Pessoas negras da Ucrânia denunciam que não conseguem fugir da guerra. A prioridade das Forças Armadas ucranianas é garantir que cidadãos brancos embarquem nos trens e ônibus. "Quando olho nos olhos dos que estão nos rejeitando, vejo racismo injetado; eles querem se salvar e estão perdendo sua humanidade no processo"
RACISMO NÃO
Imigrantes negros que vivem na Ucrânia estão denunciando a impossibilidade de fugir da guerra. Impedidos de embarcar nos trens para a Polônia, os africanos acusam as polícias e as Forças Armadas ucranianas de racismo. “A prioridade é que cidadãos brancos embarquem antes dos negros”, disse uma correspondente da BBC que está na fronteira.
A jornalista Stephanie Hegarty compartilhou um relato de uma estudante nigeriana que está na fronteira entre a Polônia e a Ucrânia: “Ela me disse que está esperando há 7 horas para atravessar. Ela conta que os guardas de fronteira estão parando os negros e mandando-os para o final da fila, dizendo que eles têm que deixar os ‘ucranianos’ passar primeiro”.
Outra jovem negra afirmou em suas redes que, nas estações de trem em Kiev, estavam sendo evacuadas “as crianças primeiro, as mulheres em segundo, os homens brancos em terceiro, então se sobrar algo pode ser ocupado por africanos”.
Vídeos da discriminação estão sendo compartilhados. Os poucos imigrantes negros que conseguiram embarcar nos trens foram presos na Polônia e não receberam solidariedade ou foram tratados como refugiados de guerra. Assim como a Ucrânia, a Polônia também é governada pela extrema-direita e as células neonazistas no país são bastante representativas.
“Vejam como eles ameaçam atirar na gente! A polícia e o Exército se recusaram a deixar os africanos atravessarem, só deixaram os ucranianos. Alguns dormiram aqui por dois dias nesse frio cortante, enquanto outros tiveram que voltar”, denunciou um outro imigrante negro.
Em resposta, governos como o da Nigéria divulgaram comunicados dizendo que foram informados de situações do tipo e condenaram o tratamento discriminatório. Um dos vídeos mostra uma mulher com um bebê de dois meses no colo, sentada no chão sob uma temperatura de 3 ºC, enquanto um homem não identificado afirma que ela não conseguiu passar pela fronteira, como outras mulheres com crianças.
Outra gravação, de um ativista britânico, mostra um grande número de jovens, todos negros, do lado de fora de um trem. “A face oculta dessa guerra é o racismo experimentado por muitos que estão fugindo.”
Em outro caso, a ministra das Relações Exteriores da Jamaica, Kamina Johnson-Smith, afirmou no Twitter que 24 estudantes jamaicanos estão sendo forçados a caminhar 20 km até a Polônia, após serem impedidos de embarcar em um ônibus que levava estudantes até a fronteira.
Após conseguir atravessar para a Romênia, uma estudante de medicina britânica negra conta, num vídeo, como foi recebida no setor de controle de passaportes na saída ucraniana. “Eram ucranianos primeiro, indianos depois, africanos por último. Tem tido muita segregação. É uma situação muito estressante.”
Brasileiros também relatam episódios de discriminação. O jogador de futsal Moreno Santiago contou, em um vídeo no Instagram, a saga que ele e outros dois amigos passaram para tentar embarcar em um trem em Kiev nesta segunda-feira (28).
No final, acabaram sendo empurrados para fora pelo maquinista, com palavras racistas. “Ele tinha aceitado nos levar, mas do nada nos colocou para fora. Ele empurrou o David para fora, o David se machucou. Ele não queria mais nos levar, quando viu que a gente é moreno, que tinha preto junto, ficou falando besteira, então não deu certo”, relatou.
Cidades sitiadas em toda a Ucrânia abrigam dezenas de milhares de estudantes africanos que estudam medicina, engenharia e assuntos militares. Marrocos, Nigéria e Egito estão entre os dez principais países com estudantes estrangeiros na Ucrânia, fornecendo juntos mais de 16 mil alunos, segundo o Ministério da Educação, citado pela agência Reuters. Milhares de estudantes indianos também estão tentando fugir.
Pai de três filhos, um nigeriano que vive na Ucrânia desde 2009 contou ao jornal The Independent que, no sábado, ele, familiares e outros imigrantes foram obrigados a desembarcar de um ônibus prestes a cruzar a fronteira. “Nenhum negro”, teriam dito militares. “Quando olho nos olhos dos que estão nos rejeitando, vejo racismo injetado; eles querem se salvar e estão perdendo sua humanidade no processo”, afirmou.
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