Voto impresso ou fraude?
César Zanin
Colunista
POLÍTICA09/JUL/2021 ÀS 15:06
Voto impresso ou fraude?
Voto impresso fraude governo bolsonaro
(Imagem: José Cruz | Agência Brasil)
Cesar Zanin
Prepare-se, pois nos próximos 18 meses, o discurso do tal
voto impresso auditável seguirá servindo de pretexto para conspirações, um
desafio e tanto ao modelo democrático iniciado com a Constituição de 1988.
A democracia é o único regime político no mundo, até hoje,
em que os cidadãos podem participar igualmente na proposta, no desenvolvimento
e na criação de leis, exercendo o poder de governo.
Infelizmente não existem ainda precedentes expressivos da
chamada democracia direta, em que cada indivíduo se representa sem
intermediários, desenvolvendo as leis conjuntamente e governando sem eleitos.
Mesmo assim, a chamada democracia representativa (presente
hoje em boa parte do mundo) abrange as condições sociais, econômicas e
culturais que permitem o exercício livre e igual da autodeterminação política,
através do sufrágio universal; o exercício do voto é fundamental para tal.
O voto no Brasil foi utilizado pela primeira vez em 1532,
com a eleição do Conselho Municipal da Vila de São Vicente, no início dos
tempos de colônia portuguesa.
Por mais de três séculos, ao longo da colônia e do império,
votar era somente para quem já detinha um certo poder, para quem era dono de
pessoas/coisas; a lisura do processo eleitoral não parecia uma preocupação e o
sistema não era unificado.
Em 1881 o título de eleitor foi instituído, mas sem foto, o
que não impediu as fraudes. Com a chegada da República, o voto deixou de ser
censitário (determinado pela renda), mas seguia vetado para menores de 21 anos,
mulheres, analfabetos, soldados rasos e indígenas.
Na República Velha, até 1930, a participação nas eleições
era inferior a 10% da população. Em 1932, com a aprovação do primeiro código
eleitoral, o voto feminino e o voto secreto passaram a ser permitidos. Em 1955
as eleições passaram a envolver cédulas e um título eleitoral com foto.
A partir de 1964, dentre as inúmeras restrições de direitos
nas mais de duas décadas de ditadura militar no país, o voto também foi
afetado. O brasileiro somente voltaria a eleger diretamente um presidente em
1989.
Após a frustração das Diretas Já, finalmente analfabetos e
maiores de 16 anos também passaram a ter o direito de participar das eleições.
A Constituição de 1988 abriu a possibilidade do voto a detentos, o que foi
viabilizado em 2010.
Além das mudanças normativas, a Justiça Eleitoral também foi
buscando novos procedimentos para ampliar a segurança e a participação dos
brasileiros nas eleições.
Em 1986, o registro dos eleitores passou das mãos dos
estados ao cadastro nacional.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) formou em 1995 uma
comissão com pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE),
da Aeronáutica, representada pelo do Departamento de Ciência e Tecnologia
Aeroespacial (DCTA), do Exército, da Marinha e do Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), além de especialistas do próprio
TSE, com o objetivo de definir uma especificação de requisitos funcionais para
a primeira urna eletrônica, chamada então de coletor eletrônico de votos (CEV).
Em 1996 foi aberta uma licitação para projetar, desenvolver
e fabricar a urna eletrônica para as eleições daquele ano, onde concorreram a
IBM propondo um projeto baseado em um notebook, a Procomp apresentando uma
espécie de quiosque de auto atendimento bancário e a Unisys, a vencedora da
licitação, com um design original que se tornou o padrão utilizado até hoje. A
Unisys contratou a licença da urna eletrônica desenvolvida pela OMNITECH.
O modelo UE 2000 da urna eletrônica (usado atualmente) é um
aperfeiçoamento da urna original realizado em 1997 pela OMNITECH, produzido com
tecnologia nacional e reconhecido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.
O presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), seus
apoiadores, o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL) e outros
políticos vêm tentando incessantemente jogar desconfiança sobre a urna
eletrônica. Eles defendem a adoção do chamado voto impresso, um comprovante
impresso da votação na urna eletrônica. Dizem que sem a mudança a eleição de
2022 não será confiável.
Mas a campanha pelo voto impresso não começou com Bolsonaro
na presidência, nos últimos 20 anos houve 3 leis que estabeleciam o voto
impresso; todas enfrentaram dissenso e foram derrubadas. A ideia também
encontra resistência na população, 46% são contra, de acordo com o PoderData. A
proposta defendida por Bolsonaro custaria R$ 2 bilhões aos cofres publicos,
segundo o TSE.
Nas eleições de 2002 o TSE testou o voto impresso em 150
municípios. O então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) tinha
sancionado a ideia defendida por Bolsonaro. A Corte Eleitoral quis verificar se
a medida era viável.
O relatório elaborado pelo TSE apontou que o voto impresso
“nada agregou em termos de segurança ou transparência“. Houve aumento do número
de votos brancos ou nulos, maior percentual de urnas quebradas e filas mais
longas para votação. A Corte verificou que “o voto impresso pode ter efeito
desastroso em eleições municipais“.
Ainda assim, outras propostas semelhantes foram aprovadas
também em 2009 e 2015.
O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou
projeto para incluir o voto impresso a partir das eleições de 2014, mas houve
suspensão por parte do Supremo Tribunal Federal (STF).
Contrariamente a Lula, a então presidenta Dilma Rousseff
(PT) tentou impedir o voto impresso em 2015, mas seu veto foi derrubado pelo
Congresso, que instituiu a impressão do comprovante a partir de 2018; o STF novamente
suspendeu a medida antes das eleições.
Mesmo se passar pelo Congresso outra vez, o voto impresso
poderá enfrentar turbulência no Judiciário; afinal, o STF já considerou a
medida inconstitucional em duas ocasiões. O tribunal é composto atualmente por
10 ministros que já votaram contra a ideia.
Por outro lado, as duas ações acolhidas pelo STF, que
resultaram na suspensão do voto impresso, foram movidas pela Procuradoria-Geral
da República (PGR). Tanto a gestão Roberto Gurgel quanto Raquel Dodge apontaram
que as propostas poderiam comprometer o sigilo do voto; no entanto, a gestão
atual, Augusto Aras, já deu seguidas provas de lealdade incondicional a
Bolsonaro.
O clima de desconfiança descarada em relação ao processo
eleitoral recente no Brasil veio à tona em 2014, quando Aecio Neves (PSDB) não
admitiu a vitória de Dilma.
O TSE fez a recontagem dos votos a pedido do PSDB,
confirmando a vitória dela.
Não satisfeito, o PSDB fez então, em 2015, o pedido para a
realização de uma auditoria externa nos sistemas de votação e apuração de votos
das Eleições 2014.
O pedido foi acolhido. Na entrega do relatório, ao final dos
trabalhos, o então presidente do TSE, ministro Dias Toffoli, enfatizou que a
auditoria organizada pelo PSDB confirma que não foi verificada nenhuma
evidência de adulteração de programas, de votos ou mesmo qualquer indício de
violação ao sigilo do voto.
Em 2017, por conta do acordo de delação com o Ministério
Público (MP), Joesley Batista entregou a gravação de uma conversa dele com
Aécio, em que Aécio diz que entrou com a ação no TSE contestando a apuração dos
votos “só para encher o saco” do PT.
Durante a campanha eleitoral de 2018, o Plenário do TSE
determinou que o Google e o Facebook excluíssem um vídeo, reproduzido em 55
páginas da internet, no qual o então candidato da Coligação Brasil Acima de
Tudo, Deus Acima de Todos (PSL/PRTB), Jair Bolsonaro, fazia críticas às urnas
eletrônicas. Os magistrados ressaltaram que o sistema eletrônico de votação
brasileiro funciona há mais de 20 anos, já passou por várias eleições e testes
públicos, jamais tendo sido constatada qualquer fraude.
Bolsonaro voltou a questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas
no início da campanha do segundo turno. A então presidenta do TSE, ministra
Rosa Weber, disse em coletiva de imprensa que a Corte só iria rever o resultado
do 1º turno das eleições se houvesse questionamento formal por parte do
candidato. Ao contrario de Aécio, Bolsonaro não apresentou impugnação.
Em sessão da Comissão do Voto em maio de 2021, o deputado
Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que “da mesma forma que nós não temos como
comprovar que houve fraude, o outro lado também não tem como comprovar que não
houve fraude”; uma falácia dupla, combinando apelo à ignorância e redução ao
absurdo. Não somente é possível auditar o resultado eleitoral em caso de
fraude, como também há modos de comprovar quando não houve fraude.
Todos os sistemas de computador utilizados para os processos
de votação, apuração e totalização são lacrados e assinados digitalmente em
evento público, na Cerimônia de Assinatura Digital e Lacração dos Sistemas,
exigida por lei, da qual participam partidos políticos, coligações, MP, Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) e pessoas autorizadas em resolução específica.
Nessa ocasião, é gerado o ‘hash’, código único que funciona como a identidade
(um resumo) de cada programa lacrado. A alteração de apenas um caractere do
código-fonte geraria incompatibilidade com o hash original.
A lista de hashes é distribuída para as entidades assinantes
e publicada no portal do TSE. Assim, é possível conferir, a qualquer momento e
em qualquer parte do Brasil, se o programa utilizado na urna é o mesmo que foi
gerado na cerimônia pública.
Cada urna eletrônica dispõe de um hardware criptográfico
conferindo identidade individual, isso assegura que as informações dela
advindas sejam autênticas e com garantia de origem. Esse dispositivo também
garante que a urna executará somente sistemas oficiais e assinados pela Justiça
Eleitoral. Além disso, a urna é programada para receber votos apenas no momento
da eleição.
A empresa responsável pela fabricação dos componentes
físicos e pela montagem da urna não consegue utilizar a máquina sem que a
Justiça Eleitoral autorize previamente. Quando a urna está pronta para a
votação, ela recebe um lacre de segurança fabricado pela Casa da Moeda
brasileira.
Similar a uma caixa-preta de avião, a urna possui o chamado
log da urna. Nele os eventos são registrados para serem analisados com o
objetivo de identificar as causas de eventuais problemas que possam ter
ocorrido durante a votação.
Antes dos eleitores começarem a votar, a urna imprime a
chamada ‘zerésima’, relatório que comprova que ela não contém votos. Após a
eleição, é impresso o boletim de urna (BU), em cinco vias, contendo a
quantidade de votos registrados na urna para cada candidato ou cada partido.
Uma dessas vias é afixada no local de votação, visível a todos, e nesse momento
o resultado daquela urna já se torna público. Vias adicionais podem ser
entregues aos fiscais de partido.
A urna eletrônica é totalmente isolada de qualquer rede de
dados, com ou sem fio. Isso impede qualquer ataque via Internet ou à distância.
A Lei de Newcomb-Benford (LNB), por vezes chamada Lei do
Primeiro Dígito ou Lei dos Números Anômalos, serve também para comprovar a
existência ou não de fraude eleitoral. A LNB mostra que, em um conjunto de
dados numéricos acontecendo naturalmente, a ocorrência dos algarismos no
primeiro dígito tem a mesma probabilidade, com frequências distintas. Não se
encontra diferença estatisticamente significativa entre a distribuição de votos
em Jair Bolsonaro, Fernando Haddad, Ciro Gomes e o que é previsto na LNB,
apontando claramente à ausência de fraude generalizada nas eleições
presidenciais de 2018.
O professor Gauss Cordeiro (UFPE) aplicou a LBN num artigo
na Revista Brasileira de Estatística, juntamente com Cláudia Eirado (TRE-DF) e
Gustavo Silva (USP), para acompanhar a ocorrência do segundo dígito e analisar
os resultados das eleições presidenciais entre 2002 e 2018 no Brasil. A analise
concluiu pela inexistência de evidência de fraudes na apuração dos votos.
O professor da Universidade Federal de São Carlos Salomon
Mizrahi, também se baseou na LNB para calcular as frequências estatísticas dos
dados da eleição de 2014 e não reconheceu quaisquer evidências de
irregularidades.
O professor de ciência política e estatística Walter Mebane,
da Universidade de Michigan, mundialmente reconhecido como especialista em
detecção de fraude eleitoral, desenvolveu um modelo matemático para examinar os
resultados da eleição brasileira de 2014. Nenhum sinal de fraude foi
encontrado.
A verdade é que a ciência consegue comprovar com celeridade
e eficácia quando há ou não fraude no sistema eleitoral brasileiro atual.
Ademais, é intrigante que o bolsonarismo ignore que as Forças Armadas, que
participaram do desenvolvimento da urna eletrônica em 1995, também foram
autorizadas para fiscalizar e auditar o sistema eletrônico de votação no pleito
municipal de 2020.
Sem apresentar evidências, em março de 2020 Bolsonaro
afirmou que “houve fraude” nas eleições de 2018, em evento organizado pelo
grupo Yes Brazil no campus de medicina do Miami College, na fatídica viagem aos
EUA cuja maioria da delegação presidencial voltou ao Brasil infectada com o
coronavírus.
O presidente foi taxativo: “Eu acredito, pelas provas que
tenho em minhas mãos, e vou mostrar brevemente, que fui eleito em primeiro
turno; no meu entender, houve fraude“. A segurança do local foi feita pela
própria segurança da Presidência da República em comunicação com o Serviço
Secreto dos EUA. Em seguida, a Secretaria de Assuntos Jurídicos do Palácio do
Planalto negou ter documentos sobre a suposta fraude.
Logo depois, as bancadas do PT na Câmara e no Senado protocolaram
uma representação no TSE e na PGR cobrando providências legais contra Bolsonaro
por sua declaração de que teria havido fraude nas eleições de 2018.
Na petição foi requerida a instauração de processo
administrativo e de inquérito para verificar a veracidade ou não da declaração
do presidente da República, para que sejam tomadas as ações necessárias caso
verificada a improcedência das acusações. A conduta se enquadraria no artigo
9º, parágrafo 7º, da Lei 1.079/1950; o dispositivo versa sobre crime de responsabilidade,
contra a probidade da administração.
Cerca de dois meses depois, o deputado federal Célio Studart
(PV-CE) protocolou uma ação na Justiça Federal do Ceará, e o juiz José Vidal
Silva Neto determinou, que o presidente Jair Bolsonaro apresentasse dentro de 5
dias as supostas provas de fraude nas eleições de 2018. O deputado solicitou
que as provas fossem anexadas aos autos do processo. No despacho, o juiz
determinou que depois da defesa se manifestar, o MP fosse intimado a tomar
ciência da ação e requerer “o que for de direito” na tramitação processual.
A Advocacia-Geral da União (AGU), instituição que deveria
ser responsável pela representação, fiscalização e controle jurídicos da União
e da República Federativa do Brasil, acabou reduzida apenas ao papel de defesa
de Jair Bolsonaro, que se recusou a entregar à Justiça as provas que diz ter
sobre supostas fraudes nas eleições de 2018.
A AGU de André Mendonça, que deverá ser indicado por
Bolsonaro ao STF, alegou que a ação proposta é inadequada e questionou a
urgência do pedido. Além de não apresentar as provas, a defesa tentou inverter
a lógica da ação, ao tentar impor ao autor, e não a Bolsonaro, a desconfiança
nas instituições, em especial na Justiça Eleitoral.
A ação popular protocolada pelo deputado Studart foi
assinada pelo advogado Márlon Reis, um dos idealizadores e redatores da Lei da
Ficha Limpa e fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, e pelo
advogado Rafael Estorilio.
Nesse mesmo período, após ser cobrado pela imprensa em
frente ao Palácio da Alvorada sobre a apresentação das tais provas, o
presidente limitou-se a dizer que o faria juntamente com um projeto de lei
sobre o tema, sem mencionar qualquer data: “Se eu não tivesse [as provas] eu
não falaria, meu Deus. Eu sei do peso do que eu falo”.
Ao votar nas eleições regionais de 2020, o presidente Jair
Bolsonaro voltou a questionar a segurança do voto eletrônico, de novo sem
apresentar evidências. O presidente repetiu o argumento que, durante todo o mês
de novembro, alimentou boatos nas redes sociais sobre as eleições e urnas.
A Comprova – coalizão reunindo 28 veículos de comunicação,
para verificação de boatos – conferiu 19 informações falsas ou enganosas a
respeito do tema. Juntas, elas tiveram 100 mil interações e alcançaram cerca de
750 mil visualizações.
Nos EUA, cujo sistema eleitoral é diferente do brasileiro,
Joe Biden venceu a eleição de novembro de 2020 para presidente, ele recebeu 7
milhões de votos a mais do que Donald Trump. Para o vencedor ser declarado
presidente também deve vencer em pelo menos 270 colégios eleitorais; Biden
venceu em 306 deles, 74 a mais do que Trump.
Antes mesmo das eleições, Trump já vinha acusando o partido
de Biden de fraude. Após as eleições Trump exigiu recontagens de votos (em
alguns estados mais de uma vez) e entrou com mais de 60 processos judiciais
alegando fraude; todas as recontagens confirmaram a vitória de Biden e os mais
de 60 processos foram derrotados na justiça por absoluta falta de provas ou
evidências de fraude em escala coordenada.
A estratégia da campanha de Trump então passou a descer mais
o nível, a ponto dele próprio ter sido desmascarado procurando autoridades
estaduais para pedir a fabricação de votos falsos e reverter a derrota para
Biden.
Trump fez inúmeras postagens no twitter e muitos comícios
incitando multidões com mentiras sobre a eleição, por meses.
O ápice foi a insurreição de 6 de janeiro, quando Trump
discursou nos arredores da Casa Branca incitando seus seguidores a invadir o
Congresso no intuito de impedir a certificação da vitória de Biden.
Nos EUA a democracia ainda resiste, Biden tomou posse e vem
governando, apesar da obstrução sistemática da bancada trumpista no Congresso.
Um dia após a invasão do Congresso americano, Bolsonaro
voltou a afirmar, sem provas, que há fraude nas urnas eletrônicas brasileiras,
e previu que, se não houver o voto impresso nas eleições presidenciais de 2022,
algo ainda pior do que ocorreu nos EUA poderá acontecer no Brasil.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) enviou em 13 de
janeiro de 2021 uma representação ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente
do TSE, exigindo explicações de Bolsonaro a respeito das alegações do
presidente sobre fraude nas eleições de 2018 e sobre a desconfiança
generalizada em relação à urna eletrônica. Também no entendimento da ABI, o
presidente brasileiro cometeu crime de responsabilidade.
Em outra ocasião, Bolsonaro disse que se o país não tiver o
voto impresso até as próximas presidenciais: “pode esquecer a eleição”.
Augusto Aras, a quem por dever constitucional compete investigar
o presidente, afirmou que seriam necessários “fatos e provas” para a abertura
de investigação em torno das acusações do presidente Bolsonaro de que houve
fraude na eleição de 2018.
O procurador-geral da República, que já tinha afirmado em
nota pública do Ministério Público Federal (MPF) que “é tempo de temperança e
prudência, em prol da estabilidade institucional” e “que eventuais ilícitos de
agentes dos Poderes da República são da competência do Legislativo”, não deixa
muita margem para interpretação: se o presidente comete crime de
responsabilidade, ele por sua vez comete crime de prevaricação.
Ainda em janeiro de 2021, a Justiça Federal de São Paulo deu
72 horas para o Palácio do Planalto provar as acusações de fraude na eleição
presidencial de 2018 feitas por Bolsonaro. Segundo a revista Época, a decisão
foi assinada pela juíza Ana Lucia Petri Betto da 6ª Vara, em uma ação movida
pela Associação Livres, movimento de renovação política de dissidentes do
Partido Social Liberal (PSL), sigla pela qual Bolsonaro se elegeu presidente e
com a qual rompeu em novembro de 2019.
Devido à importância do tema e “a relevância de um processo
com tamanha projeção social e repercussão”, a juíza emitiu um despacho
concedendo um prazo de 15 dias para que o MPF determinasse a autoria da ação.
Cerca de um mês depois, a mesma juíza extinguiu o processo.
A decisão foi tomada após a manifestação de desinteresse do MPF em assumir o
polo ativo da ação por “ausência de elementos mínimos de prova na demanda”.
Segundo o despacho, a Livres não possuía “legitimidade para ingressar com o
pedido”.
A associação apelou, o que motivou um novo parecer do MPF.
No parecer, o procurador regional da República Walter Claudius Rothenburg
sustenta a legitimidade do Livres, devido aos seus objetivos estatutários, e
ressalta a gravidade das alegações. Segundo o procurador, Bolsonaro atingiu a
credibilidade do sistema eleitoral e do pleito vencido por ele mesmo: “O
presidente não pode guardar para si informação tão relevante a ponto de demonstrar
fraude havida nas eleições presidenciais de 2018. Tem ele o dever inafastável
de oferecer as provas que diz poder apresentar”.
O ministro do STF Dias Toffoli negou em maio de 2021 um
pedido de explicações ajuizado pelo Psol contra Bolsonaro. A legenda solicitou
que o presidente justificasse, com provas, alegações feitas por ele de que as
eleições de 2018 foram fraudadas. O Psol afirmou ser de seu interesse que o
presidente explique as declarações, levando em conta que, se as eleições foram
de fato fraudadas, isso afeta os mandatos do partido. Para o ministro, não foi
possível identificar quais falas teriam se direcionado ao Psol: Bolsonaro não
citou “nomes, sequer instituições ou partidos políticos”.
Em junho de 2021, durante sua live semanal, Bolsonaro voltou
a defender o voto impresso. Disse, novamente sem apresentar provas, que houve
fraude nas eleições presidenciais de 2014 e 2018: “O Aécio [Neves] ganhou em
2014. Em 2018, eu ganhei em primeiro turno. […] ‘Ah, vai custar R$ 2 bilhões.’
Eu sempre ouvi que a democracia não tem preço. A gente arranja esse dinheiro
aqui”.
Em entrevista à CNN, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto
Barroso, se comprometeu a cumprir “com boa fé” a decisão de implementar o voto
impresso, caso o Congresso aprove a proposta em análise atualmente e o STF
confirme a medida.
Bolsonaro chegou a acusar o ex-presidente Lula: “Só na
fraude o ‘9 dedos’ volta [em referência a Lula]. Agora se o Congresso aprovar o
voto impresso, não será uma canetada de um cidadão como esse daqui [apontando
para o celular, em referencia a Barroso] que não vai ter (sic) voto impresso,
pode esquecer”.
Em 21 de junho de 2021, o ministro Gilmar Mendes do STF foi
sorteado para ser o relator de uma ação apresentada na Corte contra Bolsonaro.
A ação foi movida pelo partido Rede Sustentabilidade (Rede) e pede que o
presidente seja instado a provar as supostas fraudes eleitorais que diz terem
ocorrido em 2014 e 2018.
Nesse mesmo dia, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral,
ministro Luis Felipe Salomão, determinou em ofício que as autoridades que
denunciaram a ocorrência de fraudes nas eleições presidenciais de 2018 recebam
prazo de 15 dias para apresentar evidências ou informações que comprovem suas
falas. A Portaria CGE 1/2021, que instaura o procedimento, cita declarações de
Jair Bolsonaro, do deputado estadual Oscar Castello Branco (PSL-SP) e do
candidato à presidência em 2018, Cabo Daciolo.
Bolsonaro afirmou 4 dias depois, em Chapecó (SC), que vai
apresentar as supostas provas: “Eu tenho provas [de fraudes] de eleições para
Presidencia, e eu vou apresentar, mas pode ter em voto para senador, para
governador”.
Ele novamente atacou Lula: “Tiraram ele [Lula] da cadeia,
tornaram elegível com toda certeza para ser presidente na fraude. Com essa
votação, com esse critério eletrônico que está aí, ele pode chegar. Mas com
voto auditável ele não chega”.
Segundo o jornalista Paulo Motoryn, o gabinete de Bolsonaro
no Palácio do Planalto admitiu não ter provas sobre declarações do executivo
sobre supostas fraudes no resultado eleitoral do pleito presidencial de 2018.
Em resposta a um pedido de acesso à informação, a assessoria do presidente revelou
não ter nenhum documento oficial que reafirme as insinuações feitas mais de uma
vez pelo presidente da República.
Bolsonaro publicou video na sua conta do Twitter em
01/07/21: “Estou me antecipando a problemas no ano que vem. Como está aí, a
fraude está escancarada. Fraude”.
Só em 2021, ao menos 121 anúncios advogando pela adoção da
Proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso foram exibidos entre
2,2 e 2,7 milhões de vezes no Facebook, custando entre R$ 6.300 e R$ 18,7 mil,
conforme levantamento do Radar Aos Fatos, com dados da plataforma. Segundo a
análise do Radar, a maior parte dos posts encontrados sobre o assunto reproduz
desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro para promover a PEC: 59% dos
anúncios, mostrados ao menos 436 mil vezes, sugerem que as urnas eletrônicas
atuais não são auditáveis, o que não é verdade. Já 10%, exibidos mais de 63 mil
vezes, afirmam que há indícios de fraudes nas eleições, o que também é falso. O
discurso é similar ao do presidente Jair Bolsonaro.
Em 02/07/21, eis a declaração de Bolsonaro a apoiadores na
porta do Palácio da Alvorada: “Não tenho que apresentar provas para ninguém.
Apresento se eu quiser”.
Recentemente, a direção da Polícia Federal pediu às 27
superintendências regionais para que forneçam todas as denúncias relacionadas a
supostas fraudes ocorridas em urnas eletrônicas. A informação foi publicada
inicialmente pelo jornal O Globo, e confirmada pelo UOL. A PF quer que todas as
denúncias recebidas desde a implantação do equipamento, em 1996, sejam
encaminhadas à Diretoria de Combate ao Crime Organizado (Dicor).
A PEC do voto impresso deve ser aprovada na Câmara de
Constituição e Justiça. No entanto, é provável que Bolsonaro venha a perder a
disputa para implantar o voto impresso como queria. Onze partidos, inclusive do
Centrão (aliado do presidente), já avisaram que não aprovariam a PEC caso ela
fosse para votação nos plenários do Congresso.
Caso se confirme, a derrota política de Bolsonaro significa
que o Brasil seguirá em 2022 com a urna eletrônica funcionando exatamente nos
moldes das últimas eleições.
Eis a sugestão leviana, sobre o presidente do STF, proferida
por Bolsonaro em 06/07/21, em encontro com apoiadores na saída do Palácio da
Alvorada: “A articulação feita pelo Barroso é não passar. O que ele está
oferecendo eu não sei, mas dá para você imaginar”.
Para o professor Carlos Melo, cientista político do Insper
em São Paulo, Bolsonaro seguirá com sua estratégia de apontar uma suposta falta
de transparência no sistema eletronico eleitoral brasileiro.
Melo diz que uma mudança no sistema de votação no Brasil
permitiria inúmeros pedidos de recontagem, como acontece nos EUA: “É
interessante que nos EUA o voto é em papel e o ídolo dele, Trump, também disse
que havia fraude”.
O funcionamento do sistema de contagem manual é de fácil
compreensão e lógica intuitiva. Trata-se da contagem mecânica, realizada por
seres humanos, de cedulas de votação armazenadas em urnas eleitorais. Assim,
fica a critério da avaliação subjetiva dos contadores de votos conferir ou não
validade. Com o voto eletrônico, é eliminada qualquer margem para achismos
humanos, decisões e julgamentos influenciados por partidarismo, ideologia ou
má-fé, evitando até mesmo a possibilidade de erro humano involuntário na
contagem das cédulas.
Num esforço para garantir cada vez mais a lisura e a eficiência
do processo, a Justiça eleitoral veio apliando o número de brasileiros
identificados pelas digitais. Nas eleições gerais de 2010, mais de um milhão de
eleitores de 60 municípios de 23 estados usaram a digital para se identificar.
Desde então, foram mais de 21 milhões de eleitores de 770 cidades de todos os
estados e do Distrito Federal; entre os municípios, pelo menos 15 capitais já
utilizaram o sistema biométrico, que começou a ser testado em 2008.
Ainda assim, contra toda a série de evidências e auditorias
comprovadas e atestadas, Jair Bolsonaro e seus apoiadores seguem impunes a
espalhar desconfianças caluniosas contra o sistema eleitoral brasileiro, a
conspirar abertamente, a menosprezar a Justiça.
Até quando?
Segundo a coluna da jornalista Mônica Bergamo na Folha de
São Paulo, a afirmação de Bolsonaro (que apresentará as tais provas “se eu
quiser”) foi recebida por ministros do TSE como mais uma bravata.
O prazo para a apresentação de algum tipo de evidência, para
sustentar o que diz, venceu no dia 6 de julho de 2021.
Alardear provas inexistentes pode até resultar na
inelegibilidade do atual ocupante da Presidência, afinal, estaria
comprovadamente propagando mentiras sobre o sistema eleitoral, sabotando um dos
mais importantes pilares da democracia.
Bolsonaro é um aspirante a ditador, a impunidade até agora
garantida pela PGR e pela Câmara o alimenta. Se ele seguir o atual padrão de
comportamento e seus apoiadores se comportarem a contento, realmente algo ainda
pior do que ocorreu nos EUA deverá acontecer no Brasil.
Referências
https://pt.wikipedia.org/wiki/Democracia
https://www.camara.leg.br/radio/programas/439742-a-historia-do-voto-no-brasil-da-primeira-eleicao-ao-voto-secreto/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Coletor_eletr%C3%B4nico_de_voto
https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-urna-eletronica-20-anos-a-favor-da-democracia/rybena_pdf?file=https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-urna-eletronica-20-anos-a-favor-da-democracia/at_download/file
https://outline.com/UNvKkm
https://valor.globo.com/politica/noticia/2019/12/13/forcas-armadas-poderao-fiscalizar-urnas-diz-tse.ghtml
TSE só agirá se resultado for impugnado, diz Weber sobre
comentários de fraude
https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2015/Novembro/plenario-do-tse-psdb-nao-encontra-fraude-nas-eleicoes-2014
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/05/audios-mostram-versao-de-aecio-para-pedido-contra-chapa-dilma-temer
https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Outubro/tse-determina-exclusao-de-video-em-que-jair-bolsonaro-critica-urnas-eletronicas
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/para-bolsonaro-eleicao-teve-fraude-e-ele-foi-eleito-em-1o-turno
https://oglobo.globo.com/epoca/guilherme-amado/juridico-do-planalto-nao-possui-documento-sobre-fraude-na-eleicao-24304770
https://outline.com/VhAgsz
https://www1.folha.uol.com.br/amp/poder/2020/04/um-mes-apos-acusacao-bolsonaro-nao-apresenta-nenhuma-suposta-prova-de-fraude-nas-eleicoes.shtml
Justiça dá 5 dias para Bolsonaro se manifestar sobre suposta
fraude nas eleições
Bolsonaro se recusa a apresentar provas sobre fraudes nas
eleições à Justiça
Redes bolsonaristas mentem mais sobre eleição
https://br.noticias.yahoo.com/news/justica-da-72-horas-governo-bolsonaro-explicar-acusacao-fraude-eleitoral-205447498.html
https://m.dw.com/pt-br/sem-voto-impresso-elei%C3%A7%C3%A3o-de-2022-ser%C3%A1-pior-que-a-dos-eua-diz-bolsonaro/a-56163441
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/11/lider-do-pt-anuncia-acao-para-tse-apurar-fala-de-bolsonaro-sobre-fraude-na-eleicao
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/01/07/pt-pede-ao-tse-investigacao-de-declaracao-de-jair-bolsonaro-sobre-fraude-eleitoral
https://www.cnnbrasil.com.br/amp/politica/2021/01/08/pgr-diz-que-precisa-de-fatos-e-provas-para-investigar-falas-de-bolsonaro
https://www.conjur.com.br/2021-jan-15/abi-explicacoes-bolsonaro-eleicoes
https://www.conjur.com.br/2021-mar-03/juiza-extingue-processo-bolsonaro-provar-fraude-eleicao
A matemática da urna
https://www.conjur.com.br/2021-abr-28/mpf-defende-bolsonaro-apresente-provas-fraude-eleicoes
https://www.conjur.com.br/2021-mai-06/bolsonaro-nao-explicar-alegacao-fraude-2018
https://www.cnnbrasil.com.br/amp/politica/2021/06/18/sem-provas-bolsonaro-diz-que-aecio-neves-venceu-eleicao-em-2014
https://www.conjur.com.br/2021-jun-21/bolsonaro-explicar-falas-fraude-urnas-tse
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/06/21/tse-da-15-dias-para-bolsonaro-explicar-declaracoes-sobre-fraudes-em-urnas.htm
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/06/4932758-corregedor-do-tse-da-15-dias-para-bolsonaro-provar-fraude-nas-eleicoes.html
http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/pgr-cumpre-com-seus-deveres-constitucionais-em-meio-a-pandemia
Gilmar Mendes é sorteado relator de ação que pede que
Bolsonaro prove fraude nas eleições de 2014 e 2018
https://noticias.r7.com/brasil/bolsonaro-promete-apresentar-provas-de-fraudes-nas-eleicoes-26062021
https://www.brasildefato.com.br/2021/06/28/gabinete-de-bolsonaro-admite-nao-ter-provas-sobre-suposta-fraude-eleitoral-em-2018
https://www.gazetadopovo.com.br/republica/breves/apresento-se-eu-quiser-diz-bolsonaro-apos-tse-pedir-provas-de-fraudes-em-urnas-eletronicas/
https://www.aosfatos.org/noticias/facebook-exibiu-anuncios-de-defesa-do-voto-impresso-ao-menos-22-mi-de-vezes-em-2021/
Mentiras sobre fraude eleitoral podem deixar Bolsonaro
inelegível
https://www.brasildefato.com.br/2021/06/16/desconstruindo-mentiras-urna-eletronica-e-auditavel-e-mais-segura-que-voto-impresso
https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-acusa-barroso-de-articular-contra-voto-impresso-da-pra-imaginar-o-que-ele-esta-oferecendo/
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/07/apesar-de-bravata-magistrados-acreditam-que-bolsonaro-nao-desafiara-o-tse.shtml
Defendido por Bolsonaro, voto impresso tem histórico de
derrotas
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57726086
https://www.pragmatismopolitico.com.br/2021/07/voto-impresso-ou-fraude-bolsonaro.html
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