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DESINFORMAÇÃO
Médicos que integram conselhos de Medicina administram grupo
antivacina no Facebook
Comunidade para profissionais de saúde em rede social
propaga fake news e piadas sobre vacinação contra coronavírus
Vinicius Konchinski
Brasil de Fato | Curitiba (PR) | 03 de Fevereiro de 2022 às
18:44
Médicos ligados a conselhos de Medicina atuam como
administradores e moderadores de um grupo de Facebook no qual circulam
mensagens antivacina. Esses profissionais, que ocupam cargos nas autarquias que
fiscalizam o trabalho de colegas, são autores de piadas postadas nesse mesmo
grupo zombando da imunização contra a covid-19, estratégia cientificamente
comprovada como a mais eficaz para controlar a pandemia.
O grupo controlado pelos médicos e no qual circulam as
piadas é o "Dignidade Médica". Foi criado em 2011 e originalmente
servia principalmente para troca de informações sobre rotina de trabalho entre
profissionais e estudantes de Medicina.
:: Sete dúvidas sobre a vacinação infantil que você precisa
tirar agora ::
Só médicos ou estudantes podem ingressar no grupo, que é
privado, mas possui mais de 93 mil membros. Ao solicitar a adesão,
profissionais devem, inclusive, informar o número do seu registro em conselhos
da categoria.
Apesar desse controle na entrada, segundo o próprio
Facebook, circulam no grupo publicações que violam os padrões de comunidade da
rede social. Ou seja, fake news.
Parte dessas postagens já foi banida pela rede social por
propagar informações falsas. Piadas com conteúdo antivacina e outras
publicações contra a imunização, no entanto, ainda circulam no grupo.
:: Médicos cearenses pedem renúncia de toda a direção do CFM
por endosso ao "tratamento precoce" ::
No final de dezembro, por exemplo, a médica Cecília Salles,
até então administradora do Dignidade Médica, fez um paralelo entre a eficácia
de vacinas e um anticoncepcional fictício, que só funcionaria caso o paciente
não tivesse relações sexuais.
Cecília é ginecologista, membro da Câmara Técnica de
Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Federal de Medicina (CFM) e primeira
secretária da delegacia de Niterói do Conselho Regional de Medicina do Estado
do Rio de Janeiro (Cremerj).
:: Mãe culpa vacina por morte do filho e ganha status de
“líder” entre bolsonaristas ::
No último dia 12, ela anunciou, no Dignidade Médica, que
suas postagens haviam tido seu alcance restringido pelo Facebook por um mês.
Junto com a mensagem, ela divulgou uma foto apontando que a restrição também
atingia o grupo que ela administrava.
Médica Cecília Salles anuncia em grupo no Facebook que teve
suas postagens na rede social restritas / Reprodução/Facebook
O Brasil de Fato enviou mensagem para Cecília pelo Facebook
e ligou para seu consultório para tentar ouvi-la sobre suas postagens. Ela não
respondeu. Após o contato da reportagem na segunda-feira (10), a médica deixou
de ser administradora do Dignidade Médica.
:: Quem tem direito ao teste rápido de detecção de covid-19
pelo plano de saúde? ::
Cecília é mãe do anestesiologista Yuri Salles Lutz. Lutz é
diretor do Cremerj e também atua como moderador de postagens do Dignidade
Médica.
Procurado pelo Brasil de Fato para comentar as postagens que
circulam ali, ele primeiramente informou que conversaria com outros membros do
grupo para se pronunciar. Depois, bloqueou o contato com a reportagem e deixou
a moderação do grupo.
Outro moderador do Dignidade Médica é Roberto de Castro
Meirelles, médico cardiologista. Ele é conselheiro do Cremerj.
Moderadores são usuários do Facebook que aprovam ou removem
postagens em grupos. Eles, por exemplo, poderiam evitar que circulassem ali
mensagens com conteúdo antivacina publicadas por outros membros do Dignidade
Médica. No caso de Meirelles e Lutz, não o fizeram.
Piada sobre eficácia da vacina contra covid-19 circula em
grupo de médicos em rede social/ Reprodução/Facebook
Postagem no grupo Dignidade Médica questiona com charge a
eficácia da vacinação contra covid-19 / Reprodução/Facebook
Procurado pelo Brasil de Fato, o Cremerj informou que não
tem relação com o Dignidade Médica e desconhece as postagens feitas ali. O conselho
regional declarou ainda ser “totalmente favorável” à vacinação contra a
covid-19, tendo, inclusive, sido pioneiro entre os conselhos profissionais do
país a oferecer a imunização para os médicos do estado do Rio de Janeiro.
:: Entenda como é feita a vacinação infantil pelo mundo e o
que dizem órgãos de saúde e estudos ::
O Cremerj também informou que qualquer falta cometida por
médicos deve ser denunciada e apurada com todo o rigor necessário.
Já o CFM informou que o grupo Dignidade Médica é privado e,
por isso, não teria acesso às postagens feitas ali.
Membro do governo
O secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, o
ginecologista Raphael Câmara, é outro membro ativo do Dignidade Médica, apesar
de não ser administrador nem moderador do grupo. Câmara também é conselheiro do
Cremerj.
Secretário do Ministério da Saúde, Raphael Câmara recebe
vacina do ministro Marcelo Queiroga / Reprodução/Facebook
No grupo, ele chegou a anunciar que havia denunciado um
colega ao Cremerj por conta de uma postagem em uma rede social sobre o
afastamento médico do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após suas férias,
em janeiro, devido a uma obstrução intestinal.
O Brasil de Fato procurou Câmara e o Ministério da Saúde em
busca de informações sobre a participação dele no Dignidade Médica. Eles não
responderam.
Também não se pronunciou o médico Francisco Cardoso,
administrador do grupo. Ele é um dos principais defensores do “tratamento
precoce” contra a covid-19, questiona com frequência a eficácia de vacinas e é
apoiador declarado de Jair Bolsonaro.
Médico Francisco Cardoso faz postagem em defesa do
"tratamento precoce" contra covid-19, o qual é ineficiente /
Reprodução/Facebook
Em depoimento à CPI da Covid, no Senado, no ano passado,
Cardoso disse ter sido “honrosamente convidado pelo Ministério da Saúde a
compor a equipe de profissionais responsáveis pela construção da Nota
Orientativa 17, sobre orientações para o tratamento inicial da covid-19, com
doses adequadas de hidroxicloroquina e cloroquina”.
Esse tratamento não tem eficácia contra a doença.
Médico Francisco Eduardo Cardoso Alves presta depoimento à
CPI da Covid no Senado, em junho de 2021 / Jefferson Rudy/Agência Senado
Cardoso, aliás, está com sua conta no Twitter suspensa por
conta da divulgação de fake news. Procurado, ele não respondeu à reportagem.
Bolsonarismo na medicina
O médico, filósofo e professor da Unisinos Marco Antonio
Oliveira de Azevedo disse ao Brasil de Fato que postagens e comportamentos de
médicos exibidos no Dignidade Médica não são exclusivos de membros do grupo.
Segundo ele, desde os anos 1990, tem crescido a resistência
de médicos a campanhas públicas de vacinação. Essa resistência cresceu com
respaldo do governo de Jair Bolsonaro, que já declarou não ter tomado o
imunizante contra covid-19. Chegou até a cúpula dos órgãos que representam a
classe médica, como os conselhos de medicina.
“Entre os médicos, a prevalência de opiniões críticas a estratégias
preventivas como o uso de imunização em detrimento de estratégias terapêuticas,
curativas, são muito frequentes. Não é a maioria, mas passa de 20% dos
médicos", afirmou Azevedo.
Ele diz ser contra esse tipo de terapias e apoia a
vacinação, considerando que dados científicos apontam para ela como a melhor
solução para a pandemia. Azevedo ressaltou, porém, que uma parte de seus
colegas insiste em estratégias que negam a ciência.
:: Por quanto tempo um paciente com covid deve se manter em
isolamento? Tire essa e outras dúvidas ::
Na quinta-feira (27), por exemplo, a coordenadora da
Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), Selma Kuckelhaus,
pediu demissão da instituição, que passou a exigir comprovante de vacinação de
trabalhadores e estudantes. Ela não se vacinou.
Azevedo disse também que conselhos de medicina dificilmente
conseguirão impedir que médicos negacionistas expressem sua opinião, ainda que
ela não esteja baseada na ciência. Ele, inclusive, não acredita que punir
colegas por postagens em grupos privados de discussão seja a melhor forma de
lidar com o problema.
Já Rosana Onocko, presidente da Associação Brasileira de
Saúde Coletiva (Abrasco) e professora da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), criticou as postagens de médicos contra vacinação e afirmou que elas
são faltas éticas. Deveriam, portanto, ser punidas.
“Nós [médicos] juramos na formatura que vamos defender a
vida e usar os melhores meios para isso”, declarou. “Esses médicos estão
iludindo quem não tem capacidade técnica de julgar os argumentos deles. Pessoas
mais simples acabam sendo iludidas”, considera.
Prejuízo à população
Para Rosana, essa ilusão acaba atrapalhando a campanha de
vacinação contra o coronavírus. “Alguns Estados têm pouca adesão de pais para
levar seus filhos à vacinação. E muito disso tem sido promovido
propositalmente”, disse.
O médico de família e comunidade Vinícius Ximenes Muricy da
Rocha, membro do da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, também
defende punição a quem posta contra a vacinação, ainda que em grupos privados.
Ele, que trabalha em unidade básica de saúde, disse que piadas sobre a eficácia
da vacina já atrapalharam muito o combate à pandemia no Brasil.5
“Isso não é só uma brincadeirinha de rede social, tem
repercussões coletivas. Se tem repercussões coletivas, tem implicações éticas”,
afirmou.
“Eu trabalho na atenção básica. A gente percebe os pacientes
muito confusos com opiniões divergentes de médicos, entre argumentos embasados
em evidências científicas e argumentos que são completamente baseados em
pseudociência”, relata.
::Nicolelis: “Com a taxa de transmissão que tem, ômicron vai
sufocar os sistemas de saúde"::
"Conteúdo privado"
Olavo Vianna é administrador do Dignidade Médica. Ele, que
também é membro do grupo Médicos com Bolsonaro, foi o único da comunidade que
respondeu aos questionamentos do Brasil de Fato sobre as postagens que circulam
no grupo.
Disse que os temas
discutidos na comunidade são privados e não podem ser debatidos fora dali para
que sejam respeitadas questões de sigilo inerentes à medicina.
A Meta, empresa que administra o Facebook, declarou que,
desde o início da pandemia, removeu mais de 20 milhões de posts em todo o
mundo, e mais de um milhão somente no Brasil, com conteúdos falsos sobre
covid-19 e vacinas que poderiam causar danos às pessoas.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
https://www.brasildefato.com.br/2022/02/03/medicos-que-integram-conselhos-de-medicina-administram-grupo-antivacina-no-facebook
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