sábado, 10 de abril de 2021

'Não vale de nada ser a primeira vereadora negra se eu for a última', diz Carol Dartora

Em entrevista a Breno Altman, vereadora de Curitiba pelo PT explicou como o feminismo negro e interseccional se traduz na criação de políticas públicas

CAMILA ALVARENGA

Madri (Espanha)


No programa SUB40 desta quinta-feira (08/04), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou Ana Carolina Dartora (PT), historiadora e primeira mulher negra a ser eleita vereadora em Curitiba.

“Venho compreendendo que essa representação é muito maior do que eu imaginava. Curitiba nunca tinha eleito uma mulher negra para nada e isso mostrou que a política não precisa ser só de homens. Mas representatividade por representatividade não é muito efetiva. Precisa ser um agente de transformação: não vale de nada ser a primeira vereadora negra se eu for a última. Preciso pavimentar o caminho para que outras venham”, afirmou.


A vereadora contou ter sofrido racismo a vida inteira morando na capital paranaense, mas se deu conta, de fato, do racismo estrutural quando foi morar na Itália e, depois, na Bélgica. Lá, ela viu que era percebida de maneira diferente, podendo circular pelos espaços mais livremente. Enquanto isso, “em Curitiba teve um episódio de jovens negros serem proibidos de andar no shopping”.

Diante dessa realidade, ela é taxativa: “Eu acredito que, enquanto a gente não superar o racismo no Brasil, a gente não supera nenhuma outra coisa. E não acho possível superar o racismo sem superar o capitalismo”.

Por isso, Dartora afirmou que pretende continuar fazendo os enfrentamentos e denúncias necessárias - e que não vai se calar “diante de ameaças”. Ela revelou já ter sofrido ameaças de morte e disse que os ataques nas redes sociais são constantes, além do desdém diário que enfrenta na Câmara, onde “escuto que as minhas pautas são menos relevantes”.

Convertendo feminismo negro em políticas públicas


“Sou feminista negra, mas não só porque sou negra. Gosto de dizer isso para que as pessoas naturalizem que o feminismo negro é o feminismo interseccional, porque foram as feministas negras que trouxeram o conceito. Na política, isso significa ter o olhar de classe, raça e gênero sem hierarquizar essas opressões”, explicou.

A vereadora deu um exemplo prático da importância do olhar interseccional na hora de realizar políticas públicas. Ela descreveu duas medidas para lutar contra a violência de gênero no Paraná: a criação de boletins de ocorrência eletrônicos e uma campanha de criação de botões de pânico nos condomínios.

“O feminismo interseccional me permite, por olhar essas três chaves, saber que uma mulher negra da periferia talvez não tenha acesso à internet, ou não more num condomínio. Então temos que fazer políticas mais articuladas, que compreendam as diversidades e diferenças”, reforçou Dartora.

É por isso que atualmente ela luta pela aprovação de projetos como o de maior celeridade em processos de violência doméstica. “Precisamos coordenar as instituições para que uma situação de violência machista não acabe em feminicídio, porque a gente vê que a demora entre fazer denúncias, mover a mulher de casa, transferir os filhos de escola agrava o caso, vira feminicídio. E são as mulheres negras as que mais sofrem feminicídio”, ressaltou.


‘Já quero fazer campanha para Lula’


Diante de uma realidade de desmonte de políticas públicas, como Dartora expôs, as eleições de 2021 geram muita expectativa: “Eu já quero fazer campanha para o Lula”. A reabilitação eleitoral do ex-presidente, no entanto, não é o único motivo. A historiadora avaliou como positivo o resultado das eleições municipais de 2020, elegendo mulheres negras e trans, apontando para uma mudança na mentalidade popular.

“Isso também acho que oxigenou os partidos de esquerda. Acho que pode gerar um ambiente para a criação de programas de fato emancipatórios, populares e participativos. Mas com um pouco mais de estratégia”, ponderou.

A vereadora defende dar continuidade aos programas do PT, quando o partido esteve no governo nacional, como as cotas nas universidades públicas e programas de renda que beneficiam diretamente mulheres, como o Bolsa Família. "Acredito que, se o PT tivesse tido mais tempo, poderia ter avançado mais”, disse.


Além disso, ela argumentou sobre a necessidade de se analisar o uso das novas mídias, as redes sociais, para tê-las como ferramenta, seja durante o período eleitoral, ou já no governo.

Opera Mundi: 'Não vale de nada ser a primeira vereadora negra se eu for a última', diz Carol Dartora

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