Delegado Saraiva é especialista no combate ao desmatamento
Após 11 anos trabalhando na Amazônia, a última semana do delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva foi, sem dúvidas, uma das mais tumultuadas. Na terça-feira (14), ele enviou uma notícia-crime contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o senador Telmário Mota (PROS-RR) por favorecimento a madeireiros. No dia seguinte, a PF anunciou sua substituição no cargo de superintendente do órgão no Amazonas.
Em entrevista ao GLOBO, Saraiva reforça que denunciou Salles por entender que ele estaria atuando a favor de madeireiros e diz que nunca havia presenciado algo assim durante seus quase 18 anos na Polícia Federal.
O senhor foi surpreendido pela sua substituição?
Toda vez que muda o diretor-geral, há uma expectativa sobre quem vai ficar e quem vai sair. Mas, como eu sou um dos que mais atua nessa parte de meio ambiente e como tem uma situação grave e urgente, eu imaginei que fosse ficar.
O senhor avalia que sua substituição foi uma punição pelo fato de o senhor ter denunciado o ministro do Meio Ambiente?
Não posso e não irei fazer especulações sobre isso. O colega que me substituiu no cargo (Leandro Almada) é um ótimo delegado.
Como o senhor viu a atuação do ministro Ricardo Salles na área onde foram apreendidas madeiras? Foi uma postura condizente com a de um ministro do Meio Ambiente?
Em relação a isso, a conduta dele a gente descreveu na notícia-crime que enviamos ao STF. Num primeiro momento, ele colocou em dúvida o trabalho da PF. Em um segundo momento, foi uma conduta que patrocinava justamente a ação dos criminosos. Nos pareceu que a conduta toda favorecia os criminosos. Quando recebemos os documentos dos madeireiros e analisamos, verificamos ainda mais fraudes. Foi quando nós começamos a redigir o documento para o STF. Isso não era uma opção pra mim. É um poder-dever. Era uma obrigação. Se fosse uma pessoa sem foro, instauraríamos o inquérito. Como tinha foro privilegiado, comunicamos ao Supremo.
O senhor pode descrever de forma detalhada qual foi a atuação do ministro no episódio?
Comunicamos a prática de obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do poder público, o embaraço à investigação de organização criminosa e a advocacia administrativa. Em todos esses tipos (penais), ele estaria atuando e favorecendo os madeireiros e isso foi feito de uma forma muito explícita. Tem vídeo dele apontando para a placa de uma empresa investigada que segundo ele “estava tudo certinho” e que, na verdade, em relação a esta empresa, já existia até laudo pericial apontando as ilegalidades cometidas.
Que sinal a sua substituição logo após o envio da notícia-crime passa?
Olha…eu espero que o trabalho de combate aos crimes ambientais tenha continuidade. O delegado que foi anunciado para o meu lugar é um excelente delegado. A PF é uma estrutura que independe das pessoas, mas qualquer movimentação na PF ganha amplitude e interpretações diversas. É preciso ter cuidado com essas coisas.
O Brasil vai participar da Cúpula de Líderes sobre o Clima. Na sua avaliação, a condução do ministro Ricardo Salles, à luz dos últimos eventos, gera confiança na comunidade internacional?
Eu vou falar sobre o âmbito do Ministério da Justiça. Nos últimos anos, tanto na gestão do ministro Sergio Moro quanto na gestão do ex-ministro André Mendonça, nós tivemos um apoio incondicional no combate a crimes ambientais. Não podemos falar ainda do novo diretor-geral (Paulo Maiurino), porque ele assumiu há muito pouco tempo. Nesse aspecto, em janeiro e fevereiro, o desmatamento deu uma arrefecida, mas se outras pastas não têm um discurso alinhado, é um remando para frente e outro remando pra trás.
Nos últimos meses, o ministro Ricardo Salles vem cobrando recursos estrangeiros para financiar ações de combate ao desmatamento. Como o senhor avalia esse argumento?
O combate ao desmatamento é muito mais uma questão de foco e estratégia do que de recursos.
Uma das propostas de Salles para o combate ao desmatamento na Amazônia seria a criação de uma patrulha que substituiria o Ibama, ICMBio e PF nas ações de combate ao desmatamento. Essa nova força seria, de fato, necessária?
Essa proposta é desnecessária. para dizer o mínimo. Nós já temos a PF, Ibama e ICMBio para fazer isso. São instituições que tem uma ampla experiência e não haveria necessidade de mais uma força para realizar esse trabalho”
O senhor atua na Amazônia desde 2011. Em algum momento algum outro ministro do Meio Ambiente fez ingerência ou criticou o seu trabalho da forma como aconteceu agora?
Não. Nenhum outro ministro fez o que foi feito agora. Veja… o braço do MMA é o Ibama e ICMBio. Nas operações da PF, a gente prefere fazê-las junto com o Ibama, porque as ações administrativas e punitivas do Ibama complementavam o trabalho nosso. E, nos últimos anos, isso deixou de acontecer. E faz muita falta não ter o Ibama em campo.
Quando o senhor fala que isso deixou de acontecer, o senhor está se referindo aos últimos dois anos?
Sim. Nos últimos dois anos. Não foi de uma hora pra outra. Gradualmente, foi deixando de acontecer. E na operação Handrohantus, não tinha mais o Ibama. Apesar de o órgão ter sido instado várias vezes, o Ibama não entrou em campo.
Sob qual alegação?
Não tinha alegação alguma. A coisa simplesmente não rodava.
Como delegado, o senhor já deve ter tido seu trabalho criticado por políticos ou outros agentes públicos. A pressão que o senhor recebeu nesse último episódio foi ponto fora da curva?
Foi, sim. E essa pressão toda mostra a importância de se dar autonomia pra Polícia Federal e para os cargos todos. É preciso fortalecer um arcabouço normativo da PF pra que esse tipo de pressão não surta efeito. Não estou falando novidade. É lógico que esses criminosos do meio ambiente encontram parlamentares simpáticos a eles. Não é segredo algum. Precisamos de mandato pra diretor-geral pra PF, mandato pra superintendente, garantias para os policiais. A gente tem autonomia em alguma medida, mas é muito mais uma cultura de autonomia e nós precisamos mais do que isso.
Pelo fato de o senhor ter sido especulado como ministro do Meio Ambiente, há críticas de que a notícia-crime contra Salles foi uma forma que o senhor encontrou para atingí-lo e, eventualmente, substituí-lo. Como o senhor responde a essas críticas?
É a ilação mais ridícula possível. Eu tive apenas duas conversas com o presidente Jair Bolsonaro. Conversamos sobre temas ambientais. Quando eu vim pra Amazônia em 2011, não havia nem sonho disso (indicação). Eu não tenho controle algum sobre o que as pessoas pensam, mas eu tenho a minha história a meu favor. São 18 anos na polícia e nunca me envolvi com política ou com qualquer tipo de irregularidade. Sempre me envolvi com o meio ambiente. Esse tipo de crítica tem que ser avaliada do ponto de vista do criticado, mas também a partir de quem me critica. Olha o perfil de quem me critica. Basta olhar perfil de quem diz esse tipo de coisa e olhar o meu. O meu perfil profissional é impecável.
À luz da notícia-crime que o senhor enviou ao STF, o senhor acha que Ricardo Salles deveria continuar no cargo?
Não me cabe fazer esse juízo de valor. Isso cabe ao STF.
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NOTA DA REDAÇÃO – Uma entrevista importantíssima. Em qualquer país minimamente sério, essas denúncias seriam suficientes para derrubar não somente o ministro do Meio Ambiente, mas também o presidente da República, que é o principal responsável por essas gravíssimas irregularidades. Mas quem se interessa? (C.N.)
ContextoExato - Salles atuou de forma explícita a favor de madeireiros, diz delegado da PF afastado
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