há um mísero indício de que isso seja verdade. Até a Jeanine Añez, a presidiária de estimação do bolsonarismo, não apelou para esse delírio e rechaçou a tentativa de golpe contra Arce.
Trata-se, portanto, de um delírio bolsonarista que foi alimentado pelo general golpista boliviano. Como bem manchetou o Sensacionalista, “Bolsonaro diz que general boliviano deve ser solto porque o golpe não se concretizou”.
Assim como os políticos bolsonaristas, a militância golpista fez barulho nas redes sociais e abraçou as mais variadas teses delirantes. Moldaram os fatos de acordo com suas convicções e os usaram para relativizar o 8 de janeiro.
Mas acabaram caindo do cavalo. Diferente do que aconteceu no Brasil, Luis Arce trocou imediatamente toda a cúpula militar, o general foi preso, a população saiu imediatamente às ruas e botou os golpistas pra correr.
Torço para que o Brasil siga o exemplo boliviano no trato com golpistas e que Jair Bolsonaro se torne a nossa Jeanine Añez. Que ele passe bons anos na cadeia escrevendo seus tweets delirantes.
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Reviravolta em denúncia de assédio na PRF surpreende servidoras
Inocentado, diretor processou supostas vítimas por danos morais; funcionárias do órgão fazem vaquinha para ajudar mulheres que fizeram a acusação
Mulheres da Superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Minas Gerais criaram uma vaquinha on-line, desde 16 de junho, para arrecadar dinheiro que arcaria com os custos de processos movidos contra outras quatro funcionárias e ex-funcionárias, que são alvo de um pedido de indenização por danos morais, movido por um policial e ex-chefe de Gabinete da Superintendência da PRF em Minas. Acusado de assédio moral e sexual por elas e outras duas mulheres, ele foi inocentado.
O policial foi alvo de um processo administrativo disciplinar (PAD) em 2018, arquivado em 2023 pelo corregedor-geral Vinicius Behrmann, que reconheceu a inocência do servidor acusado. Após o fim dessa tramitação, com duração de cinco anos, houve uma reviravolta: em maio deste ano, o policial entrou com pedido de indenização por danos morais contra quatro das seis mulheres que o denunciaram.
A defesa dele justifica que o pedido foi feito porque o PAD gerou “um dispendioso processo, além de vários transtornos, inclusive familiares, uma vez que colocou em risco sua vida matrimonial e a estabilidade financeira e familiar de sua esposa e filhos, manchando, notoriamente, sua honra". Izabella Cristina, advogada do então acusado, afirma que seu cliente foi vítima de calúnias e difamações.
De acordo com a advogada Ana Paula Silva, que representa duas das mulheres, para uma de suas clientes, que foi a primeira a denunciar o policial, o valor do pedido de indenização é de R$ 500 mil. Para as outras três, a quantia é de R$ 56.460. Diante dos custos envolvidos para responder ao processo, descrito na vaquinha como parte de “tamanha injustiça”, servidoras da PRF decidiram promover uma arrecadação coletiva.
“Algumas das mulheres que estão respondendo pelo processo por dano moral não têm condição de pagar advogado”, diz Ana Paula Silva, que avalia o resultado do PAD como incoerente, uma vez que as denúncias foram feitas por seis mulheres, em anos diferentes, e que exerciam funções distintas — duas policiais, duas servidoras administrativas, uma estagiária (menor de idade) e uma terceirizada.
Das quatro mulheres alvo da indenização, uma delas optou por não ser apoiada pelo dinheiro da arrecadação e custeará os gastos por conta própria.
Policial rodoviário federal, o marido de uma das mulheres afirma que “não é só responder a um processo, é reviver um trauma”. Em denúncia ao Ministério Público Federal (MPF), solicitou análise do PAD quanto a possíveis vícios, abusos, ilegalidades e indícios de ilícitos penais.
Além disso, ele fez uma denúncia junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), ouvidoria da mulher, pela anexação do PAD, que continha informações da identidade das mulheres, no processo de indenização de danos morais, de acesso público. Para ele, isso expôs e afetou “de maneira significativa a imagem e a honra de minha esposa, bem como das demais mulheres supostamente vítimas de assédio sexual e moral”.
Carta aberta
Além da vaquinha, mulheres da PRF escreveram uma carta aberta ao diretor-geral, ao corregedor, à coordenadora-geral de direitos humanos e ao superintendente da PRF em Minas para manifestar indignação e preocupação diante do resultado do processo. “É com grande consternação que observamos um cenário onde as vítimas de assédio, ao buscar justiça, frequentemente se veem em uma posição de vulnerabilidade ainda maior. Em vez de encontrar apoio e proteção, muitas de nós enfrentam processos jurídicos que se voltam contra as próprias vítimas, gerando um ambiente de medo e desamparo”, diz a carta, com mais de 500 assinaturas.
O policial diz que a carta aberta é uma ação muito importante e com uma dimensão de adesão sem precedentes. “Foram muito significativas as assinaturas porque, no ambiente policial, as pessoas têm medo de se manifestar e sofrer represália”, afirma. Foi ele quem trouxe o caso à tona em suas redes sociais após o pedido de indenização. “Imediatamente manifestei minha indignação. A iniciativa foi minha porque elas estão bem debilitadas, o quadro é de muito sofrimento.”
Na carta, as servidoras requisitaram medidas para proporcionar um sistema de apoio às mulheres, como divulgação dos canais de denúncia, capacitação de treinamentos regulares e realização de eventos sobre o tema, para que os agentes públicos saibam como identificar e reportar situações de assédio.
Em resposta, em 14 de junho, o diretor-executivo da PRF disse que “é compromisso da corporação estar alinhada às diretrizes governamentais e avançar na luta contra as desigualdades. Evidências disso são o patrocínio de contratações de especialistas no tema, a capacitação de gestores e servidores, bem como as ações de conscientização realizadas”.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata
https://www.em.com.br/gerais/2024/06/6887575-reviravolta-em-denuncia-de-assedio-na-prf-surpreende-servidoras.html
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