Com ausência de acordo entre as bancadas do PT e do PSL, o presidente da Casa decide criar comissão para analisar proposta que foi batizada de “PEC da Impunidade”
O presidente da Câmara, Arthur Lira, e a deputada Margarete Coelho, relatora da PEC da Imunidade.
Menos de um mês após chegar ao cargo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), amargou sua primeira derrota. Sem acordo entre as duas maiores bancadas da Casa, PT e PSL, os deputados decidiram não votar a proposta de emenda constitucional da Imunidade Parlamentar, que estava sendo chamada por opositores e críticos de “PEC da Impunidade” ou “PEC da Blindagem”. A proposta foi construída a toque de caixa por Lira e por parte de seu grupo, o Centrão, em resposta à prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal ―decisão que acabou sendo referendada pelo plenário da Câmara com o objetivo de evitar um tensionamento com o Judiciário.
O objetivo da proposta era proteger congressistas de situações parecidas com a do deputado Daniel Silveira, que foi preso na semana passada por defender atos da ditadura militar e atacar ministros do Supremo Tribunal Federal. Dar prioridade a uma pauta corporativa quando o Congresso não aprovou nem Orçamento de 2021 e ainda debate o futuro do auxílio emergencial enquanto milhões de vulneráveis estão à espera não pegou bem. As pressões pela rejeição vieram de várias frentes: nas redes sociais, de entidades que monitoram os Poderes, do próprio STF e de senadores que disseram que, da maneira como estava elaborada, a PEC não seria aprovada no Senado. Lira calculou mal o impacto da reação.
O novo presidente da Câmara determinou a criação de uma comissão especial para analisar a matéria, o que é usual quando se trata de propostas de emendas constitucionais. Diante da derrota pessoal, o presidente da Câmara reagiu. “Esta Casa não consegue consenso na alteração de um artigo. Não é de um código [...] Sinto com muita tristeza. Não trago essa situação para mim, mas trago para todos nós”, disse ao anunciar a desistência de votar o caso no plenário nesta sexta-feira. Conforme o parlamentar, ao votarem a manutenção de Silveira na semana passada havia um acordo com a maioria das bancadas para aprovarem essa alteração constitucional com brevidade. E, de acordo com ele, o acordo foi quebrado.
Lira confiava na aprovação
A segurança que Lira tinha da sua aprovação era tamanha que ele nem tinha se programado para ficar em Brasília nesta sexta-feira. De última hora, quando notou que a derrota era iminente, decidiu cancelar uma viagem que faria a São Paulo para se encontrar com empresários e ficou na capital para presidir a sessão e tentar costurar os acordos. Em vão. “Vários dos deputados que aqui falaram não trataram do mérito da matéria, mas da forma de sua tramitação”, ressaltou Lira. Pelas atuais normas, antes de ser levada a plenário, uma PEC tem de ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma comissão especial. Esses dois trâmites haviam sido atropelados.
Entre membros da Mesa Diretora da Câmara, a avaliação era que caso fosse votada nesta sexta-feira, a derrota seria maior do que um simples adiamento. E, iniciar uma gestão nessas condições, não passaria credibilidade ao mundo político, aos investidores e ao mercado financeiro, que esperam a votação de reformas econômicas o quanto antes. Para se aprovar uma PEC, são necessários os votos de 308 dos 513 deputados. Entre as bancadas o cálculo era de que haveria no máximo 310 votos. Uma margem apertada para se aprovar uma proposta dessa envergadura.
Instado a julgar uma liminar que pedia a suspensão da tramitação da PEC, o ministro do STF Luís Roberto Barroso não atendeu ao pedido, disse que a discussão trazia apreensão à sociedade e reforçou da importância de não blindar os congressistas de pagar por eventuais crimes. “A imunidade parlamentar, em especial a inviolabilidade contra palavras, opiniões e votos, é uma garantia imprescindível ao livre exercício do mandato. Não pode, contudo, servir de blindagem ao cometimento de crimes”, disse Barroso na decisão.
Pelo texto, mesmo quando forem flagrados cometendo um crime, os deputados e senadores não iriam automaticamente para uma prisão, mas sim para a Câmara ou Senado, enquanto aguardam a análise de seus casos pelo plenário da respectiva Casa. O projeto também impede que um parlamentar seja preso mediante a decisão de um único ministro do Supremo Tribunal Federal. Essas prisões só ocorreriam com tomadas pelo plenário da Corte, composto de 11 membros. A PEC ainda veda o afastamento judicial cautelar de congressistas.
O projeto também define quais os crimes inafiançáveis aos quais os congressistas poderiam ser presos: racismo, prática da tortura, o tráfico de drogas, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o estado democrático. A proposta estipula que parlamentares só podem ser presos por crime que “por sua natureza, seja inafiançável na forma da lei”. Esta construção, aliás, foi o motivo de dissenso entre PT e PSL. Os petistas queriam que fosse retirado o termo, “por sua natureza”, enquanto que os representantes do PSL, partido de Silveira, não queriam.
Entre os críticos à proposta, estava o procurador de Justiça e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu. “Discutir um tema dessa profundidade, da maneira célere como tem sido parece que é uma espécie de revide da Câmara ao STF”, afirmou o procurador. Na sua visão, esse é mais um dos ataques que a classe política faz no combate à corrupção. “Esse é um conjunto de aberrações, é a verdadeira PEC da Blindagem”, disse.
O cientista político Vitor Oliveira, diretor da consultoria Pulso Público, ressalta que a mudança constitucional tem sido defendida principalmente por políticos que respondem a processos cujo o foro de julgamento é o Supremo. E, por essa razão, eles buscam esse ato corporativo. “Entramos novamente em uma escalada de um conflito institucional. Mas essa PEC não se dá em favor do Daniel Silveira, mas da instituição como um todo”, afirmou. Para Oliveira, a tendência é que a tensão entre os Poderes sofra uma nova escalada em breve. “Estamos longe de ver o último capítulo dessa briga. É um jogo com muitas rodadas. Acredito que ainda haverá muita cotovelada entre o Judiciário e o Legislativo”, disse o cientista político.
Divisão na Câmara
O tema causou rachas em bancadas da Câmara. “A suspensão de mandato é importante em algumas hipóteses. Por exemplo, quando o parlamentar se usa dos benefícios do cargo para praticar atos de corrupção. Além de não poder ser afastado do mandato, não poderá ser preso em flagrante. Isso é impunidade total”, disse o deputado Fábio Trad (PSD-MS), que foi na contramão da orientação inicial de seu partido, de apoiar o projeto.
Até entre partidos opositores, que costumam votar unidos, houve divisões. “Não é verdade que essa PEC é da impunidade. Os crimes em flagrante por crimes inafiançáveis estarão aqui”, afirmou a líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Enquanto que o PT orientou contra a medida. “O formato da alteração constitucional cria uma situação não apenas inadequada, mas também uma situação em que se faz um jogo de poder com o STF, o que não é bom para a democracia”, disse Maria do Rosário (PT-RS).
Antes da proposição ser analisada, Lira havia dito que a proposta previa que a imunidade parlamentar deve limitar-se à inviolabilidade de voz e voto. Ele ainda negou que a PEC tivesse como objetivo proteger o deputado Daniel Silveira. “A Câmara decidiu que a inviolabilidade da fala do deputado não é plena, não é total, com relação principalmente aos princípios democráticos. Não será plena quando for contra a democracia”, disse
A relatora da proposta, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), queixou-se da alcunha de “PEC da Impunidade” dada pelos opositores. “Além de não modificar a jurisprudência do STF sobre a temática, a proposta não cria qualquer blindagem normativa aos congressistas. A PEC explicita que essa inviolabilidade não alberga a responsabilidade ético- disciplinar, deixando livre de qualquer dúvida de que o abuso na utilização das palavras pode levar à punição pelo Conselho de Ética”, disse Coelho.
Com a decisão de se criar uma comissão especial, a tendência é que o caso só retorne à pauta em dois ou três meses. Isso se retornar. A partir da próxima semana, a prioridade da Câmara será debater temas econômicos, como a lei do gás e o marco legal para as startups, e de saúde, como a medida provisória que abre créditos extraordinários para o combate à pandemia.
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