No último protesto contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), manifestantes incendiaram a estátua do bandeirante, em São Paulo
atualizado 30/07/2021 20:50
No último protesto contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), manifestantes incendiaram a estátua do bandeirante Manuel Borba Gato, localizado no bairro de Santo Amaro, zona sul de São Paulo. O sertanista foi um dos desbravadores do interior do país que capturaram e escravizaram indígenas e negros.
Mais de um ano antes do incêndio, já se falava na destruição da estátua. Em um publicação no Twitter, o historiador e escritor de 1808, 1822, 1889 e Escravidão, Laurentino Gomes, se dizia “contra” a consumação da ameaça. O assunto, na época, despertou polêmica nas redes sociais.
Atualmente, a historiografia brasileira tem reavaliado o papel dos bandeirantes. O assunto, inclusive, chegou à política. Alguns projetos de lei tentam proibir e retirar monumentos que homenageiam escravocratas. O assunto é discutido, por exemplo, na Câmara dos Vereadores de São Paulo e na Câmara dos Deputados, em Brasília.
No entanto, além de Borba Gato, outros monumentos que homenageiam figuras que tiveram papel na colonização do país e na morte, escravização e precarização da vida de indígenas e negros continuam espalhados pelo Brasil.
Veja:
1 – Duque de Caxias: Localizado no Rio de Janeiro, o monumento do escravocrata e imperialista Luís Alves de Lima e Silva, mais conhecido como Duque de Caxias, se destaca na Praça Princesa Isabel, no município que leva o nome do patrono do Exército Brasileiro. Ele foi um dos principais repressores de revoltas promovidas em decorrência da escravização e assassinato de indígenas e negros.
Comandou tropas para acabar com movimentos como a Balaiada, em 1840; nas manifestações em virtude do Golpe da Maioridade, em 1842; na Revolução Farroupilha, em 1845; e na Guerra do Paraguai, em 1864, quando cerca de 300 mil paraguaios e 100 mil brasileiros morreram. Na penúltima, inclusive, o “Duque de Ferro” foi responsável por armar emboscadas para matar negros escravizados.
2 – Joaquim Pereira Marinho: O português teve papel fundamental no tráfico e “importação” de negros para serem escravizados no Brasil. Dedicada a ele há uma estátua na frente do hospital Santa Izabel, no Largo de Nazaré, em Salvador.
Português ganhou dinheiro com tráfico de africanos para o Brasil depois que a atividade já havia deixado de ser legal no país Foto: ACERVO FGM
A fortuna de Marinho foi feita com mais de 30 viagens dos navios negreiros entre Brasil e África. Foi o que, inclusive, lhe garantiu o título de conde. Marinho trouxe ao país ao menos 11,5 mil pessoas cativas, segundo dados do Banco de Dados do Tráfico de Escravos Transatlântico.
Pereira Marinho morreu em 1887, e, aparentemente, tinha a consciência tranquila. Segundo a BBC News, em testamento, o escravocrata dizia ter “a consciência tranquila de passar para a vida eterna sem nunca haver concorrido para o mal de meu semelhante”.
O trabalho que custou a vida de mulheres, crianças e homens africanos deixou uma fortuna que equivaleria em valores atuais a cerca de R$ 1 bilhão e 227 imóveis só em Salvador.
3 – Anhanguera:
Exploradores e bandeirantes, os Anhanguera – tanto o pai quanto o filho – têm, além de monumentos, nomes de estabelecimentos, marcas e até rodovias em homenagem.
Monumento a Anhanguera - Foto: Assembleia Legislativa de São Paulo
Ambos eram sertanistas e, apesar de não terem “Anhanguera” como nome oficial (ambos se chamavam Bartolomeu Bueno da Silva), ficaram conhecidos pela transliteração de línguas indígenas “Añã’gwea”. A tradução aproximada é diabo velho, espírito maligno ou espírito antigo.
4 – Domingos Jorge Velho: Filho de Francisco Dias Velho, fundador de Florianópolis e bandeirante, Domingos seguia com afinco os caminho do pai, responsável por quase 500 escravos, e que também tem monumentos em sua homenagem.
Domingos trilhou o caminho de caçador de indígenas e negros escravos ao longo da costa meridional brasileira. Comandou, junto com Bernardo Vieira de Melo, as tropas que destruíram o Quilombo dos Palmares, que já resistia há 94 anos e, à época, abrigava cerca de 7 mil pessoas, entre escravos e indígenas fugidos.
5 – Fernão Dias Leme: Também conhecido como “Caçador de Esmeraldas”, ele era sogro de Borba Gato. Há registros de que Fernão era o mais renomado bandeirante da época e “dono” de aproximadamente 5 mil indígenas escravizados.
Existem vários monumentos a Fernão espalhados pelo Brasil. O mais conhecido fica em Pouso Alegre, Minas Gerais. A BR-381, que liga Minas Gerais a São Paulo, também leva o nome do bandeirante.
Opinião de especialistas
Nem entre os estudiosos a questão é consensual. Especialista em direito penal, Jessica Marques explica que o Código Penal estabelece que destruir, inutilizar ou deteriorar o patrimônio público configura crime de dano qualificado com pena de até três anos e multa.
“A nossa Constituição estabelece que ‘não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal’, de modo que, qualquer fato, por mais que tenha consequências graves, não pode ser punido criminalmente se não houver tipificação específica da conduta em lei, uma vez que é considerado como fato atípico”, explica Jessica. No caso do fogo na estátua de Borba Gato, há tipificação específica.
Antônio Barbosa, professor de história contemporânea da Universidade de Brasília (UnB), diz que vê com preocupação a atitude de vandalizar os monumentos. Para ele, o ato reflete, inclusive, uma vocação autoritária, talvez até totalitária.
“Os monumentos refletem sempre o momento histórico em que eles foram erigidos. Vejo com muita preocupação essa onda que está ocorrendo de destruição, inclusive por meio de vandalismo de estátuas pelo fato de elas não representarem o que se pensa hoje. Isso é a própria negação dos padrões civilizatórios e negação do próprio dinamismo da história. Esse monumentos e estátuas têm um contexto histórico no qual foram construídas, e na verdade testemunham uma determinada época”, diz Barbosa.
Para Bruno Leal, professor do Departamento de História da UnB, no entanto, os monumentos dizem mais sobre as sociedades do que sobre os homenageados.
“É um passado mítico, e que é usado para justificar a imagem que certos grupos querem ter de si mesmos no presente. Isso acontece com muitos outros monumentos, de Norte a Sul do país. Esses monumentos higienizam o passado, retirando o protagonismo de outros grupos sociais na construção do país e, principalmente, apagam toda a carga de dor e violência que há nesse passado. E é justamente por isso que eles são tão afrontosos”, argumenta o especialista.
“Tanto o que é ruim quanto o que é bom deve ser lembrado. O que é ruim, para que não se repita, e o que é bom, para que se repita. Essas estátuas representam uma época da nossa história, para termos a consciência do que não devemos ser e nem fazer. Durante muito tempo, a maldade estava inserida nas culturas, era normal bater em mulher, por exemplo. Trabalhamos para que a cultura não normatize mais questões cruéis”, opina a arte-educadora e artista plástica Kassandra Castro Dutra.
30 de jul. de 2021
Band Jornalismo
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