Lúcio acompanhou os lances durante vários dias até decidir fazer a oferta; ele ficou impressionado com a organização da plataforma, que conta com dispositivos de segurança passando a imagem de ser uma página confiável
24/11/2020 - 06h00 - Atualizado 08h11
Só em uma das investigações da Polícia Civil, que em 4 de novembro resultou na operação Cyber Lance e a prisão de pelo menos cinco suspeitos, mais de mil sites fraudulentos foram identificados. Na época, a delegada Gabriela Mol Câmara disse que cerca de 900 ocorrências do tipo foram registradas no Estado em 2020. Os prejuízos passam de R$ 50 milhões.
Se não fosse pela perspicácia, o gerente de projetos Lúcio*, de 41 anos, também faria parte das estatísticas. No início do mês, ele “arrematou” um veículo WR-V por meio do site que acreditava pertencer ao tradicional Palácio dos Leilões. As diferenças, mínimas: o logotipo e o endereço eram os mesmos, mas a página clonada não tem o “dos” do nome da empresa no domínio, nem o “.br”.
Os detalhes foram percebidos após ele receber a conta para quitar os R$ 32 mil do lance. Como não iria pagar sem antes ver o carro, Lúcio e um vizinho foram ao pátio da empresa, em Juatuba, na Grande BH. Lá, ficou sabendo que não tinha ocorrido leilão no dia informado. “Mostrei o boleto a um funcionário e na hora falou que era golpe”.
O site falso foi descoberto pelo Palácio dos Leilões há 20 dias. De acordo com o leiloeiro Rogério Lopes Ferreira, pelo menos quatro pessoas procuraram a empresa alegando terem depositado dinheiro e não recebido os bens arrematados.
“Registramos um boletim de ocorrência. Os casos estão crescendo em todo o país. Acreditamos ser uma grande organização criminosa se aproveitando da pandemia. Aqui, 70% dos nossos lances são virtuais, mas as pessoas devem visitar o pátio para saber o que estão levando”, frisou.
A Polícia Civil foi procurada para comentar o caso, mas não se pronunciou até o fechamento desta edição.
“Quem está por trás desses golpes faz parte de uma verdadeira organização criminosa, com pontos em várias partes do Brasil. Os sites são identificados, mas eles vão mudando alguns pequenos detalhes nos domínios para continuarem funcionando. Infelizmente tem muita gente sendo vítima desses delitos”, frisou o delegado Glauco Seguro, de Carangola, na Zona da Mata.
No fim de outubro, ele participou de uma operação, a Falso Martelo, que visou a desmantelar um grupo que pode ter causado prejuízos de R$ 1 milhão em moradores de várias cidades brasileiras. As investigações tiveram início no Distrito Federal.
Glauco Seguro reforça a necessidade de se pesquisar sobre os sites e desconfiar sempre. “Os criminosos usam artifícios que acabam ‘conquistando’ a vítima, até usar comparsas para dar lances, estimulando a pessoa a dar uma oferta cada vez maior”.
*Nome fictício
Criação de certames on-line por pessoas físicas facilita fraudes, destaca advogada
A possibilidade de pessoas físicas promoverem leilões pela internet facilita a atuação dos criminosos, afirma a advogada Anoska Normand. Ela ressalta que cabe ao consumidor pesquisar e até ligar para as empresas para saber sobre os certames.
“A internet é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que traz mais para perto o consumo, possibilita os golpes. Tem que estar sempre em alerta”, frisa a especialista em Direito Cível e Tributário.
Presidente do Sindicato dos Leiloeiros de Minas Gerais (Sindilei), Gustavo Costa Aguiar Oliveira diz que, desde o início da pandemia, muitas vítimas de golpistas procuraram a entidade relatando os crimes. “Muitas também não tinham depositado o dinheiro e, nesses casos, conseguimos ajudar a descobrir a fraude”.
Para não cair no “conto do vigário”, é preciso tomar uma série de precauções. “Checar o nome do leiloeiro e se ele está registrado na Junta Comercial, verificar o edital do leilão que traz as regras de participação, pesquisar a reputação do leiloeiro, vistoriar os bem pessoalmente e só fazer depósito em conta bancária em nome do leiloeiro, nunca em nome de empresas ou de terceiros”, observa Gustavo.
O nome do site também é indicativo se é uma fraude. Geralmente, segundo o representante do Sindilei, o domínio não traz a extensão “.br”.
O presidente do sindicato diz esperar que as autoridades consigam desmantelar as organizações criminosas. “Não prejudica apenas o leiloeiro, mas a sociedade. A grande maioria das vítimas são pessoas que economizaram anos para comprar um carro ou usaram o acerto para isso. Os prejuízos financeiros e emocionais são enormes”.
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