Com quase 35 enterros a cada 24 horas, cidade já fez mais de 2,6 mil sepultamentos em 2021; no ano passado, média diária ficou em 29,92
Com o número de enterros subindo mês a mês, a prefeitura acelera a abertura de covas. No Cemitério da Saudade, na Região Leste da cidade, de dezembro até essa terça-feira (23/3), foram abertos 96 espaços destinados a enterros em uma área de 1.200 metros quadrados que ainda pode ser aproveitada para receber mais jazigos de vítimas da epidemia viral.
Até o começo deste ano, considerando recorte iniciado em 2017, a média diária de funerais nos cemitérios geridos pela Prefeitura de BH passou de 30 em apenas 11 meses — seis deles em 2020. Em 2021, o índice geral já está em 34,42 e, em nenhum mês, ficou abaixo de 31.
Na pandemia, o recorde de cerimônias de despedida nas necrópoles públicas de BH ocorreu em julho passado, quando 1.280 corpos foram enterrados — média diária de 41,29 sepultamentos. Janeiro deste ano chegou perto, quando 1.114 covas foram ocupadas.
Desde abril do ano passado, foram disponibilizadas 9.690 gavetas — aproximadamente 3.200 jazigos, entre reformados e novos, nos cemitérios da Paz, Saudade e Consolação, de acordo com a Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica, autarquia responsável pela
No Bonfim, onde todos os jazigos são perpétuos, não houve ampliação. Em 2020, os quatro cemitérios municipais passaram a ter 50 coveiros — e não mais 35.
Em dezembro de 2020, antes das variantes do novo coronavírus terem desencadeado a atual saturação do sistema de saúde, o Cemitério da Saudade tinha perfurado 23 espaços para enterrar pessoas em uma área não utilizada, paralela à Rua Demétrio Ribeiro, no Bairro Saudade. Com a multiplicação das mortes, o cemitério municipal finalizou e já ocupou 46 túmulos, abriu oito novos e está em processo de perfuração de pelo menos mais 42 espaços, com o total de 96 túmulos desde o último mês do ano passado.
Nessa terça, três homens trabalhavam na construção dos túmulos no local. Além da perfuração das covas, os operários precisam fazer um revestimento de tijolos de concreto e reboco de cimento para o acabamento. Quando recebem os sepultamentos, os jazigos são então fechados por tampas de concreto e recebem placas com as informações dos falecidos.
“Não temos como precisar se os números irão permanecer aumentando, e por quanto tempo podem continuar na crescente. No que diz respeito aos cemitérios municipais, em março de 2020 traçamos um plano de ação com base em vários cenários possíveis da pandemia nos meses que viriam. Por isso, até hoje temos tido condições de adotar medidas imediatas para manter a qualidade do atendimento à população”, diz Sérgio Augusto Domingues, presidente da Fundação de Parques.
Cemitérios particulares também sentem mutações
No setor privado, os números também estão em curva ascendente. Entre solenidades comuns e cremações, o Parque Renascer, sediado em Contagem, promoveu, de janeiro a março, cerca de 220 sepultamentos e cremações mensais. No ano passado, a média foi de 164 eventos a cada 30 dias; em 2019, de 156.
O sistema funerário é a “ponta” de uma cadeia iniciada ainda nos hospitais. A taxa de ocupação de leitos de terapia intensiva, ontem, estava em 102,3%. As enfermarias de BH também registram alta movimentação, com 87,9% das vagas preenchidas.
Em 12 de março, quando o prefeito Alexandre Kalil (PSD) endureceu ainda mais as medidas tomadas para barrar o vírus, o infectologista Unaí Tupinambás, componente do Comitê Municipal de Enfrentamento à COVID-19, ressaltou que eventual caos no setor está condicionado ao descumprimento das ações restritivas.
“Se a gente não mudar o nosso comportamento, vai ter crise funerária. O Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, alugou um contâiner refrigerado para guardar os corpos de vítimas da COVID-19. Isso pode acontecer: a capacidade de enterrar ser menor que a demanda de corpos. Isso é muito grave”, alertou.
Ritos apressados
Nas necrópoles municipais, visitas a jazigos estão suspensas há um ano. A única exceção foi o Dia de Finados, em novembro, mas ante uma série de protocolos. Os cemitérios municipais também não têm promovido velórios — os sepultamentos são diretos, com a presença de, no máximo, 10 espectadores.Os corpos de vítimas da contaminação saem diretamente dos necrotérios para as funerárias e, de lá, para os cemitérios. Os enterros são rápidos, com os parentes mais afastados e os coveiros protegidos por macacões, máscaras sobrepostas, óculos, escudo facial e luvas.
“O maior foco tem sido priorizar as medidas sanitárias preventivas em todos os serviços públicos ofertados e, claro, desejando e acreditando sempre no melhor desfecho”, esperança Sérgio Augusto Domingues, da Fundação de Parques.
No Parque Renascer, ainda há velórios, mas as despedidas podem se estender por apenas duas horas. As capelas podem abrigar, simultaneamente, dez pessoas. Segundo Vinícius Lopes, diretor de marketing do cemitério, o plano de contingência montado por conta da pandemia faz com que, até aqui, não haja falta de vagas.
“Montamos uma estrutura de atendimento e operacional que garante a execução dos serviços e a realização dos velórios dentro dos horários previamente agendados, evitando fila de espera”.
Ausência de velórios 'facilita'
Os impactos no atendimento do setor funerário só não são maiores em Belo Horizonte, devido à vazão que os cemitérios conseguem dar à chegada de corpos para os enterros, com a quase ausência de velórios. É o que avalia o diretor operacional da Funerária Santa Rosa, João Vitor Rodrigues."Se isso não estivesse ocorrendo e ainda tivéssemos de preparar os corpos, o colapso do sistema já teria vindo, com acúmulo de enterros evelórios", observa.
De acordo com os cálculos do diretor, no início da pandemia, em 2020, o volume de enterros realizados sofreu uma ampliação da ordem de 20%. Neste ano, com a atuação das novas variantes do vírus, mais infecciosas e mortais, o número que já estava alto cresceu ainda mais 10%.
"Enfrentamos muitos problemas,como a aquisição de equipamentos de proteção individual, que encareceram muito, assim como o preço das urnas. Mas por enquanto conseguimos dar vazão".
Para ele, gargalos precisam ser observados com mais rigidez para impedir o colapso funerário. "Estamos de frente para o necrotério da Santa Casa e vemos muitos profissionais do serviço funerário manuseando os corpos e caixões sem a devida proteção de máscaras, luvas, óculos, aventais e outras medidas. Um funcionário que se contaminar pode iniciar um surto na empresa e estrangular o setor que já trabalha no limite", alerta o diretor operacional.
Outro ponto que pode também gerar um colapso no futuro, com o prolongamento do tempo para remoção dos corpos é o de fabricação das urnas funerárias, mais escassas e caras. Na semana passada, o Sindicato das Empresas Funerárias e Congêneres na Prestação de Serviços Similares do Estado de Minas Gerais (Sindinef) anunciou plano de contingência para a produção de um modelo padrão de caixões por até 60 dias, para evitar desabastecimento.
"Precisamos que as fábricas entendam que esse é um momento crítico e mantenham os preços acessíveis. Nós tivemos de fazer um estoque preventivo de 3 mil urnas, mas nem todos podem fazer isso", sustenta João Vitor Rodrigues.
O que é o coronavírus
Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
Vídeo: Por que você não deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp
Como a COVID-19 é transmitida?
A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.Vídeo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronavírus?
Como se prevenir?
A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.Vídeo: Flexibilização do isolamento não é 'liberou geral'; saiba por quê
Quais os sintomas do coronavírus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas gástricos
- Diarreia
Em casos graves, as vítimas apresentam:
- Pneumonia
- Síndrome respiratória aguda severa
- Insuficiência renal
Vídeo explica por que você deve 'aprender a tossir'
Mitos e verdades sobre o vírus
Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.Coronavírus e atividades ao ar livre: vídeo mostra o que diz a ciência
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Em decisão rara, estudante que chamou colega de ‘escravo’ é
condenado por racismo e injúria
23/03/21 por Caê Vasconcelos
“Eu espero uma mudança, que as pessoas entendam a
importância de denunciar [o racismo]”, aponta o estudante João Gilberto Pereira
Lima, 28; durante o processo, ele continuou na universidade e está no último
semestre de administração pública na FGV-SP
racismo universidades
Ilustração: Antonio Junião / Ponte Jornalismo
O estudante João Gilberto Pereira Lima, hoje com 28 anos,
estava no segundo semestre de administração pública na FGV (Fundação Getúlio
Vargas) quando denunciou o crime de racismo contra ele, em um grupo de
WhatsApp, em 6 de setembro de 2017. A mensagem, enviada pelo colega Gustavo
Metropolo, na época com 19 anos, dizia: “Achei esse escravo aqui no fumodromo!
Quem for o dono avisa”.
À esquerda print da conversa racista que foi usado como prova e à direita foto do aluno que mandou a mensagem | Foto: Reprodução
João Gilberto ficou sabendo da foto quando foi chamado pela
coordenação da faculdade para ser avisado de que uma foto dele, com duas alunas
brancas, tirada dentro da universidade, havia sido postada em um grupo de
WhatsApp por Gustavo.
Na decisão, assinada em 19 de março de 2021, a juíza Paloma
Moreira de Assis Carvalho, da 14ª Vara Criminal, do Tribunal de Justiça de São
Paulo, avaliou que a versão dada por Gustavo ficou “isolada” do restante dos
fatos, já que não teve “respaldo nas demais provas e elementos de convicção”,
além de se contradizer durante o processo. Por outro lado, apontou a juíza, as
versões de João Gilberto e das oito testemunhas de acusação, todas funcionários
da FGV, foram uniformes e lógicas.
Por isso, reforçou a magistrada, a versão de Gustavo, de que
não foi o responsável pela fotografia, postagem e mensagem, não convence.
“Restou comprovado que, por diversas vezes, o réu admitiu aos professores e
coordenadores da faculdade ter sido o autor dos fatos, chegando a dizer que
havia feito uma ‘monstruosidade’ e que eles estariam ‘perdendo tempo’ com uma
pessoa como ele”.
Por isso, decidiu a juíza Paloma Moreira de Assis Carvalho,
a conduta de Gustavo “se dirigiu tanto à coletividade quanto à vítima”. “Isso
porque no contexto em que publicada (grupo de amigos), dentro de uma
instituição renomada e voltada à classes abastadas da sociedade, observa-se a
intenção de segregar um aluno preto, que não ‘poderia pertencer’ àquele mundo”.
acompanhada de seu ‘dono’. Nesse contexto, com a postagem, o
autor diminuiu e ofendeu toda a coletividade de pessoas pretas, principalmente,
as que frequentavam a faculdade à época dos fatos”, continuou a juíza.
Ao ver João Gilberto abraçado com duas mulheres brancas,
apontou a magistrada, Gustavo “realizou a postagem depreciativa, atribuindo-lhe
inferioridade exclusivamente em razão de sua cor/raça para tanto, utilizando-se
do vergonhoso e dolorido histórico da escravidão”.
Quando veiculou a foto e a mensagem, para a juíza, Gustavo
“atingiu, não somente à vítima, que se viu exposta àquela situação, mas a todos
os alunos pretos e a toda uma sociedade que diariamente luta contra
preconceitos e clama por respeito e igualdade”.
Atualmente, João Gilberto está no último semestre do curso | Foto: Arquivo pessoal
Em entrevista à Ponte, João Gilberto, que agora está no
último semestre do curso, conta que ficou bem satisfeito com o desfecho do
caso. “A condenação é muito significativa porque abre precedentes para
condenação de dois crimes raciais: injúria e racismo. O que é uma sentença bem
rara”.
João Gilberto conta que veio do interior, da cidade de Rio
Claro, distante 178 km da capital, mas que percebe que, para seus colegas da
periferia, o choque de realidade é maior. “Muitas pessoas saem das periferias
para ir para a GV e têm as diferenciações de vivências no dia por estar em um
ambiente elitizado”.
“É muito difícil essa vida dupla e com certeza o impacto
teria sido muito maior se eu tivesse acabado de entrar e não tivesse
acolhimento. Foram mais meus colegas. Eu tive um grande apoio da coordenação do
meu curso, principalmente no início, mas a direção da instituição ficou devendo
bastante”, aponta.
Outro lado
A reportagem procurou a defesa de Gustavo Metropolo, feita pelos
seus pais, os advogados Ana Paula Metropolo e Caio Valério Metropolo Dias
Garcia. Por e-mail, Ana Paula informou que “a defesa irá recorrer da decisão”.
Em nota enviada à Ponte, a FGV diz que “não é parte na ação
e o réu já não é seu aluno desde logo após o evento”.
ATUALIZAÇÃO: Reportagem atualizada às 11h do dia 24/3 para
incluir posicionamento da defesa de Gustavo.
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