Foram encontradas 50 perfurações de bala nos corpos dos dois mortos que eram perseguidos por suspeita de assalto na última quarta (9). Sargento e soldado foram presos no domingo (13) por decisão da Justiça Militar depois que vídeo mostrou agentes disparando sem que rapazes tivessem atirado antes.
Por Kleber Tomaz e Vivian Reis, G1 SP — São Paulo
Dois policiais militares foram presos neste domingo (13), por decisão da Justiça Militar, por suspeita de perseguirem e executarem dois homens, com aproximadamente 30 tiros, dentro de um carro parado na Zona Sul de São Paulo. As vítimas eram suspeitas de assalto. Elas não deram um tiro sequer, mas foram encontradas mortas com 50 perfurações de balas pelos corpos.
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O caso ocorreu na última quarta-feira (9), mas o crime só chegou ao conhecimento das autoridades após um vídeo, gravado por uma testemunha e que circula nas redes sociais, mostrar os agentes da Polícia Militar (PM) atirando contra os dois rapazes suspeitos dentro do Onix branco da Chevrolet (veja acima). O veículo havia sido roubado juntamente com os pertences dos proprietários.
O sargento André Chaves da Silva e o soldado Danilton Silveira da Silva, ambos do 1º Batalhão da Polícia Militar (BPM) foram presos e estão detidos no Presídio Militar Romão Gomes, na Zona Norte da capital. As prisões preventivas deles foram decretadas pelo juiz Ronaldo João Roth, do Tribunal de Justiça Militar (TJM), a pedido do Ministério Público Militar (MPM) e da Corregedoria da PM.
O G1 não conseguiu localizar as defesas dos dois policiais presos para comentar o assunto até a última atualização desta reportagem. Em seus depoimentos à Polícia Civil e a Corregedoria da corporação, eles haviam alegado que atiraram porque os suspeitos estavam armados e resistiram a abordagem policial. Um deles, segundo os agentes, chegou a atirar, mas o tiro não saiu.
Os dois homens mortos pelos policiais não tinham passagens criminais anteriores e aparecem como 'pardos' no boletim de ocorrência do caso. Felipe Barbosa da Silva tinha 23 anos e não teve a profissão informada pela investigação. Ele estava no banco do motorista e teve 27 perfurações de balas. Segundo o sargento e o soldado que atiraram, Felipe estava com um revólver calibre 38 com numeração raspada
PMs atiram dentro de carro e matam dois suspeitos: um no banco da frente e outro no traseiro. Para Ouvidoria da Polícia há suspeita de execução pelas imagens — Foto: Reprodução/Redes sociais
Vinicius Alves Procópio, de 19 anos, estava no banco traseiro e teve 23 lesões por tiros. Ele era estudante. De acordo com os dois policiais que disparam, Vinicius tentou atirar com um revólver calibre 32, mas o tiro falhou. A arma também tinha a numeração adulterada.
Prisões dos PMs
"Na apuração do envolvimento dos investigados, há prova do fato delituoso, apuradas por meio das imagens da ocorrência e dos depoimentos das testemunhas", escreveu o juiz Roth, na sua decisão pela decretação das prisões dos dois policiais.
"Os fatos são gravíssimos, pois ocorreu a morte de dois civis, Felipe e Vinícius, com mais de 20 disparos em cada, sendo alvejados antes mesmo que pudessem sair do veículo. Por outro lado, os próprios policiais envolvidos declararam que não ouviram disparos por parte dos civis", informa trecho do documento do TJM.
"Houve excesso por parte dos investigados que, na condição de policiais militares, se afastaram do seu dever funcional, com a abordagem de veículo em descumprimento ao POP [Procedimento Operacional Padrão], realizando aproximadamente 15 (quinze) disparos cada, causando 27 (vinte e sete) perfurações em um civil e 23 (vinte e três) perfurações no outro, colocando em dúvida a credibilidade da instituição Polícia Militar, o que, demonstra a necessidade da prisão para a garantia da ordem pública", escreveu o magistrado.
"Há também a suspeita de eventual fraude processual que possa ter ocorrido ao serem esses dois revólveres localizados na posse dos infratores, implantados na cena de crime", comentou o juiz Roth, na sua decisão.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), as investigações seguem pela Corregedoria da PM e pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil.
Vídeo
Elizeu Soares Lopes, ouvidor da Polícia de São Paulo — Foto: Vivian Reis/G1 SP
O vídeo que circula nas redes sociais mostra dois policiais militares atirando dentro de um carro em Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo, na noite de quarta-feira (9). Os dois suspeitos que estavam dentro dele foram mortos. Segundo os agentes da Polícia Militar, os homens haviam cometido um assalto, roubando pertences de um carro e estavam fugindo no veículo onde foram mortos.
Depois, de acordo com a PM, eles reagiram à abordagem policial, apontando armas para os agentes, que atiraram para se defender e mataram os dois.
O ouvidor da Polícia, Elizeu Soares, analisou as imagens e disse haver suspeita de execução na ação policial contra os suspeitos. Segundo ele as cenas mostram somente os PMs atirando e não registraram nenhuma suposta troca de tiros para justificar a reação dos agentes.
"Pelas imagens há suspeita de execução e isso tem que ser apurado. Não há justificativa plausível para aquele desfecho com tiros pelos policiais”, afirmou Elizeu, neste domingo (13), ao G1. “Ao meu ver, pelas imagens, teve ilegalidade.
Elizeu comentou ainda que irá pedir ao governo de São Paulo que acelere a implementação do uso das câmeras de monitoramento nos uniformes dos policiais.
“Tenho certeza de que se esses policiais estivessem com as câmeras acopladas aos uniformes, o desfecho desse caso teria sido outro”, falou o ouvidor. “O Estado de direito não comporta justiçamento. Câmeras protegem vítimas e policiais. Protegem a todos”.
Direitos humanos
Advogado Ariel de Castro Alves, do Grupo Tortura Nunca Mais — Foto: Arquivo/Roney Domingos/G1
Já o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos e segurança pública pela PUC- SP e membro do Grupo Tortura Nunca Mais, as imagens mostram que a versão dos policiais de que os acusados não se renderam, não se sustenta.
"Da mesma forma quanto ao confronto com o segundo acusado, que estaria na parte traseira do carro, que teria efetuado disparos contra os policiais. Pelas imagens, apenas os PMs efetuam disparos", disse Ariel.
O advogado falou ainda que os PMs, de acordo com as imagens, "em nenhum momento aparecem em posição de proteção diante de qualquer tipo de disparo ou agressão". "Eles se posicionam como se os jovens estivessem desarmados e já rendidos. O posicionamento deles é claramente de ataque e execução", diz o advogado.
"Quem é suspeito de cometimento de crime deve ser detido e não executado", afirma o especialista.
O caso
De acordo com a secretaria, os policiais deram voz de parada a dois homens suspeitos de participar de um roubo momentos antes. Eles teriam levado os objetos de um veículo e fugido em outro automóvel.
Os homens, a bordo de um Onix branco, fugiram pelas ruas do bairro até colidirem com um poste de sinalização. Diante de uma nova tentativa de abordagem, segundo a PM, um dos suspeitos mostrou a arma para os policiais e o outro disparou, mas o tiro falhou. Em seguida, os policiais dispararam, de acordo com eles, para se protegerem.
O Boletim de Ocorrência (BO) foi registrado na Divisão de Homicídios do DHPP como "roubo, lesão corporal na direção de veículo automotor e homicídio decorrente de intervenção policial". Foi requisitada perícia ao local e às armas apreendidas com os suspeitos e com os PMs.
Ainda segundo o registro feito no Departamento de Homicídios, "não se verifica aparente ilegalidade na conduta dos policiais militares, que provocaram a morte dos suspeitos". Segundo os policiais civis, o que foi analisado até o momento é de que os agentes agiram em "legítima defesa".
O BO também informa que foram apreendidos com os suspeitos e dentro do veículo: máquina de cartões bancários e cartões de banco, R$ 1.000,15 em dinheiro, relógio e uma aliança. Ainda foram encontrados duas armas com numerações raspadas, munições e canivete.
Veja a íntegra da nota da PM:
"O Comando da Polícia Militar prendeu preventivamente, na noite de domingo (13), os policiais envolvidos na ocorrência. A corporação havia solicitado a prisão à Justiça Militar, que atendeu ao pedido. Os agentes foram encaminhados ao Presídio Militar Romão Gomes. As investigações prosseguem pela Corregedoria da PM e pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). A Polícia Militar não compactua com desvios de comportamento e se mantém diligente em relação às denúncias ou indícios de transgressões ou crimes cometidos por seus agentes".
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