Dados divulgados nesta quinta (18) indicam que um em cada quatro policiais militares brasileiros que tiraram a própria vida no último ano eram servidores paulistas. Para psicóloga, imagem de herói é um dos grandes empecilhos para o enfrentamento da questão.
Por Renata Bitar, Cíntia Acayaba, g1 SP — São Paulo
Polícia Militar de São Paulo — Foto: Reprodução/Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de SP
O número de policiais militares que tiraram a própria vida bateu recorde no estado de São Paulo em 2023, segundo os dados divulgados pelo 18º Anuário do Fórum de Segurança Pública, nesta quinta-feira (18).
Ao todo, foram contabilizados 31 suicídios de PMs que estavam na ativa, um crescimento de 80% em relação ao ano anterior e o maior número já registrado desde o início da série histórica, iniciada em 2017.
De acordo com o Fórum, o governo paulista não forneceu informações referentes à quantidade de suicídios registrados em suas forças de segurança. Contudo, o número de casos envolvendo policiais militares foi divulgado após um órgão de imprensa acionar a Secretaria da Segurança Pública (SSP), por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Os dados obtidos apontam que o estado de São Paulo registrou, sozinho, 28,2% dos casos de suicídio entre PMs de todo o país — ou seja, um em cada quatro policiais militares brasileiros que tiraram a própria vida em 2023 eram servidores paulistas.
"Os dados nos mostram o quanto estamos falhando em proteger a vida do policial", analisa Juliana Martins, psicóloga e coordenadora institucional do Fórum. "O fato de o número de mortos por suicídio não ser divulgado não significa que o problema não exista".
Assim como a nível nacional, o número de PMs mortos em decorrência de suicídio ultrapassou o de vitimados em confrontos em São Paulo no último ano (veja gráfico abaixo).
"O que nos parece é que as instituições policiais tendem a individualizar a questão quando se fala de suicídio; vira um problema do policial, do indivíduo", observou a psicóloga.
Para a especialista, muitos agentes de segurança acabam não se reconhecendo como pessoas doentes devido à imagem de herói que sustentam, na qual são valorizados aspectos como força, honra e masculinidade.
Nesse contexto, doenças mentais e o próprio suicídio são vistos nas corporações como fatores capazes de fragilizar o arquétipo do policial-herói.
Celebração dos 50 anos da ROTA em outubro de 2023 — Foto: Divulgação/GESP
"Não é raro, a exemplo do que vemos em São Paulo, que, quando um policial militar morre em confronto em serviço, a instituição adote verdadeiras operações vingança, que se desdobram em uma caçada ao criminoso que matou o policial. Mas e agora que a
maior causa das mortes é o suicídio, o que fazer? Que operações serão realizadas para honrar esses policiais? Quem é o inimigo, se o que adoece o policial é a própria polícia? Será que de uma vez por todas os governos vão mostrar, através de ações, programas concretos e mudanças na cultura organizacional que, de fato, a vida do policial importa?", questionou a psicóloga.
Ao abordar a questão durante uma entrevista em março deste ano, Guilherme Derrite, secretário da Segurança Pública de São Paulo, afirmou que o estado havia registrado queda de 20% nos suicídios de policiais em 2023, sem mencionar, contudo, a quantidade de ocorridos.
"E como a gente conseguiu isso? Fazendo atendimento de saúde mental do policial, uma contratação de serviço de uma empresa que tem expertise no assunto por telemedicina", disse Derrite no início do ano.
Para os especialistas do Fórum, o combate ao suicídio policial exige um esforço no sentido de entender os reais problemas que a categoria enfrenta no cotidiano, visando melhorar a qualidade de vida dos profissionais e, consequentemente, o rendimento deles.
Letalidade Policial
Laudo de morte de suspeito no Guarujá — Foto: Reprodução/TV Globo
Os índices de suicídio não foram os únicos que cresceram em São Paulo no último ano. Os casos de morte decorrentes de intervenção policial também tiveram um salto expressivo, de 19,7%, totalizando 504 vítimas — 229 apenas na capital paulista.
De acordo com os dados, a alta no estado foi puxada pelas mortes causadas por policiais militares em serviço, que passaram de 256 para 353 — um crescimento de 37,9%. Já os óbitos ocasionados por PMs de folga tiveram queda, de 128 para 104 — uma redução de 18,7%.
Os casos envolvendo policiais civis em serviço também cresceram, ainda que em escala menor: passaram de 19 para 31. Assim como no caso dos militares, as mortes causadas pelos civis de folga teve redução, ainda que pequena, de 18 para 16.Reproduzir vídeo
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