Com a perda de sustentação política, Bolsonaro usa a Polícia Federal e a Lei de Segurança Nacional para calar os críticos do seu governo. A estratégia é intimidar opositores e estimular as polícias dos estados a seguir a mesma conduta
Crédito: Ueslei Marcelino
Marcos Strecker, Ricardo Chapola e Eudes Lima
25/03/21 - 09h30
Desde a redemocratização, nunca as instituições foram tão
desafiadas quanto na era Bolsonaro. O presidente já tentou intimidar o STF
incitando a sedição. Questionou a lisura das eleições, preparando-se para um
futuro resultado desfavorável em 2022. Agora,à medida que sua popularidade
despenca e perde sustentação política, radicaliza sua estratégia. Quer calar os
críticos e a oposição recorrendo a um instrumento da ditadura, a Lei de
Segurança Nacional (LSN).
Divulgação
Estabelecida em 1983, a Lei de Segurança Nacional (LSN) foi
criada para proteger o regime militar que agonizava. Ela prevê crimes contra a
“ordem política e social”, como caluniar ou difamar os presidentes do Poderes,
imputando-lhes fato definido como “crime ou ofensivo à reputação”. Desde então,
nenhum presidente a havia usado para criminalizar a crítica. Bolsonaro faz
isso, e com método. Usa o governo federal e as polícias estaduais para atingir
professores, jornalistas, adversários e críticos em geral. Para se ter uma
ideia, o número de inquéritos com base nessa lei já cresceu 285% em relação às
gestões Dilma e Temer. A Polícia Federal tem “caçado” os críticos de Bolsonaro
pelo Brasil. Nesse mês, o sociólogo Tiago Costa Rodrigues, de Palmas (TO) , foi
intimado a prestar depoimento por produzir um outdoor comparando Bolsonaro a um
“pequi roído”, expressão típica da região do cerrado. Rodrigues conta que a
ideia surgiu a partir de um grupo de WhatsApp. De lá saiu a decisão de criar
uma vaquinha para custear dois painéis. A polícia começou a investigá-lo porque
um empresário da região, bolsonarista, fez uma denúncia. “A PF queria saber se
eu tinha intuito de ofender o presidente”.
“GENOCIDA” Manifestantes protestam contra o presidente Bolsonaro em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, no dia 19 de março (Crédito:Eraldo Peres)
Imprensa e políticos na mira
ALARME NO STF Presidente da Corte, Luiz Fux ligou para Bolsonaro e o questionou sobre a insinuação de estado de sítio (Crédito:Divulgação)
Rodrigues resolveu denunciar a ação ao notar o aumento de
número de casos semelhantes ao seu. Em Brasília, um grupo de manifestantes foi
preso por estender uma faixa de protesto na Praça dos Três Poderes, na
quinta-feira, 18. Ela continha uma charge do presidente próximo a uma suástica
e a mensagem: “Bolsonaro genocida”. Cinco foram detidos pela PM e encaminhados
para a PF, onde prestaram depoimento. Um era o microempresário Guilherme Martins
Peres, de 24 anos, que não é filiado a nenhum partido. “Eles tentaram encaixar
isso na LSN, porque estão tentando abafar uma coisa que não tem como abafar.
Bolsonaro é genocida, sim. Já está na boca do povo”, afirma. Para ele, “é
nítida a vontade da PF de tentar estar sempre do lado do presidente”. Disse que
o grupo já tinha usado o mesmo cartaz em outra manifestação e que só
acrescentaram a frase “Bolsonaro Genocida” depois do caso do youtuber Felipe
Neto. O influencer, famoso pelos vídeos para adolescentes, é outra vítima da
polícia política bolsonarista. A pedido de Carlos Bolsonaro, foi alvo de
investigação na Polícia Civil do Rio de Janeiro, com base na LSN, após fazer um
post chamando o mandatário de “genocida”. Não foi a primeira investida. O mesmo
delegado dessa ação já havia indiciado o youtuber por “corrupção de menores”.
O clã Bolsonaro está agindo coordenadamente. O deputado
Eduardo Bolsonaro processou a blogueira Tininha Mattos por ela ter publicado no
Instagram uma sequência de vídeos em que lamentava ironicamente ter perdido a
oportunidade de encontrar o presidente e seus filhos, que cumpriam agenda no
mesmo endereço dela no Rio. Em Uberlândia (MG), um jovem de 24 anos foi preso
depois de ter feito uma publicação no Twitter em que citava a ida de Bolsonaro
à cidade. Um dia antes, João Reginaldo da Silva Júnior escreveu nas redes:
“Gente, Bolsonaro em Udia amanhã… Alguém fecha virar herói nacional?”. Isso foi
interpretado como uma incitação ao crime. José Carlos Muniz, um dos advogados
que representa Júnior, disse que outras sete pessoas foram citadas no inquérito
por terem interagido com o post original. “São jovens. Pessoas simples. Estão
sendo criminalizados como se estivessem propagando uma insurreição”, disse
Muniz, que classifica a ação como intimidação. “Cria-se essa imagem de
cerceamento para evitar críticas ao governo. As pessoas vão desistindo de
postar, de se opor às políticas. E por medo”. A imprensa também entrou na mira
da PF, que abriu um inquérito contra o chargista Renato Aroeira e o jornalista
Ricardo Noblat pela produção e divulgação, respectivamente, de uma charge em
que Bolsonaro é associado a uma suástica. Políticos também viraram alvo. O
Ministério da Justiça pediu à PF para abrir inquérito contra Ciro Gomes (PDT),
em função de uma entrevista de novembro passado, em que critica os filhos do
presidente e se refere a ele como “ladrão”.
ENQUADRADO Chargista AAroeira foi investigado pela PF (Crédito:Divulgação)
A incursão para calar o dissenso despertou a reação de
advogados e de entidades da sociedade civil. O próprio youtuber Felipe Neto
recebeu o apoio de um grupo de advogados (Cala Boca Já Morreu) , que disse ter
reunido evidências de mais de 200 casos de pessoas intimadas, perseguidas ou
processadas. A Defensoria Pública e vários advogados acionaram o STF para pedir
o encerramento dos inquéritos e ações abertas com base na LSN, impetrando um
habeas corpus coletivo. Um dos autores, o advogado Leonardo David Quintiliano,
justifica: “Ao vermos que muitas pessoas, inclusive nós mesmos, poderíamos
sofrer representações e responder a inquéritos policiais com base em uma
aplicação nefasta da LSN e do Código Penal, decidimos nos prevenir”, disse. O
presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, afirmou que estudará uma forma de reagir
à escalada do uso da LSN. Sete juristas entraram com uma ação no STF pedindo a
alteração de dois dispositivos da LSN, seguindo uma outra peça protocolada pelo
PSB, que é mais abrangente. Para eles, os artigos (22 e 26) representam uma
“intervenção ilegítima no direito à liberdade de expressão”. Um dos autores é o
ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr. “Não é compatível que seja lesada a
segurança do País porque se faz uma crítica ao presidente. Só mesmo atos de
gravidade que coloquem em risco as instituições é que devem ser considerados”,
afirma. Associações já pediram para entrar como parte interessada nesse
processo (ADPF 799), que pode se tornar o caminho mais rápido para uma mudança
na LSN.
LSN para uso político
O entendimento de que a LSN precisa ser atualizada é antiga,
e agora, ganha urgência. Ela precisa ser adequada à Constituição de 1988. Há 23
propostas de alteração no Congresso. É praticamente consenso de que ela, ou uma
norma que a substitua, é importante para a defesa do Estado de Direito. Basta
lembrar que a própria LSN foi utilizada pelo STF em dois inquéritos
fundamentais para limitar a ameaça golpista de grupos bolsonaristas, no ano
passado: os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. “O presidente
não entendeu a LSN e a levou para a pessoa física. Ela deve proteger o Estado,
e não a pessoa. Está sendo usada de forma equivocada”, diz Márcio Coimbra,
cientista político da Universidade Mackenzie.
OPERADOR O ministro da Justiça, André Mendonça, coordena a ofensiva policial contra os opositores do governo (Crédito:Pedro Ladeira)
O uso excessivo e indevido dessa lei durante o governo
Bolsonaro “só ajuda a expor os seus traços autoritários”, diz a cientista política
Ariane Roder, da Coppead/UFRJ. Desde a posse, o presidente tem seguidamente
apoiado manifestações antidemocráticas. Continua agindo assim. No dia 21, visou
os governadores. Sugeriu que são “tiranos tolhendo a liberdade “ e disse que
“estão esticando a corda”. Dois dias antes, havia insinuado que poderia
decretar um estado de sítio para impedi-los de adotar medidas de restrição
contra a pandemia. Afirmou que “vai chegar o momento” em que o governo vai ter
de tomar “uma ação dura”. Em Brasília, a declaração foi interpretada como uma a
ameaça real. O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, alertou o presidente do
STF, Luiz Fux, que entendeu a gravidade da insinuação. Ligou para Bolsonaro e o
questionou. O presidente negou, e disse que havia entrado com uma ação na Corte
contra decretos dos governadores do Distrito Federal, Rio Grande do Sul e da
Bahia. Bolsonaro tinha entrado com uma ação nesse mesmo dia para derrubar essas
medidas emergenciais. Seu pedido, que agride o bom senso e prejudica a luta
desesperada para salvar vidas, foi refutado pelo ministro Marco Aurélio Melo.
Ele ressaltou que estados e municípios têm competência para adotar medidas de
enfrentamento da pandemia e deu um recado duro ao presidente: “Em meio à
democracia, é imprópria uma visão totalitária”.
DEFESA DE MANIFESTAÇÕES “Não pode haver inibição à liberdade de crítica”, diz general Santos Cruz (Crédito:STEPHANIE AGLIETTI)
Bolsonaro incumbiu o ministro da Justiça, André Mendonça, de
ser o operador da intimidação. Sob sua batuta, a atuação da PF ganhou um perfil
novo de repressão a manifestações, o que já incomoda a Associação de Delegados
da PF (ADPF), pela visão de que ela está atuando politicamente. A estratégia é
intimidar os críticos e estimular as polícias dos estados a seguir a mesma
orientação. Não é apenas a PF que está atuando, como se viu em Uberlândia e no
caso de Felipe Neto. Mas é ela que está centralizando, por seu papel
estabelecido na LSN. Não é de hoje que o presidente dá sinais de que pretende
criar uma polícia própria, focada principalmente em proteger a si mesmo, sua
família e seus amigos. Na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020, já
tinha exposto claramente que queria essa seria sua intenção. Ministros de
Cortes Superiores avaliam que a atuação de Mendonça seria uma forma de ”mostrar
serviço a Bolsonaro”, porque é o predileto do presidente para assumir a vaga no
STF que se abrirá em julho. “Hoje é o nome mais forte pelo que escuto aqui no
tribunal”, diz um ministro do STJ. Uma versão veiculada na pasta da Justiça dá
conta de que são poucos os inquéritos e fazem alusão a algum tipo de “atentado
físico” a Bolsonaro.
Essa explicação não se sustenta. Além disso, o próprio
histórico do presidente a desmente. Bolsonaro, afinal, foi expulso do Exército
em um episódio nebuloso em que ele mesmo teria tramado um atentado terrorista.
Em 1999, defendeu o fechamento do Congresso e a morte de “uns 30 mil”. Já
avalizou a tortura várias vezes. Pregou o “fuzilamento” do ex-presidente FHC.
Sua PF e o “seu Exército”, como às vezes chama as Forças Armadas — como se
fossem sua guarda pretoriana — não têm, para ele, o objetivo de defender a
democracia, certamente.
LEI ANACRÔNICA Juristas querem mudar a LSN. Miguel Reale
Jr., signatário de um recurso (acima), diz que presidente quer tolher críticas
(Crédito:André Dusek)
REAÇÃO NO STF Ministro Marco Aurélio Melo negou recurso do
presidente e criticou a visão “totalitária” (Crédito:Mateus Bonomi)
A nova repressão não alarmou apenas os políticos. Desagradou
os militares, que já estão desgastados com o episódio Pazuello, um militar da
ativa que ameaça colocar o Exército na prática como vilão da crise sanitária.
“É sem dúvida uma busca de tolher espaço às críticas. Não me parece adequada e
até vai no sentido de prejudicar adversários do presidente claramente”, diz um
alto general que já integrou o governo. Para Reale Jr., “Bolsonaro já falou em
estado de defesa. Agora, falou em estado de sítio. Visivelmente, é alguém que
quer o confronto e a redução das liberdades políticas”. O mandatário se inspira
no AI-5, editado em 1968. Na época, militares consideravam que a oposição e a
imprensa veiculavam “ofensas e provocações irresponsáveis e intoleráveis”. Era
a época em que se exigiam atestados ideológicos, como já havia acontecido na
era Getulio Vargas. Nos anos 1930, a comunicação era controlada, aí sim, por um
tiranete, Lourival Fontes, o ministro da Propaganda, em quem o atual titular da
Justiça parece se inspirar. O Brasil atual precisa superar esse ranço
autoritário e garantir o amadurecimento institucional e democrático. Os EUA,
que têm na liberdade de expressão uma das bases da sua democracia, são um
exemplo. Lá, a livre circulação de ideias é considerada vital para a busca da
verdade e para o escrutínio do governante. A censura e a perseguição não são
toleradas e o homem público deve se submeter às críticas mais ácidas, ainda que
de mau gosto ou injustas. Aqui, o próprio STF já indicou o caminho, na ação que
proibiu a repressão a sátiras durante as eleições (ADI 4451). Que siga esse
caminho para afastar a nova ameaça autocrática.
https://istoe.com.br/a-policia-do-capitao/
PF deflagra nova fase da Operação Quinta Coluna e apura tráfico na FAB
As medidas buscam fortalecer as provas que ligam militar da Força Aérea Brasileira que seria responsável pelo recrutamento de “mulas”
atualizado 25/03/2021 7:23
A Polícia Federal cumpre, nesta quinta-feira (25/3), três mandados de busca e apreensão relacionados à Operação Quinta Coluna, que apura a atuação de uma associação criminosa que se utilizou de aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) para enviar drogas à Espanha.
As medidas buscam fortalecer as provas que ligam militar da FAB que seria responsável pelo recrutamento de “mulas” com pessoas relacionadas ao tráfico de entorpecentes.
Os mandados foram expedidos pela 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, com base na análise de documentos apreendidos na fase anterior da operação.
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