Em três fazendas no Sul de Minas, os auditores identificaram trabalho degradante e tráfico de pessoas, além de crime de natureza previdenciária em razão da informalidade na contratação das vítimas.
Por Profissão Repórter
O Profissão Repórter desta terça-feira (16) acompanhou uma força tarefa para apurar denúncias de trabalho análogo à escravidão em fazendas de café no Sul de Minas Gerais. A operação coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego foi responsável pelo resgate de 23 trabalhadores, entre eles, um adolescente de 16 anos.
Em três fazendas, os auditores identificaram trabalho degradante . Os proprietários foram obrigados a pagar multas rescisórias de aproximadamente R$100 mil. Todas as fiscalizações tinham como alvos trabalhadores migrantes, da Bahia e do Norte de Minas. Saiba mais abaixo.
"Toda denúncia, nós recebemos muitos trabalhadores, que são aliciados de muitas regiões e estados para vir para cá. E, claro, que nem todos ficam assim, mas a maioria."
"O Sul de Minas infelizmente é um palco de trabalho escravo na cafeicultura. É comum você encontrar todos os anos trabalhadores nessa situação em várias fazendas. É uma longa briga, que não garante dignidade para os trabalhadores, infelizmente”, ressalta o coordenador da articulação dos empregados rurais, Jorge Ferreira.
Primeiro alvo
No primeiro alvo da fiscalização, a denúncia que os fiscais receberam era referente à existência de trabalhadores de Caxias, no Maranhão, em condições degradantes de trabalho em uma fazenda de café em Nova Resende, em Minas Gerais. Veja no
vídeo acima.
- Fiscal: Você veio de Caxias para cá quando?
- Trabalhador 1: abril.
- Fiscal: Você pagou a passagem lá para cá?
- Trabalhador rural 2: Eles mandaram dinheiro para nós. Ai quando chega no fim da safra, descontam tudo.
- Fiscal: o senhor está registrado?
- Trabalhador 2: Não.
- Fiscal: você está aqui há quanto tempo?
- Trabalhador 3: há uns três meses.
- Fiscal: não recebeu nada?
- Trabalhador 3: Ainda não, ele acertou as contas só quando acabar aqui.
- Fiscal: Nós vamos descer todo mundo lá para alojamento. Vocês podem interromper o trabalho.
É dever do empregador: fazer o registro na carteira de trabalho, mesmo em contrato de curta duração, oferecer equipamentos de proteção como luvas, chapéu e botas, além de local para refeições e banheiro próximo à área de colheita.
Questionado sobre os motivos pelos quais os trabalhadores não foram registrados formalmente, o produtor de café Vagner Freire da Silva respondeu:
"A gente acha melhor fazer assim. Complica muito as coisas da gente você registrar. É muito pouca a terra que a gente tem, como pequeno produtor, né?", afirma.
A reportagem também questionou Vagner sobre a alegação de alguns funcionários de que ele não deixa eles saírem da fazenda por receio da fiscalização.
"A gente pede para eles ficar mais aqui, a gente coloca tudo para eles aí, remédio, mas a gente pede para não ir para não ter muito atrito, né?", afirma.
Após o resgate, o dono da propriedade precisa fazer o acerto das verbas rescisórias e somente depois os trabalhadores vão retornar para casa.
No dia da assinatura das verbas rescisórias, os advogados de Wagner pediram que a entrevista não fosse ao ar. O Profissão Repórter avaliou o pedido, mas entendeu que a exibição da entrevista contém informações relevantes e de interesse público. Por isso foi mantida. A decisão está alinhada com os Princípios Editoriais do Grupo Globo, que baliza o trabalho dos jornalistas da Globo. Segundo os princípios:
"Concedida uma entrevista exclusiva, uma fonte pode pedir alterações, acrescimentos ou supressões, mas o jornal julgará se o pedido se justifica. Haverá vezes em que o jornalista não concordará com a mudança, sendo, nestes casos, necessário registrar que a mudança foi solicitada, mas não aceita".
Saiba mais sobre os princípios editorias do Grupo Globo em:
g1.globo.com/principios-editoriais-das-organizacoes-globo
'Tenho que correr atrás dos meus sonhos'Reproduzir vídeo
Descalço, com um corte no pé, sem luvas ou óculos de proteção. Foi assim que o Profissão Repórter encontrou um jovem de 16 anos, colhendo manualmente café em uma outra fazenda em Juruaia.
“Na verdade, não era nem para eu estar aqui, mas não tenho jeito, tenho que correr atrás do sonho da gente, de mais na frente, ter um serviço digno, registrado, poder fazer minha casa, família, essas coisas assim. A gente pensa pelo lado positivo. Fica aqui meses fora de casa, longe da mãe da gente”, diz o jovem.
Esse é o quarto ano que o "turmeiro" Wilton Ramos Pereira organiza uma turma de cerca de 10 trabalhadores do norte de Minas para colher café nessa fazenda.
“O menino falou comigo que queria vir. Aí eu falei, moço, lá era um só com o pai. E o pai dele falou comigo que ele tinha 17 anos, que ele ia fazer 18 anos. Aí quando chegou aqui, eu peguei os documentos para registrar e vi que o menino era menor.”
Questionado sobre não assinado a carteira dos trabalhadores, o proprietário respondeu:
"Então, eles começaram aqui agora, né? Não deu nem tempo".
Dois dos três proprietários das fazendas onde houve resgate de trabalhadores são associados da cooperativa de café Cooxupé.
“A Cooxupé fornece e comercializa insumos e café, mas ela não tem produção de café e nem tem sociedade ou qualquer tipo de relação de negócio com nenhuma das propriedades”, alega o gerente de comunicação da Cooxupé, Jorge Ribeiro Neto.
Apesar disso, no relatório de 2023 disponível no site da empresa, a organização diz que: “Cooxupé reforça seu firme compromisso contra o trabalho infantil, trabalho forçado. E práticas análogas à escravidão em toda a sua cadeia de fornecedores, com especial atenção as operações agrícolas de nossos cooperados, envolvendo cultivo e colheita de café”.
“Verdadeiro. A gente não tem o poder de polícia para exigir que sejam realizadas as regras da lei dentro das propriedades”, afirma o gerente de comunicação.
A Cooxupé bloqueou os dois fazendeiros cooperados flagrados na operação. O adolescente foi levado pelo conselho tutelar.
'Vim sem saber quanto iria ganhar'Reproduzir vídeo
Após realizarem a varredura em uma outra propriedade em Alfenas, os fiscais não encontraram nenhum trabalhador. O proprietário afirmou que não havia mais trabalhadores disponíveis, pois já haviam terminado a colheita. No entanto, havia informações de que os trabalhadores haviam sido movidos para outra área.
A comitiva seguiu caminho por uma estrada de terra, onde foi possível flagrar os trabalhadores. Segundo os auditores fiscais, os trabalhadores colheram café na fazenda do João do Frango e depois foram transferidos para uma outra propriedade.
"Eu vim sem saber quanto iria ganhar. As condições de onde eu vim são difíceis e preciso sair, tem que vir para cá", relatou um trabalhador.
Questionado pelos fiscais, o produtor de café, Luís Carlos Moreira, que afirmou ser genro do João do Frango, disse que os trabalhadores foram contratados como diaristas, o que não é legal perante à lei.
"Eu tenho conhecimento que não pode. O intuito nosso o é continuar gerando empregos de forma legalizada", afirmou o produtor de café, Luis Carlos Moreira.
Os trabalhadores dessa fazenda também foram resgatados.
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