Faixa estendida nos Arcos da Lapa é uma iniciativa de cristãos progressistas em defesa da liberdade religiosa
28/10/202212:15
Uma faixa com 15 metros de comprimento com os dizeres “Bolsonaro é a fome, a guerra, a peste e a morte. Leia Apocalipse 6:8” foi pendurada hoje (28) à noite nos Arcos da Lapa, região central do Rio de Janeiro. A ação foi iniciativa de grupos de evangélicos e cristãos progressistas preocupados com os riscos que a reeleição de Bolsonaro pode trazer para os religiosos.
Eles temem pelas perseguições religiosas a cristãos que não apoiam Bolsonaro e a fiéis de outras religiões, especialmente de matrizes africanas. “Vejo com extrema preocupação a instrumentalização da fé e das Igrejas desde que Bolsonaro assumiu o poder. Muitos pastores não estão pedindo somente o voto, estão pedindo adoração a Bolsonaro – crescem os casos de cristãos que são ameaçados ou expulsos das igrejas por causa de seus posicionamentos políticos”, diz Thales Freitas, historiador e coordenador de pesquisa do coletivo evangélico Esperançar.
“Também não podemos aceitar que padres católicos e seus fiéis sejam agredidos, como vimos durante a campanha presidencial, nem que os seguidores de religiões de matrizes africanas sofram preconceito e outros tipos de violência e intolerância religiosa como aconteceu durante os 4 anos de mandato de Bolsonaro.”
Thales Freitas, aponta as semelhanças entre o cenário apocalíptico trazido pela bíblia e a gestão do atual presidente. “Analisando, por exemplo, a escalada da fome no Brasil ou a forma como o Bolsonaro conduziu a pandemia de COVID-19, sem nenhum interesse pela vida fica muito clara a postura apocalíptica de seu governo”, afirma Freitas.
Os cristãos progressistas também lutam contra disseminação de fakenews como a que afirma que, se eleito, Lula irá fechar as igrejas. “Tivemos oito anos de governo Lula e nenhuma igreja foi fechada. Na minha comunidade aconteceu exatamente o contrário: as pessoas prosperaram e conseguiram colaborar com a Igreja, que cresceu muito naquela época”, lembra. “Na verdade, quem está fechando as igrejas é o Bolsonaro porque elas estão sendo transformadas em diretórios políticos de adoração a Bolsonaro”, diz Freitas.
Após 7 flagrantes, MRV é beneficiada por acordo com governo
e fica fora da ‘lista suja’ do trabalho escravo
Por Daniel Camargos | 28/10/22
Ministério Público do Trabalho estuda pedir anulação do
acordo, por considerar que ele enfraquece o combate ao trabalho escravo; texto
prevê multa que equivale a apenas 0,7% do lucro da construtora mineira em 2021
Flagrada sete vezes com trabalhadores em situação análoga à
escravidão em suas obras, a última delas no ano passado, a construtora MRV
assinou em agosto um acordo com o governo federal que a deixa de fora da “lista
suja” do trabalho escravo. Com isso, a empresa garante acesso a crédito e evita
constrangimentos que poderiam dificultar novos negócios.
Pelo texto negociado com a Advocacia Geral da União e o
Ministério do Trabalho desde 2018, homologado neste mês, a MRV se compromete a
pagar débitos e direitos trabalhistas dos resgatados, além de uma indenização
por dano moral individual de R$ 10 mil – exceto nos casos em que houve
negociação com trabalhadores.
obra da MRV em São Leopoldo (RS)
Enquanto a MRV negociava o acordo com a União, trabalhadores
foram resgatados de canteiro de obras da empresa no Rio Grande do Sul (Foto:
Divulgação/MTE)
A construtora terá ainda que pagar uma multa por dano moral
coletivo de R$ 7 milhões – que corresponde a apenas 0,7% do lucro líquido da
empresa em 2021. O valor também chama a atenção considerando que, só nas
últimas três eleições, Menin e seus dois filhos que ocupam cargos executivos na
construtora, Rafael e Maria Fernanda, destinaram R$ 3,6 milhões para o
financiamento de campanhas políticas – mais da metade da multa estipulada.
A empresa também terá que pagar R$ 1 milhão para ressarcir a
União dos custos das operações de resgate.
Devido à “vigorosa reincidência do grupo empresarial” na
prática de trabalho escravo, servidores do Ministério do Trabalho enviaram nota
técnica à AGU criticando os termos do acordo. Desde 2011, auditores fiscais do
Ministério do Trabalho já resgataram 230 trabalhadores dos canteiros da
companhia fundada e administrada pelo empresário Rubens Menin.
O acordo é um “prejuízo imenso” para o país, avalia a
procuradora do Trabalho Lys Sobral Cardoso, que coordena a Coordenadoria
Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas. Ela diz que a medida enfraquece a “lista suja”, que é um dos
principais instrumentos para a erradicação do trabalho escravo no Brasil e
tornou o país “referência mundial” no assunto. A homologação do acordo é
definitiva, uma vez que já transitou em julgado, mas o MPT estuda uma maneira
de pedir sua anulação.
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com trabalho escravo
Além dos valores a pagar, o documento estabelece que a MRV
precisa criar um programa de monitoramento sobre violações trabalhistas e
canais internos de denúncias, além de informar às empresas terceirizadas que
elas devem respeitar os direitos humanos e dos trabalhadores. Prevê também que
empregados que foram vítimas ou fizeram denúncias não podem ser discriminados.
O texto determina ainda a criação de oito projetos sociais e a promoção de
campanhas educativas, dentre outras medidas.
Caso descumpra os itens previstos, deverá pagar uma multa de R$ 5 milhões. Se a empresa voltar a ser flagrada com trabalho escravo, entrará na lista suja pelo novo caso, mas o texto atual não veda que um segundo acordo possa ser firmado no futuro.
MRV foi a construtora que mais se beneficiou do programa
Minha Casa Minha Vida, se valendo de financiamentos públicos para as obras
(Foto: MTE)
Questionada sobre as quantias negociadas com a MRV, a AGU
disse que as tratativas não visaram arrecadar valores para a União nem têm
caráter punitivo. “O propósito do acordo é atacar o ciclo vicioso do trabalho
análogo à de escravo”, disse em nota.
Já a MRV disse que o acordo judicial é uma possibilidade
regular e legítima e que as condições, obrigações e responsabilidades previstas
no instrumento são adequadas e proporcionais. “A MRV nunca reconheceu – porque
nunca praticou – as condições lançadas pela fiscalização [trabalho escravo]. O
acordo possibilita encerrar os processos sem discutir o mérito da controvérsia.
A empresa não está na lista. Todos os seus casos ainda estão em discussão”,
afirmou em nota (leia a íntegra das
respostas).
Guerra contra a “lista suja”
A MRV possui longo histórico de atuação contra a “lista
suja”. Por duas vezes, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias
(Abrainc) questionou o cadastro de empregadores autuados pelo crime no Supremo
Tribunal Federal (STF). Rubens Menin presidia a entidade, representando a MRV,
nas duas ocasiões.
Bilionário, o presidente do conselho de Administração da
MRV, Rubens Menin, atuou como representante do setor da construção civil em
tentativas de impedir a publicação da “lista suja” (Foto: Bruno Batista/ VPR)
A primeira ação levou à suspensão da relação pelo STF, do
final de 2014 até maio de 2016. Depois disso, o governo Michel Temer manteve a
lista fora do ar até ser obrigado pelo Ministério Público do Trabalho a
publicá-la em março de 2017. Em setembro de 2020, em resposta à segunda das
ações movidas pela associação, o STF confirmou, por unanimidade, a
constitucionalidade da “lista suja” e destacando sua importância como
instrumento de transparência pública.
A MRV também esteve envolvida indiretamente em outra
tentativa de enfraquecimento da fiscalização trabalhista. Em outubro de 2017, o
governo federal publicou uma portaria que dificultava a libertação de
escravizados e que alterava a definição do crime. Para justificar a medida, o
então presidente Temer divulgou quatro autos de infração de irregularidades
banais, afirmando que elas haviam levado os auditores fiscais a considerarem um
caso como “condições degradantes” – um dos elementos que caracterizam trabalho
escravo segundo o artigo 149 do Código Penal.
Temer, contudo, não divulgou à imprensa os outros 40 autos
de infração lavrados na mesma fiscalização, conforme a Repórter Brasil revelou
à época. As omissões incluíam problemas graves, como o não pagamento de
salários, alojamentos superlotados e condições inadequadas de higiene. O então
presidente também ignorou que aquela fiscalização já havia sido julgada pela
Justiça do Trabalho, que condenou o empregador. A obra era em um condomínio sob
responsabilidade da MRV, em Americana (SP).
A ministra Rosa Weber, do STF, suspendeu a portaria. Sob
pressão de parlamentares, magistrados, procuradores, sociedade civil,
empresários brasileiros e investidores estrangeiros, o governo Temer voltou
atrás e revogou a medida no final daquele ano.
11 anos de escravidão
Sanitários péssimos e com fezes escorrendo eram usados por
trabalhadores da MRV que foram resgatados de condições análogas à escravidão em
obra em Macaé (RJ) (Foto: SRTE/RJ)
Os problemas da MRV com a fiscalização começaram em 2011,
quando trabalhadores em condições análogas à escravidão foram resgatados em
canteiros de obras da empresa em Goiânia (GO), Curitiba (PR) e em Bauru e
Americana, no interior paulista. Após os flagrantes, a construtora conseguiu
liminares judiciais para ficar de fora da “lista suja”, que depois foram
revogadas, o que a fez ser incluída no cadastro duas vezes, em 2012.
Em 2013, ela chegou a firmar um acordo com o Ministério
Público do Trabalho, mas no mesmo ano voltou a ser flagrada com trabalho
escravo em um canteiro de obras em Contagem (MG). No ano seguinte, mais um
resgate, dessa vez em Macaé (RJ).
“A moradia era ruim. Os sanitários, péssimos, com fezes
escorrendo. Os trabalhadores tinham de tomar banho usando botas. O refeitório
ficava em cima dos sanitários. O cheiro era insuportável. Ninguém consegue
fazer sua refeição em um local cheirando a urina”, relata Márcia Albernaz,
auditora-fiscal que comandou a fiscalização em Macaé.
O flagrante mais recente aconteceu em maio do ano passado,
quando a minuta do acordo já estava quase finalizada. Uma operação realizada em
Porto Alegre e São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, resgatou 16 trabalhadores de
canteiros da empresa. As vítimas haviam sido aliciadas em cidades do interior
do Maranhão por uma intermediadora de mão de obra, tiveram que pagar até R$ 500
pela vaga – o que é proibido por lei – e receberam promessas enganosas de
salários e condições de trabalho.
A construção de edifícios é o sexto setor com maior incidência de trabalho escravo no Brasil, com 2.267 resgates registrados entre 1995 e 2021 (Foto: Jason Goh/Pixabay)
O cadastro de empregadores responsabilizados por mão de obra
análoga à de escravo, ou “lista suja”, é uma base de dados publicada
semestralmente, desde novembro de 2003, pelo Ministério do Trabalho. Os
empregadores flagrados têm direito à defesa administrativa em primeira e
segunda instâncias e permanecem no cadastro por dois anos, a menos que façam um
acordo com o governo. Nesse caso, seguem para uma lista de observação e podem
sair após um ano caso cumpram as condicionantes.
O cadastro é citado por agências das Nacões Unidas, como a
Organizacão Internacional do Trabalho e o Alto Comissariado das Nacões Unidas
para os Direitos Humanos, como um dos mais importantes instrumentos para o
combate à escravidão contemporânea em todo o mundo. Empresas do Brasil e do
exterior consultam o cadastro para fazer gerenciamento de risco de seus
negócios, o que pode levar os listados a terem dificuldades em obter
empréstimos, fechar investimentos ou fazer negócios de venda e compra.
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