A influencer Ygona Moura, de 22 anos, bombou na internet nos últimos meses. Motivo: ela postava vídeos debochando da pandemia e falando coisas como: "partiu aglomeração", "estou louca para aglomerar." Ontem, depois de dias na UTI, Ygona morreu devido a complicações do Coronavírus. A morte da influenciadora parece uma daquelas fábulas infantis, onde uma criança se perde na floresta depois de ser alertada que poderia se dar mal.
Mas infelizmente não é uma historinha da carochinha. Mas é real. E triste. Ygona era uma mulher travesti, preta, gorda e da periferia. A moça de 22 anos é uma das 220 mil vítimas de Coronavírus no Brasil, um país que sofre uma segunda onda pesada e tem um dos piores manejamentos da crise do mundo, com um presidente que também ri do isolamento e promove aglomerações.
Sim, o clima é de desespero. E às vezes reagimos ao horror de maneiras bizarras. Prova disso: assim que a morte da influencer foi anunciada, as redes sociais foram tomadas por piadas, ondas de "bem feito" e uma quase celebração macabra. "Vamos celebrar epidemias. É a festa da torcida campeã", cantava Renato Russo na música Perfeição, atualíssima. O clima parece esse, uma celebração do horror com festa, velório e caixão. E isso alivia a dor? Serve para quê?
Sim, eu também achei o fim da picada os vídeos da influenciadora falando "partiu aglomerar". O que ela fez foi irresponsável e egoísta. Além de se arriscar, colocou outras pessoas em risco. Um absurdo. Eu também me irrito com esse tipo de atitude inconsequente, principalmente quando isso é pregado como um estilo de vida. Ygona errou e muito. Mas ela morreu. Para o que vai servir continuar atirando pedras na garota de apenas 22 anos? E ei, com a idade dela vocês também não faziam bobagem e flertavam com a morte?
Ygona tomou muita pedrada a vida toda. Ela vai continuar sendo atacada?
Depois que soube da morte da influenciadora, fui ver o seu canal de Youtube. O que vi ali foi uma jovem com uma história de vida difícil tentando sobreviver. Ela tinha problemas financeiros, problemas com a família, tomava bullying. Em um dos vídeos, ela conta que estava sem casa porque foi atacada pelo irmão na casa da mãe com uma faca.
Não era nada fácil ser uma Ygona. E, principalmente, sobreviver. O Brasil é o país onde mais travestis são mortos no mundo. Só em 2019, aconteceram 124 assassinatos. O risco de ser vítima de homicídio no Brasil sendo uma mulher negra é 64% maior do que o de mulheres brancas. No caso de homens, o número cresce para 74%. Só o fato de ela existir já era um risco. Infelizmente.
No meio dos ataques a Ygona na Internet, alguns tweets de pessoas que entendem mais a situação da jovem que eu trouxeram uma luz.
"Ela merecia ter desfrutado de mais amor. É muito fácil criticarem ela e não terem nada a ela nenhum amparo", disse Tati Quebra Barraco. Paulo Vieira perguntou, chocado: "celebrar a morte de quem foi vulnerável a vida toda? A cantora Jup do Bairro foi no ponto: " nunca se preocuparam com pessoas como ela, como eu. Para quem nunca teve nada, a fama, dinheiro e a possibilidade de sentir viva bate diferente pra muitos corpos, infelizmente pra ela foi em um cenário trágico".
É isso mesmo. Ygona será lembrada.
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