Processo criminal da tragédia em Brumadinho
pode voltar à estaca zero
Possível federalização do caso anularia
setenças da Justiça estadual
Publicado em 25/01/2022 - 07:02 Por Léo Rodrigues –
Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro
Passados exatos três
anos da tragédia em Brumadinho (MG), a tramitação do processo criminal pode
voltar à estaca zero depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
considerou, mais de uma vez, que a Justiça estadual não tem competência para
analisar o caso.
O processo seria assim
federalizado, o que ainda será analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Se a decisão for mantida, atos processuais já realizados serão anulados.
A Associação dos
Familiares de Vítimas e Atingidos (Avabrum) tem manifestado receio de que
ninguém seja responsabilizado pelo rompimento da barragem. Nesta segunda-feira
(24), Brumadinho assistiu uma carreata por justiça e contra a impunidade. Hoje
(25), às 11h, ocorre, na entrada da cidade, um ato em memória dos parentes de
pessoas que morreram na tragédia.
O site da
entidade mantém no ar uma nota contra a posição do STJ.
"O crime aconteceu aqui em terras mineiras e não há motivo para a
federalização do processo. Os responsáveis por esse crime odioso querem
escolher quem vai julgá-los e isso é inaceitável. Não cabe ao réu escolher o
foro de seu julgamento", diz o texto divulgado pela Avabrum.
A tragédia de Brumadinho
ocorreu em 25 de janeiro de 2019, quando a ruptura de uma barragem da mineradora
Vale deixou 270 mortos e provocou degradação ambiental em diversos municípios
mineiros. A Avabrum contabiliza 272 óbitos levando em conta os bebês de duas
mulheres que estavam grávidas.
Histórico
O processo que tramitava
na Justiça estadual teve início em fevereiro de 2020, quando foi aceita a
denúncia oferecida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Foram
responsabilizadas 16 pessoas, sendo 11 funcionários da Vale e cinco da Tüv Süd,
consultoria alemã que assinou o laudo de estabilidade da estrutura que se
rompeu. Tornadas réus, elas respondiam por homicídio doloso e diferentes crimes
ambientais. As duas empresas também eram julgadas.
Diante da complexidade
do caso, a tramitação do processo seguia um ritmo lento. Apenas em setembro do
ano passado havia sido finalmente aberto prazo para que os réus apresentassem
suas defesas. Como a denúncia é extensa, a juíza Renata Nascimento Borges deu a
eles 90 dias. Ela também havia concordado que os espólios de 36 vítimas
atuassem como assistentes da acusação do MPMG.
No entanto, após um ano
e oito meses de tramitação, esse processo perdeu a validade em outubro em 2021,
quando os cinco integrantes da sexta turma do STJ entenderam, de forma unânime,
que o caso não é da competência da Justiça estadual.
Ouça na Radioagência Nacional:
Eles consideraram que o julgamento deveria ser federalizado por
envolver acusação de declarações falsas prestadas à órgão federal,
descumprimento da Política Nacional de Barragens e por possíveis danos a sítios
arqueológicos, que são patrimônios da União.
O julgamento no STJ se
deu a partir de um habeas corpus apresentado
pela defesa do ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, que era um dos réus. A
tese de incompetênca da Justiça estadual foi aceita mesmo sob discordância do
Ministério Público Federal (MPF), que se alinhou ao entendimento do MPMG.
“Não há descrição de
crime federal, não há crime federal, não há bem jurídico da União atingido aqui
na denúncia”, disse no julgamento a subprocuradora-geral da República, Luiza
Frischeisen.
O mesmo STJ já havia, em
junho de 2020, julgado um conflito de competência e mantido o processo na
esfera estadual. Na época, os integrantes da terceira sessão negaram, por sete
votos a um, outro pedido que havia sido formulado pela defesa de Fábio
Schvartsman.
Entre os ministros que
participaram de ambos os julgamentos, dois mudaram de opinião: Laurita Vaz e
Rogerio Schietti Cruz, que votaram em 2020 por manter o caso na Justiça
estadual, concordaram no ano passado em remetê-lo à Justiça federal.
O MPMG ainda tenta
reverter a decisão, mas seu primeiro movimento não foi bem sucedido, já que o
STJ não reconsiderou seu posicionamento e confirmou a federalização do caso.
Diante da situação, foi apresentado recurso ao STF, que ainda não marcou data
para analisar a questão.
Para o procurador-geral
de Justiça do MPMG, Jarbas Soares Júnior, houve uma inversão de papéis.
"Não houve um conflito de competência entre os juízos e o MPF não
reivindicou a sua atribuição. O advogado do réu é que está dizendo que teria
crimes federais", disse ele à Agência Brasil.
Caso a federalização
seja confirmada, o MPMG ficaria sem poder atuar no caso. Essa papel agora
caberia ao MPF e o processo recomeçaria do zero. Os acusados na esfera estadual
perderiam a condição de réus e uma nova denúncia precisaria ser apresentada.
Segundo Jarbas Soares
Júnior, o MPF teria autonomia de atuação e não existe nenhum acordo para que o
trabalho já realizado seja reaproveitado, embora acredite ser possível que isso
aconteça.
Procurado pela Agência
Brasil, o MPF respondeu em nota que não irá se pronunciar
enquanto a questão estiver sub judice e não
houver uma decisão definitiva. "Os autos nem vieram ainda para a Justiça
Federal porque a própria juíza estadual proferiu decisão no sentido de que só
os remeterá após o julgamento dos recursos", registra o texto.
Atraso
Além de lamentar o
atraso no processo causado por essa situação, os atingidos também temem que o
caso tenha, na Justiça federal, o mesmo tratamento do processo envolvendo a
tragédia em Mariana (MG) ocorrido em novembro de 2015.
No episódio, o
rompimento de uma barragem da mineradora Samarco deixou 19 mortos, destruiu
comunidades e causou impactos socioeconômicos e ambientais em dezenas de
municípios da bacia do Rio Doce.
Passados sete anos,
ninguém foi condenado. A maioria dos 22 denunciados pelo MPF foram excluídos do processo por
decisão judicial e apenas sete nomes ainda figuram como réus. Nenhum deles, no
entanto, responde mais pelos crimes de homicídio e lesões corporais. O
julgamento prossegue apenas para os crimes de inundação qualificada e
desabamento tipificados no Código Penal e por mais 12 crimes previstos no
Código Ambiental.
Bombeiros encontram locomotiva que era usada
pela Vale em Brumadinho - Divulgação/Corpo
de Bombeiros de Minas Gerais/Arquivo
Novos indiciamentos
A atuação do MPF frente
à Justiça federal poderá ser influenciada por um novo fator. Em novembro do ano
passado, a Polícia Federal anunciou a conclusão de seu inquérito e informou o
indiciamento de 19 pessoas por homicídio com dolo eventual, duplamente
qualificado por emprego de meio que resultou em perigo comum e de recurso que
dificultou ou tornou impossível a defesa das vítimas. Toda a documentação já
foi remetida ao MPF.
Os nomes ainda não foram
revelados e não é possível nesse momento saber quais são as divergências na
comparação com a lista dos 16 denunciados pelo MPMG. Quando moveram a ação em
fevereiro de 2020, os promotores estaduais trabalharam em parceria com a
Polícia Civil e consideraram que já existia farto material probatório, o qual
comprovaria os riscos assumidos deliberadamente pela Vale, pela Tüv Süd e por
seus funcionários.
As responsabilidades
sobre a tragédia também foram apuradas por comissões parlamentares de inquérito
(CPIs) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na Câmara dos
Deputados e no Senado. Todos os relatórios finais foram aprovados ainda em
2019.
O inquérito da Polícia
Federal era a última investigação ainda em andamento. Ele foi desmembrado em dois:
em setembro de 2019, sete funcionários da Vale e seis da Tüv Süd foram
indiciados por falsidade ideológica e uso de
documentos falsos. Eles teriam forjado relatórios de revisão
periódica e de inspeção de segurança e a declaração de estabilidade da
barragem, ignorando parâmetros técnicos.
Já os 19 novos
indiciamentos dizem respeito à segunda parte do inquérito focado na apuração de
crimes ambientais e contra a vida. Segundo a Polícia Federal, a investigação se
arrastou porque era preciso identificar claramente qual foi o gatilho da liquefação,
ou seja, o que fez com que sedimentos sólidos passassem a se comportar como
fluídos e sobrecarregassem a estrutura.
Em fevereiro de 2021, foram divulgadas informações preliminares da investigação: uma perfuração em um ponto crítico da barragem teria desencadeado a tragédia. A mesma conclusão apareceu em outubro do ano passado no relatório final de um estudo de modelagem e simulação por computador conduzido pela Universidade Politécnica da Catalunha, desenvolvido através de uma acordo firmado entre o MPF e a Vale. O procedimento, que estava sendo realizado no momento da ruptura pela empresa Fugro, tinha como objetivo instalar instrumentos para medir a pressão da água no solo.
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